O que a Revolução Russa representou para a organização econômica social e política no mundo

O movimento, ocorrido em 1917, causou uma das grandes rupturas da história, com consequências que chegam até o presente


Quando os revolucionários franceses decidiram criar a República, em 1792, tiveram a ideia de instituir o calendário revolucionário – ou calendário republicano – para simbolizar a ruptura com a antiga ordem e o início de uma nova era. Mais importante foi recusa ao passado – então ainda vigente – de opressão, de desigualdade legalizada e de relações de abuso e exploração que simbolizavam a monarquia absoluta e a cultura clerical. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade resistem na memória coletiva. No entanto, a adoção do calendário gregoriano, bastante simbólica, quase não é mencionada.

Mais de 100 anos depois, os revolucionários russos adotaram o calendário gregoriano, criado em 1582, ajustando-se à lógica europeia, num ato de ruptura com seu passado monárquico. A Igreja Ortodoxa segue, e ainda o faz, o calendário juliano. Por isso, quando falamos em Revolução Russa as datas não batem. A chamada Revolução de Outubro, portanto, de acordo com o atual calendário, ocorreu em novembro.

O atraso russo de 13 dias em seu calendário não refletia a totalidade do retrocesso em relação à Europa, Estados Unidos e Japão. Politicamente, os russos só tiveram um Parlamento livre no século 20 – por um breve período, em 1905, e após fevereiro de 1917. Na esfera econômica, a situação era ainda pior. A Rússia só começou a se industrializar no início do século 20, mas continuou predominantemente agrária.

No século 19, o atraso social na Rússia era evidente. A servidão no campo foi abolida apenas em 1861. Karl Marx (1818-1883) previa um desenvolvimento pleno da sociedade industrial como condição necessária para a construção de uma sociedade em novas bases. Mas essa Rússia “atrasada” contrariou Marx, pois, de maneira singular na história, pulou etapas.

SALTOS

A modernização e a industrialização da economia de um país agrário, recém-saído de uma sociedade semifeudal, foi o primeiro e mais imediato impacto dos eventos de 1917. Da condição de derrotada e humilhada por sucessivas guerras, a Rússia se transformou na chamada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), constituindo, a partir de 1945, o posto de segunda potência mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.

Conheça São Petersburgo, no coração da Revolução

 

 

 

Do fim da Segunda Guerra até 1989, o mundo assistiu à bipolarização decorrente das fraturas sociais de 1917. Um terço da humanidade viveu, durante esse período, sob sistemas de governo e economias derivados de variações da fórmula social proposta pelo marxismo-leninismo surgido em 1917.

Se olharmos para o passado, veremos que a revolução gestou uma economia em que o Estado e sua burocracia cumpriram o papel que a burguesia industrial desempenhou no Ocidente, ou seja, arrancar esses países de sua base agrária e trazê-los ao mundo urbano e industrializado, fórmula que, posteriormente, seria repetida em outros países.

DITADURAS

Se o primeiro impacto da Revolução Russa foi amplamente favorável aos revolucionários de 1917, o segundo, não. O conceito de “ditadura do proletariado” e o centralismo democrático – em que pesava mais o centralismo que o democrático do Partido Operário Social-Democrata Russo –, já definiram a tendência autoritária do governo instituído em 1917.

As características singulares da história russa, sobretudo a ausência de estabilidade democrática duradoura,  foram determinantes para que o Estado soviético cristalizasse o que existe de mais condenado em sua história: o stalinismo. Apesar das óbvias mudanças no período imediatamente posterior a Stalin, sua dimensão autoritária permaneceu evidente e as poucas tentativas de reformas democráticas dos estados soviéticos foram dramaticamente reprimidas. O modelo permaneceu insensível às transformações, reproduzindo as características perversas do absolutismo que havia sido derrubado em 1917.

GANHOS

Ao final da Primeira Guerra Mundial, Vladimir Lênin e os bolcheviques esperavam que o exemplo rússo promovesse outras revoluções na Europa Ocidental. Apesar das enormes perdas humanas e da demonstração da brutalidade da velha ordem mundial, as previsões não se confirmaram e, mesmo com a queda de quatro impérios – o russo, o alemão, o austro-húngaro e o turco-otomano –, as revoluções socialistas não ocorreram.

Os princípios da Revolução de 1917, no entanto, permaneceram vivos e vieram à tona após a Segunda Guerra, especialmente nas lutas anticoloniais que varreram a África, a Ásia e parte do Oriente Médio. China, Coreia, Vietnã, Angola e Moçambique foram revoluções tardias, mas que mudaram a geopolítica mundial e sacudiram as bases dos impérios europeus.

As esperadas mudanças de caráter socialista ocorreram apenas em países que, de alguma forma, já estavam sob a influência russa. A forma de governo nos moldes leninistas na Ucrânia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão e Bielorrússia foram a resposta soviética ao bloqueio econômico e comercial imposto por Inglaterra, França e Estados Unidos, que buscavam frear o avanço da ideologia socialista na Europa Oriental e Ocidental, além de fragilizar a própria Rússia soviética.

Após a crise de 1929, os soviéticos assistiram a um triplo movimento no mundo. O crescimento das ideias de esquerda, sejam as sociais-democratas mais reformistas, que florescem especialmente nos países nórdicos, na França e na Inglaterra, ou aquelas de cunho mais revolucionário, como na Espanha durante a Guerra Civil (1936-1939) e no Leste Europeu após a Segunda Guerra Mundial.

Certos princípios disseminados pela Revolução Russa – a educação universal e pública, a saúde gratuita, a regulamentação das jornadas e das condições de trabalho e, o mais importante, a presença decisiva do Estado promotor da modernização e interventor na economia – se tornaram presentes na Europa e em outros países desde então.

“Ceder os anéis para não perder o dedo” ou “fazer a revolução antes que o povo a faça” foram lemas que tiveram origem na sombra soviética, projetada sobre todas as sociedades construídas na desigualdade e polarizadas pela luta de classes.

A Revolução Russa representou um denominador comum, seja naqueles casos em que se colocava frontalmente contra a ideologia, já nessa época chamada de “comunista” pelos nazistas e fascistas, assim como por aqueles que compartilhavam o mesmo background – os sociais-democratas, denominados socialistas, que mantiveram parte dos princípios revolucionários concebidos em 1917.

Se a Revolução Russa representou o início da economia planificada na URSS, no Ocidente ela decretou a morte do liberalismo e foi fundamental para o estabelecimento do futuro Estado do bem-estar social como pacto de classes e resposta ao “perigo comunista”. E, por oposição, também contribuiu para o que veio a se tornar o modelo do Estado empreendedor, nascido tanto das experiências nazifascistas como keynesianas e que, hoje, é o que de fato dá as cartas em boa parte do mundo.



O QUE FAZ UMA REVOLUÇÃO?

De um lado, a Catedral de São Basílio, construída pelo primeiro czar – Ivan, o Temível (1530-1584), simbolizou a unificação da Rússia e o início de um longo casamento entre absolutismo e povo. De outro, a Igreja do Sangue Derramado consagrou o início do divórcio entre a autocracia e os seus governados. Construída por Alexandre III (1881-1894), essa igreja foi uma declaração de guerra à modernização e à ocidentalização da Rússia, pretendida por Pedro, o Grande (1672-1725) e por Catarina II (1729-1796).

Alexandre II foi um reformista. Decretou o fim da servidão, maior tolerância com a imprensa e certa liberdade de opinião, além de prometer a criação de uma assembleia consultiva. Os inimigos externos da Rússia já não representavam qualquer ameaça. Os poloneses e lituanos, os suecos, os tártaros, o Império Otomano e, por fim, até Napoleão e os ventos revolucionários franceses tinham sido derrotados.

No entanto, na segunda metade do século 19, a ausência de mudanças agravou os problemas internos, sobretudo a servidão, que impedia o desenvolvimento agrícola e industrial. A insatisfação era sentida no campo, com a eclosão de diversas revoltas. Os ventos europeus carregando ideias liberais, socialistas, constitucionalistas e republicanas atingiram a classe média russa no setor mais delicado para a monarquia: os militares.

É no contexto de uma sucessão de guerras desastrosas, endividamento da Coroa russa e desorganização da economia que o desabastecimento e a fome se alastraram. Somaram-se a esses fatores o crescente ódio ao czarismo por séculos de massacres e repressão a qualquer oposição. Assim, foi criado o caldeirão da revolução que explodiu em 1917, nos termos de John Reed, naqueles 10 dias que abalaram o mundo.


REVOLTA DOS DEZEMBRISTAS

Quando Alexandre I (1801-1825) invadiu a França, depois da vitória sobre Napoleão, viu-se obrigado a garantir a preservação da Constituição francesa no território ocupado. Enquanto permaneceu em Paris, o oficialato e soldados russos vivenciaram muitas contradições: os militares que derrotaram Napoleão assistiram ao imperador permitir que os franceses tivessem a sua Constituição, não conseguindo entender por que não podiam igualmente tê-la na Rússia. Por seu turno, os soldados tampouco compreendiam por que os camponeses franceses tinham mais direitos e liberdades do que os de seu país. Ao retornarem à Rússia, foi na sucessão de Alexandre I que explodiu, em dezembro de 1825, aquilo que ficou conhecido como a Revolta dos Dezembristas. Boa parte dos oficiais se recusou a jurar lealdade ao novo czar, Nicolau I (1825-1855), exigindo uma série de reformas, entre elas uma Constituição e a abolição da servidão. Tal movimento, e o seu brutal massacre, ocorreu em dezembro de 1825, daí a origem de seu nome, que hoje perdura na praça ao lado do Palácio de Inverno de São Petesburgo.

OPOSIÇÃO
INTELECTUAL


O massacre, a tiros de canhão, naquele dezembro de 1825, de parte do Exército russo deixou sequelas. Um movimento clandestino se alastrou. Intelectuais e estudantes começaram a se manifestar contra a servidão, defendendo liberdade e democratização. Em 1848, os ideais republicanos, nacionalistas e antimonarquistas se alastraram por toda a Europa. Anarquistas, socialistas e nacionalistas entraram em cena de forma definitiva, chegando até a Rússia. Em 1852, Ivan Turguêniev (1818-1883) lançou o romance Memórias de um caçador, crítica destruidora da servidão. A opinião pública reage tão fortemente, que Nicolau II colocou o escritor em prisão domiciliar. As organizações clandestinas proliferaram e na inteligência russa prosperaram pregações reformistas, pela liberdade de pensamento, de manifestação e reivindicações de caráter social. Autores como Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Leon Tolstoi (1828-1910) e outros chegaram a participar de círculos e organizações abertamente anticzaristas. Por isso, Dostoiévski foi condenado à prisão e ao serviço militar obrigatório. Sua obra reflete todas as contradições desse período.

GUERRA E REFORMAS

Ao longo do século 19, a monarquia e a aristocracia russas foram paulatinamente encurraladas. Nicolau I, que ascendeu ao poder em 1825 massacrando os oficiais dezembristas, tentou unificar a Rússia sob a ameaça do inimigo externo. Ele empurrou o país para um conflito trágico: a Guerra da Crimeia (1853-1856). Enfrentando França, Inglaterra e o Império Otomano, a Rússia foi derrotada. Com a morte de Nicolau I, em 1855, coube ao filho, Alexandre II, arcar com o ônus financeiro, social e político. Para não perder a coroa, Alexandre II anunciou várias reformas, incluindo o fim da servidão. Mas a proposta de diálogo chegou tarde. O ódio ao czarismo crescia e Alexandre II sofreu cinco atentados. Em 1º de março de 1881, duas bombas explodiram sobre a carruagem do czar – estraçalhando suas pernas e o condenando à morte – no exato local onde foi erguida a Igreja do Sangue Derramado, em São Petersburgo.

REPRESSÃO E IRONIA

Diferentemente de Alexandre II, seu filho Alexandre III se voltou à Rússia tradicional, tornando-se um brutal repressor. Lançou a polícia secreta sobre seus adversários, fechou jornais de oposição, prendeu à revelia, torturou, assassinou e avançou sobre os movimentos nacionalistas. Se os novos atores políticos e sociais que despontavam na Rússia seriam, por si, suficientes para desestabilizar a monarquia, foi a dura repressão de Alexandre III que serviu para isolá-la. Em sua ânsia de frear a história, mandou enforcar um xará, de sobrenome Ulyanov, cujo irmão mais novo se torna conhecido na história pelo codinome de Lênin. Por ironia, foi o segundo Ulyanov quem decidiu o destino do filho do czar Alexandre III, Nicolau II, chamado o Pacificador. A ordem partiu de Moscou, de Lênin e do líder bolchevique Yakov Sverdlov. Nicolau II, a mulher, o filho, as quatro filhas, o médico da família imperial, um servo pessoal, a camareira da imperatriz e o cozinheiro da família foram executados na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, em Ecaterimburgo. Foi o fim do czarismo, aquele que Alexandre III, com sua truculência, acreditava perpetuar.

NOVOS ATORES

Na cena política, novos atores passaram a desempenhar papel fundamental na criação de condições para a Revolução de 1917: camponeses, operários urbanos a incipiente burguesia industrial russa. Mesmo com a abolição da servidão, as diferenças de classe no campo continuaram existindo e mantendo viva a insatisfação com a monarquia. Na virada do século 20, apenas 20% da população russa vivia nas cidades. Foram os camponeses que integraram a linha de frente das jornadas de fevereiro e outubro, pois a maioria dos soldados do Exército era filha de famílias camponesas e alimentava ódio contra a nobreza e a aristocracia que os oprimia. Nas cidades, a industrialização ainda era incipiente. De um lado, a pequena burguesia. De outro, um operariado em péssimas condições de trabalho e subsistência. A ausência de direito de greve e de organização e a proibição de sindicatos e manifestações – reprimidas pela polícia – fomentaram o radicalismo e a aceitação dos ideais revolucionários. A burguesia industrial, que poderia ter liderado a transição da Rússia czarista para uma monarquia constitucional ou para uma República, não encontrou espaço político para transformações efetivas no regime, fazendo com que a monarquia, aristocracia e clero se fechassem em defesa do absolutismo.

ABALOS NO
CZARISMO


Em meio ao envolvimento da Rússia na guerra contra o Japão, que resultaria em uma vergonhosa derrota, em 9 de janeiro de 1905, uma manifestação de trabalhadores tentou levar ao czar uma petição por melhores condições de vida. A manifestação foi um massacre – números variam de 300 a mil mortos –, conhecida como Domingo Sangrento. O evento arrastou uma onda de furor e revolta por toda a Rússia. Vários conselhos operários de inspiração anarquista, chamados soviets, foram criados para tentar reagir. No interior, os camponeses iniciam ocupações exigindo reforma agrária, queimando e pilhando grandes propriedades. Entre os militares, a tripulação do encouraçado Potemkin se rebelou em junho e, com ela, a frota do Mar Negro. Diante da guerra externa e da crescente insurreição interna, o czar Nicolau II cedeu às pressões dos setores liberais russos e assinou a Carta de Outubro. Com ela, “concedeu” a liberdade de expressão, liberou o direito de organização partidária e convocou eleições para a Duma (Parlamento), acenando com a ideia de uma monarquia constitucional. Mas as divergências entre os líderes da revolução fizeram com que, gradativamente, o czar voltasse a controlar a situação e iniciasse uma brutal repressão.

A PRIMEIRA GUERRA

Outra guerra tornou a situação do czar Nicolau II insustentável. Desta vez contra o Império Alemão, com o melhor exército e pela mais dinâmica economia do período. Diante da ameaça alemã nos Bálcãs, área de interesse e influência da Rússia, o czar entrou no conflito, aliado aos franceses e ingleses, atacando o Império Otomano e o Império Austro-húngaro. Essa prolongada guerra, para a qual nenhum dos países envolvidos estava preparado, de todos cobrou alto preço. Rebeliões no Exército francês, no austríaco e no russo se armavam. Mesmo o Império Alemão, de excelente infraestrutura econômica e logística, apresentava rachaduras sociais e em suas frentes de conflito. A Rússia, o oposto dessa organização, pagou o preço por seu atraso.

LÊNIN E O IMPERIALISMO

Depois que seu irmão foi condenado à morte pela polícia de Alexandre III, Lênin foi expulso da Universidade Imperial de Kazan aparentemente por pertencer a organizações estudantis que representavam minorias étnicas. Conseguiu concluir o curso de direito na Faculdade de São Petersburgo, vinculando-se ao Partido Operário Social Democrata Russo. Inicialmente se inclina às ideias de Gueorgui Plekhanov (1856-1918): a Rússia evoluía do feudalismo para o capitalismo e, somente após o desenvolvimento deste, se transformaria numa sociedade socialista. Nesse processo, os operários urbanos teriam papel central. Mas Lênin também conviveu com membros de uma corrente popular denominada narodniks ou populistas, segundo a qual o papel central no processo de transformação do Estado caberia aos camponeses e que, através de organizações comunitárias e cooperativas agrícolas, a Rússia poderia se desviar do capitalismo. A partir dessas experiências, que se somam a leituras posteriores sobre a nova etapa do capitalismo mundial, Lênin começou a advogar uma nova interpretação da realidade russa e da consolidação do socialismo. Em sua concepção, apesar do papel central do operariado na construção da nova ordem, a Rússia não precisaria atravessar um desenvolvimento pleno de sociedade industrial – como a Alemanha, a Inglaterra e a França – para atingir o socialismo. Para ele, a Rússia, dado o novo momento vivido pelo capitalismo mundial, que ele chamava de imperialismo, seria o elo mais fraco da cadeia e mais propenso à ruptura da ordem capitalista que seus rivais na Europa. No plano político, as implicações desse entendimento eram óbvias: os operários russos e os camponeses, se quisessem construir uma nova ordem, deveriam se manter longe da burguesia industrial e agrária. Para Lênin, estas eram incapazes de romper com a ordem czarista, por sua fragilidade política e econômica. Essa divergência de orientação dá origem à divisão do Partido Operário Social Democrata Russo entre bolcheviques (maioria em russo) e mencheviques (minoria), cuja polarização se exacerbaria nos anos posteriores.

A VIRADA

Com a fome se impondo, em fevereiro de 1917 explodiram as primeiras revoltas na capital Petrogrado, sempre acompanhadas por implacável repressão. Numa das greves, o czar Nicolau II mandou que os militares contivessem os manifestantes, mas parte do Exército aderiu à revolta. O exemplo se alastrou rapidamente para outras cidades e, especialmente, para outros corpos do Exército russo. Na frente de guerra contra a Alemanha e a Áustria, os soldados russos se recusaram a lutar. Em 27 de fevereiro do calendário juliano, soldados e trabalhadores com bandeiras vermelhas invadiram a Duma (Parlamento), exigindo o fim do czarismo. O movimento rebelde criou então o Conselho de Representantes dos Operários e Soldados (Soviet) de Petrogrado, que, dali em diante, tornou-se o centro da revolução.

Aconselhado a abdicar por seus mais importantes generais, Nicolau II foi pressionado a criar um governo provisório sob a liderança do príncipe Georgy Lvov, na tentativa de se reconstituir, no médio prazo, uma monarquia constitucional, ainda que naquele momento tivesse o esboço institucional de uma República.

As ordens emanadas do governo provisório se chocaram com o soviet de Petrogrado, que reivindicou para si a legitimidade de governar. O governo de coalizão, sustentado por burgueses urbanos e nobres rurais, ficou imobilizado e sem poder para efetivar as medidas que diminuiriam as tensões sociais. No plano externo, o governo não conseguiu acabar com a guerra, porque seus aliados e credores ingleses exigiam a manutenção da frente ocidental para novos financiamentos. Internamente, a aliança com a nobreza impedia a reforma agrária reivindicada.

A falência do sistema de abastecimento continuou a provocar descontentamento, saques nos centros urbanos e a fome debilitava vastas parcelas da população. Nesse cenário de descrédito, o governo provisório se tornou inoperante. Defendendo a saída da Rússia da guerra, Lênin, que estava exilado, negociou com os alemães, que desejavam o mesmo, o seu retorno à Rússia. Providenciaram apoio, recursos e proteção para sua volta e, em abril de 1917, Lênin desembarcou na Estação Finlândia. Junto aos bolcheviques, lançou as “Teses de Abril”, defendendo a tríade “paz, pão e terra”.

A proposta de Lênin defendia o acordo de paz com a Alemanha, para solucionar o abastecimento, a inflação e promover a reforma agrária. Essas palavras soaram como música para os soldados, cansados de uma guerra em que 4 milhões já tinham morrido.

Os bolcheviques perceberam que, ao inflar o poder dos soviets, seria inevitável o confronto com a Duma e com o governo provisório, preocupados com a convocação de uma Assembleia Constituinte para definir a arquitetura política da nova Rússia. Para fomentar a revolta e desacreditar o governo vigente, os soviets se concentraram nos problemas de sobrevivência imediatos da população. O conflito entre esses dois polos de poder marcou a história da Rússia de fevereiro a outubro no calendário juliano – março e novembro no gregoriano.

Com os soldados se recusando a lutar nas frentes e com os marinheiros em revolta na fortaleza de Kronstadt, em final de outubro, os anarquistas, os socialistas revolucionários e os bolcheviques decidiram que era chegada a hora de romper com o governo provisório. Entre 25 e 26 de outubro (do calendário juliano), tomaram Petrogrado. No primeiro dia, todas as agências do governo, correios e telégrafos, bases militares e prédios do governo civil foram controladas pelos soviéticos. No dia subsequente, o Palácio de Inverno, sede do governo provisório, foi invadido, e vários ministros presos. A tentativa de resistência de grupos militares não foi capaz de mobilizar as bases e fracassou. Lênin estimulou a ideia de “todo poder aos soviets” e ordenou o fechamento da Assembleia Nacional Constituinte. A partir desse momento, o conflito não poderia mais ser resolvido no campo da política, mas apenas pela via militar.

Após a tomada do poder, o governo soviético adotou medidas que consolidaram o apoio de boa parte dos soldados. De um lado, o chamado Exército Vermelho, comandado por Lênin e os bolcheviques, e apoiado pelos anarquistas e os socialistas revolucionários, que dominavam os grandes centros urbanos, especialmente a capital Petrogrado. De outro, denominado Exército Branco, os mencheviques, a nobreza e os kulaks (camponeses ricos) predominam no campo e em outras cidades importantes, não russas como Kiev e Helsinque. Potências ocidentais, entre elas os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, apoiaram os “brancos”.

A guerra civil entre os dois exércitos foi sangrenta e durou anos. Após a vitória do Exército Vermelho, em meados de 1921, os russos começam a reconstrução de sua economia, consolidando a mais importante revolução do século 20, que determinou o ponto de inflexão na história do mundo.