De tempos em tempos, Mário Pedrosa precisa ser colocado no centro do debate. O que ele tem a dizer sobre os nossos tempos?
Uma exposição em Madri revisita a trajetória do crítico brasileiro, nascido em Pernambuco junto com o século 20 e morto em 1981, e traz algumas respostas possíveis a essa pergunta.
De la naturaleza afectiva de la forma, em exibição até 16 de outubro no Reina Sofía, com curadoria de Gabriel Pérez- Barreiro e Michelle Sommer, faz parte de uma série de exposições recentemente organizadas em torno do legado de críticos e curadores.
Essas iniciativas podem oferecer uma maneira de compreender a construção das narrativas sobre a história da arte de outros pontos de vista, para além das ortodoxias de movimentos, escolas e estilos. No caso de Pedrosa, como o próprio texto de abertura da mostra indica, estamos diante de um pensador cujo modelo de abordagem é aberto e plural.
O título da exposição, retirado de sua tese de 1949 apresentada à Faculdade Nacional de Arquitetura , dá conta de um entendimento afetivo da arte, antes que racional e logocêntrico. Para Pedrosa, a arte era uma “necessidade vital”, título de outro célebre ensaio, de dois anos antes, pronunciado como conferência por ocasião do encerramento de uma exposição de pintura dos internos do Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio.
Pedrosa defendia que a arte está presente em todas as culturas e é capaz de alterar a sensibilidade do indivíduo (do artista, do espectador) e, portanto, a ordem social.
A exposição em Madri é montada a partir de núcleos de obras, construídos em torno dos diversos interesses de Pedrosa como crítico e intelectual orgânico, profundamente entranhado nas transformações que o meio de arte sofreu no Brasil ao longo do século 20, no quadro do projeto de modernização do país. Sua militância comunista surge na primeira sala, em que pinturas de Portinari da série Retirantes (1944) são apresentadas ao lado das gravuras da alemã Kathe Kolwitz, tema do primeiro ensaio crítico importante do autor, em 1933. A arte de denúncia, ao lado dos espoliados, é a chave.
Nas salas seguintes vemos sua trajetória ser desdobrada em agrupamentos que reúnem obras dos artistas neoconcretos, para quem Pedrosa foi fundamental, dos artistas ditos doentes mentais e autodidatas, cujo trabalho promoveu e defendeu, e das neovanguardas que se organizaram em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro no fim dos anos 1960.
Um núcleo é justamente dedicado a Brasília, uma das pedras de toque do pensamento pedrosiano, considerada o “empreendimento transcendente” capaz de dar novo significado ao projeto moderno no país
A exposição falha ao dar pouca voz aos textos de Pedrosa e o mesmo pode se dizer da documentação de época, em letreiros e vitrines que pontuam timidamente as salas monumentais do museu. As obras são o fio condutor e protagonistas da exposição, criando uma narrativa que deve ser considerada um dos pontos de partida históricos para se pensar uma pauta mais inclusiva para a crítica e a curadoria hoje no Brasil, dentro de uma perspectiva da diversidade.
O exemplo ético de Pedrosa, sua refração às ortodoxias, seu sentido de urgência em relação à arte de seu tempo e sua independência de espírito saem renovados do escrutínio museológico. Fica a lição para se pensar qualquer projeto de (museu de) arte na atualidade brasileira, um antídoto ao obscurantismo vindo daquele mestre que chamou a arte o “exercício experimental da liberdade”.
Oportunamente, o lançamento simultâneo do livro Pas de politique, Mariô – Mário Pedrosa e a política, de Dainis Karepovs, joga luz na sua participação no campo da política, desde a adesão ao comunismo, nos anos 1920, à militância trotskista e a participação na fundação do Partido dos Trabalhadores no final de sua vida, do qual foi o filiado número 1.
O livro conta com uma riqueza de fontes iconográficas extraídas do arquivo do autor, que nos faz desejar que ele abra o caminho para republicações de títulos há muito esgotados.
Rever hoje a trajetória política de Pedrosa no contexto dos embates entre o liberalismo à brasileira e as tendências populistas, em busca sempre da construção de uma esquerda democrática, guarda uma atualidade amarga face aos eventos políticos recentes no país.
* Rodrigo Moura é crítico de arte, curador adjunto de arte brasileira no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
EDIFÍCIO PEDROSA
O crítico em cinco títulos
Acadêmicos e modernos
. De: Mário Pedrosa
. Editora: Edusp (432 págs.)
. Preço sugerido: R$ 76
No final dos anos 1990, a acadêmica paulista Otília Arantes organizou uma antologia dos escritos de Pedrosa em quatro volumes, reunindo textos publicados em jornal, catálogos e teses, num total de quase 2 mil páginas. Esse volume corresponde aos artigos sobre artistas do Modernismo, como Segall, Di e Portinari até outros então mais contemporâneos, como Mira Schendel e Lygia Clark, revelando o engajamento de Pedrosa com a arte de seu tempo.
Arquitetura
.
De: Mário Pedrosa
. Editora: Cosac Naify (192 págs.)
. Esgotado
O crítico via na arquitetura uma síntese de todas as artes e foi um dos principais divulgadores e defensores da arquitetura moderna brasileira. Este volume, organizado por Guilherme Wisnik, reúne seus principais escritos sobre o assunto, incluindo suas reflexões sobre Brasília, a “grande cidade nova”, capaz de trazer uma nova etapa ao projeto moderno no Brasil – que via, ainda que de maneira crítica, como a principal vocação do país.
Pas de politique Mariô! Mário Pedrosa e a política
. De: Dainis Karepovis
. Editora: Ateliê Editorial/Fundação Perseu Abramo (296 págs.)
. Preço sugerido: R$ 37,47
Antes de ser reconhecido como crítico de arte, Pedrosa foi militante comunista, sendo um dos responsáveis pela introdução das ideias trotskistas no Brasil.
Este título resgata sua dimensão para a vida política brasileira, como pensador e ativista. Reúne ainda depoimentos de contemporâneos, como Claudio Abramo e Hélio Pellegrino, e uma bibliografia comentada de seus livros de política, incluindo Sobre o Partido dos Trabalhadores (1980), que ele ajudou a fundar.
Mário Pedrosa: Itinerário crítico
. De: Otília Beatriz Fiori Arantes
. Editora: Cosac Naify (192 págs.)
. Preço sugerido: R$ 69
Principal estudiosa da obra de Pedrosa e responsável pela mais completa organização de sua obra, Arantes reconstitui, neste livro de 1991, sua trajetória, focando em sua trajetória como crítico de arte. Os capítulos analisam desde o início de sua atividade, quando o engajamento político liderava os interesses estéticos, até o fim, quando retorna do exílio desiludido com o papel das vanguardas.
Esta nova edição inclui um caderno de imagens.
Mario Pedrosa: An Anthology
.
Organizadores: Gloria Ferreira e Paulo Herkenhoff
. Editora: MoMA Primary Documents/Duke University Press (464 págs.)
. Preço sugerido: R$ 142,95
Sua primeira grande coletânea de textos em inglês saiu pela prestigiosa série Primary Documents, publicada pelo MoMA de Nova York. É a antologia mais recente dos textos de Pedrosa, dividida em capítulos com ensaios introdutórios, e marca uma nova fase da recepção internacional de seu legado. Traz correspondência com figuras centrais do mundo artístico do século 20, como André Breton, Harald Szeeman, Giulio Carlo Argan e Lygia Clark.