O centenário do pirotécnico

Em 1º de junho se completa o centenário de Murilo Rubião e o Pensar reuniu testemunhos sobre o escritor

por Angelo Oswaldo 27/05/2016 11:53
Reprodução/Quinho
Caricatura de Quinho para o centenário de Murilo Rubião 2016, caderno Pensar (foto: Reprodução/Quinho)
O tempo tem sido generoso com Murilo Rubião (1916-1991), cujo centenário de nascimento se completa em 1º de junho. Teve reconhecimento de sua grandeza literária em vida, embora mereça maior projeção nacional e internacional. No entanto, sua obra e seu legado transcendem a literatura. Articulador entre as esferas políticas e culturais – foi chefe de gabinete de JK –, tinha a capacidade de ser sério e rigoroso, sem deixar a generosidade de lado. Como artista ou como homem, Rubião espalhou sabedoria pelas ruas de Belo Horizonte. O Pensar convidou várias pessoas para escrever pequenos testemunhos sobre o escritor. Os depoimentos aqui reunidos trazem um pouco do criador de Teleco, do pirotécnico, do ex-mágico, dos dragões e de tantas mulheres: Bárbara, Ofélia, Epidólia, Petúnia. Seres que ainda devem vagar pelo edifício e, talvez, sentar-se no Lua Nova, pedir um chope para celebrar os 100 anos de seu pai. Salve, Murilo Rubião.

UM ESTRATEGISTA DA CULTURA

Murilo Rubião recebeu do governador Israel Pinheiro (1966-1971) missões que incumbiriam a um secretário de Cultura. Deve-se assim ao admirável contista a implantação de um programa antecipador de ações que hoje se desdobram na pasta dedicada ao setor. Logo em 1966, faz exato meio século, Rubião criou o Suplemento Literário, no ventre do diário oficial do estado, quando a censura avançava sobre todos os meios de comunicação. Um caderno de vanguarda, pensado à revelia dos padrões do regime autoritário, protegeu-se em meio à enxurrada de atos burocráticos do Minas Gerais para levar a toda parte o sopro da renovação cultural.

 

Em seguida, Israel pediu a Rubião que institucionalizasse a escola plantada no Parque Municipal pelo artista plástico Alberto Guignard, refugiada nos escombros do teatro iniciado por Juscelino Kubitschek, a ser então concluído por determinação do governador. Guignard criou sua escola em 1944 e morreu em 1962. Foi pela ação de Murilo que surgiu a Fundação Escola Guignard, entidade mais tarde incorporada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). A Rádio Inconfidência, pouco depois, foi entregue ao escritor a fim de que se reorganizasse, em busca de modernização e dinamismo.

 

Em 1968, o diplomata Vinicius de Moraes foi cedido ao estado pelo chanceler Magalhães Pinto, por artes de seu chefe de gabinete e genro de Israel, Otto Lara Resende, de vez que o poeta estava na mira dos militares para cassação.Assim como Olavo Bilac se escondera de Floriano Peixoto em Ouro Preto, Vinicius para lá foi mandado, a fim de se proteger da espada do marechal Costa e Silva. O governador mineiro pediu-lhe um projeto especial para promover a cidade e garantir sua preservação. Achava-se em construção o anel rodoviário que deveria retirar o trânsito pesado do Centro da velha Vila Rica, na qual Israel Pinheiro se formara na Escola de Minas, com o título de primeiro da turma de1920. O governo do estado queria valorizar Ouro Preto. Havia criado, em 1966, um grande festival, no ano seguinte confiado à promoção da UFMG, e reformava
o Grande Hotel, de Niemeyer (projeto de 1939).

 

Vinicius de Moraes procurou a ajuda de Domitila Amaral, que morava na Rua Nova, em casa construída entre as ruínas do antigo palácio do bispo de Mariana. O poeta e a atriz entregaram ao governador um dossiê recomendando a criação de uma fundação de arte, para que Ouro Preto “se transformasse numa Arezzo brasileira”, como enfatizou Vinicius, evocando os festivais da cidade italiana. Coube a Murilo Rubião a tarefa. Contando com a colaboração do poeta Affonso Ávila e do escritor Rui Mourão, ele preparou os estatutos da entidade e o projeto de lei pelo qual a Assembleia aprovou e Israel Pinheiro instalou a Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop). Murilo acompanhou de perto o restauro da sede, na Rua Getúlio Vargas, e a criação da Escola de Arte Rodrigo Melo Franco de Andrade, com Nelo Nuno e Annamélia Lopes à frente.

 

Discreto e eficiente, Murilo Rubião contribuiu, de modo extraordinário, para a organização da presença do governo mineiro no campo da cultura. A comemoração dos seus 100 anos abraça o cinquentenário de umade suas maiores criações, o Suplemento Literário.

 

*Angelo Oswaldo é secretário de Estado da Cultura de Minas Gerais

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