UM ESTRATEGISTA DA CULTURA
Murilo Rubião recebeu do governador Israel Pinheiro (1966-1971) missões que incumbiriam a um secretário de Cultura. Deve-se assim ao admirável contista a implantação de um programa antecipador de ações que hoje se desdobram na pasta dedicada ao setor. Logo em 1966, faz exato meio século, Rubião criou o Suplemento Literário, no ventre do diário oficial do estado, quando a censura avançava sobre todos os meios de comunicação. Um caderno de vanguarda, pensado à revelia dos padrões do regime autoritário, protegeu-se em meio à enxurrada de atos burocráticos do Minas Gerais para levar a toda parte o sopro da renovação cultural.
Em seguida, Israel pediu a Rubião que institucionalizasse a escola plantada no Parque Municipal pelo artista plástico Alberto Guignard, refugiada nos escombros do teatro iniciado por Juscelino Kubitschek, a ser então concluído por determinação do governador. Guignard criou sua escola em 1944 e morreu em 1962. Foi pela ação de Murilo que surgiu a Fundação Escola Guignard, entidade mais tarde incorporada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). A Rádio Inconfidência, pouco depois, foi entregue ao escritor a fim de que se reorganizasse, em busca de modernização e dinamismo.
Em 1968, o diplomata Vinicius de Moraes foi cedido ao estado pelo chanceler Magalhães Pinto, por artes de seu chefe de gabinete e genro de Israel, Otto Lara Resende, de vez que o poeta estava na mira dos militares para cassação.Assim como Olavo Bilac se escondera de Floriano Peixoto em Ouro Preto, Vinicius para lá foi mandado, a fim de se proteger da espada do marechal Costa e Silva. O governador mineiro pediu-lhe um projeto especial para promover a cidade e garantir sua preservação. Achava-se em construção o anel rodoviário que deveria retirar o trânsito pesado do Centro da velha Vila Rica, na qual Israel Pinheiro se formara na Escola de Minas, com o título de primeiro da turma de1920. O governo do estado queria valorizar Ouro Preto. Havia criado, em 1966, um grande festival, no ano seguinte confiado à promoção da UFMG, e reformava
o Grande Hotel, de Niemeyer (projeto de 1939).
Vinicius de Moraes procurou a ajuda de Domitila Amaral, que morava na Rua Nova, em casa construída entre as ruínas do antigo palácio do bispo de Mariana. O poeta e a atriz entregaram ao governador um dossiê recomendando a criação de uma fundação de arte, para que Ouro Preto “se transformasse numa Arezzo brasileira”, como enfatizou Vinicius, evocando os festivais da cidade italiana.
Discreto e eficiente, Murilo Rubião contribuiu, de modo extraordinário, para a organização da presença do governo mineiro no campo da cultura. A comemoração dos seus 100 anos abraça o cinquentenário de umade suas maiores criações, o Suplemento Literário.
*Angelo Oswaldo é secretário de Estado da Cultura de Minas Gerais