A Carambaia, editora com pouco mais de um ano de existência, lançou no Brasil uma nova edição de Má companhia e o inédito aqui O músico cego, a obra mais popular do escritor. Em uma caixa de tiragem limitada (1 mil exemplares, numerados) e com tradução direta do russo, trata-se de oportunidade rara de se travar contato com o autor considerado por Tolstói “um dos principais contistas da literatura de língua russa”.
Korolenko dialogou com toda a geração dos patriarcas do modernismo literário russo: Tolstói, Dostoiévski, Tchekov, Turguêniev e até Babel e Gorki. No entanto, antes de ser contemporâneo, precedeu todos eles. Após Púchkin, Lermontov e Gógol, foi este autor de origem ucraniana (à época, parte do Império Russo) quem fez a ponte entre os velhos e novos gênios que circulavam pela Avenida Niévski de São Petesburgo.
Exaltado como grande humanista, o escritor participou do Narodniks, movimento intelectual de postura anticzarista e antiburguesa que defendia a classe camponesa – numa Rússia rural – como via de transformação da sociedade. Korolenko expõe as transformações da Rússia de meados do século 19, que havia abolido a servidão, mas ainda sob mãos de ferro imperial e regida por uma casta burocrática fisiológica.
O escritor teve problemas com o regime, foi preso e enviado à Sibéria. Depois de ser libertado, desempenhou importante papel como editor da revista literária Rússkoe Bogátstvo (Riqueza Russa), além de advogar publicamente contra casos de arbitrariedade do czarismo.
Em ensaio sobre o autor, Rosa Luxemburgo explica que “o imperturbável equilíbrio de consciência” já tinha começado a ruir entre a intelectualidade da década de 1860. “A principal característica da repentina emergência da literatura russa é que ela nasceu a partir da oposição do regime russo, de um espírito de luta”, afirma. E continua: “Isso explica a riqueza e profundidade de sua qualidade espiritual, a plenitude e originalidade de sua forma artística e, acima de tudo, sua força social criativa e propulsora”.
Dado esse contexto, as duas obras retratam a Rússia da época, mas seu humanismo é tão contemporâneo quanto necessário. Em má companhia (1885) conta a infância de um menino em uma pequena vila, em primeira pessoa, mas com a distância temporal de uma recordação realista e direta. As descrições do ambiente e dos habitantes da vila explicitam, de maneira sensível e literariamente bela, a sociedade e os conflitos da época. Através de um olhar ingenuamente infantil, são tecidas relações regidas por uma moral humanitária e sob a lógica da compaixão.
O músico cego (1886), livro mais popular de Korolenko, é uma obra-prima em todos os sentidos. Narra a vida de uma criança cega em uma fazenda desde seu nascimento, e descreve sua formação e como é criada a percepção de mundo de um ser humano. Com belíssimas descrições, o autor já traça os princípios da abordagem psicológica do personagem que, alguns anos depois, seria consagrada na obra de Dostoiévski.
Korolenko usa certa ironia (herdada de Gógol) e crítica com sutileza as relações sociais da Rússia de seu tempo. O que as duas obras têm em comum, porém, é a capacidade de transformação dos personagens.
Em má companhia e O músico cego
De Vladimir Korolenko
Tradução de Klara Gourianova
Carambaia
120 págs., e 208 págs.
R$ 124,90 .