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Lições de humanismo

Brasil começa a conhecer a obra do escritor russo Vladimir Korolenko

Edições brasileiras de 'Em má companhia' e 'O músico cego' preenchem lacuna sobre a obra de um mestre russo pouco conhecido no país

Pablo Pires Fernandes
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A literatura russa do século 19, de fato, é extraordinária. São muitos autores e obras que formam um conjunto especial na história literária mundial. Não é exagero. E, confesso, nunca tinha ouvido falar de Vladimir Korolenko (1853-1921). O único livro dele publicado no Brasil foi Má companhia, em 1969. E só. Com certeza, uma tremenda injustiça e lacuna editorial.

A Carambaia, editora com pouco mais de um ano de existência, lançou no Brasil uma nova edição de Má companhia e o inédito aqui O músico cego, a obra mais popular do escritor. Em uma caixa de tiragem limitada (1 mil exemplares, numerados) e com tradução direta do russo, trata-se de oportunidade rara de se travar contato com o autor considerado por Tolstói “um dos principais contistas da literatura de língua russa”.
Não é exagero, embora as duas obras sejam novelas ou romances curtos e seus contos ainda não estejam disponíveis no Brasil.

Korolenko dialogou com toda a geração dos patriarcas do modernismo literário russo: Tolstói, Dostoiévski, Tchekov, Turguêniev e até Babel e Gorki. No entanto, antes de ser contemporâneo, precedeu todos eles. Após Púchkin, Lermontov e Gógol, foi este autor de origem ucraniana (à época, parte do Império Russo) quem fez a ponte entre os velhos e novos gênios que circulavam pela Avenida Niévski de São Petesburgo.

Exaltado como grande humanista, o escritor participou do Narodniks, movimento intelectual de postura anticzarista e antiburguesa que defendia a classe camponesa – numa Rússia rural – como via de transformação da sociedade. Korolenko expõe as transformações da Rússia de meados do século 19, que havia abolido a servidão, mas ainda sob mãos de ferro imperial e regida por uma casta burocrática fisiológica.

O escritor teve problemas com o regime, foi preso e enviado à Sibéria. Depois de ser libertado, desempenhou importante papel como editor da revista literária Rússkoe Bogátstvo (Riqueza Russa), além de advogar publicamente contra casos de arbitrariedade do czarismo.

Em ensaio sobre o autor, Rosa Luxemburgo explica que “o imperturbável equilíbrio de consciência” já tinha começado a ruir entre a intelectualidade da década de 1860. “A principal característica da repentina emergência da literatura russa é que ela nasceu a partir da oposição do regime russo, de um espírito de luta”, afirma. E continua: “Isso explica a riqueza e profundidade de sua qualidade espiritual, a plenitude e originalidade de sua forma artística e, acima de tudo, sua força social criativa e propulsora”.

Dado esse contexto, as duas obras retratam a Rússia da época, mas seu humanismo é tão contemporâneo quanto necessário. Em má companhia (1885) conta a infância de um menino em uma pequena vila, em primeira pessoa, mas com a distância temporal de uma recordação realista e direta. As descrições do ambiente e dos habitantes da vila explicitam, de maneira sensível e literariamente bela, a sociedade e os conflitos da época. Através de um olhar ingenuamente infantil, são tecidas relações regidas por uma moral humanitária e sob a lógica da compaixão.

O músico cego (1886), livro mais popular de Korolenko, é uma obra-prima em todos os sentidos. Narra a vida de uma criança cega em uma fazenda desde seu nascimento, e descreve sua formação e como é criada a percepção de mundo de um ser humano. Com belíssimas descrições, o autor já traça os princípios da abordagem psicológica do personagem que, alguns anos depois, seria consagrada na obra de Dostoiévski.

Korolenko usa certa ironia (herdada de Gógol) e crítica com sutileza as relações sociais da Rússia de seu tempo. O que as duas obras têm em comum, porém, é a capacidade de transformação dos personagens.
Eles são “tocados” pelo contato com a realidade e adquirem maior compreensão do universo que os cerca. A mudança interior dos protagonistas, em ambas as obras, serve para um engrandecimento pessoal e um amadurecimento profundamente humano – e humanista. Sobretudo, são lições de que não há certezas absolutas e que mudanças podem ser de uma riqueza tão grande quanto a beleza da escrita de Korolenko.

Em má companhia e O músico cego

De Vladimir Korolenko
Tradução de Klara Gourianova  
Carambaia
120 págs., e 208 págs.
R$ 124,90 .