O escritor Rubem Braga é autor de uma das melhores definições sobre Tomás Santa Rosa Júnior ou, simplesmente, Santa Rosa.
Apesar do lirismo esparramado por diversas expressões como música, literatura, estética, teatro, foram as capas criadas por ele que chamaram a atenção do professor de literatura e pesquisador Luís Bueno.
Capas de Santa Rosa, lançado em parceria pelo Ateliê Editorial e Edições Sesc, reúne 300 capas criadas entre 1933 e 1956. É uma lista ilustre. Fazem parte dela obras clássicas de Jorge Amado, José Lins do Rego, Lúcio Cardoso, Graciliano Ramos, Sérgio Buarque de Holanda, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Cyro dos Anjos, Cornélio Penna e muitos outros.
Embora seja um nome desconhecido das novas gerações, Santa Rosa é personagem expressivo no cenário da história do design gráfico nacional. No final da década de 1990, Bueno se embrenhava no universo dos romances brasileiros escritos na década de 1930 para a tese de doutorado.
Leu um, dois, três, vários. Deu-se conta de que, por mais que os temas, os estilos dos escritores pudessem ser diferentes, todas as obras tinham algo em comum: o traço de Santa Rosa.
Como a curiosidade era crescente a cada nova capa encontrada, Luís Bueno pesquisava mais sobre o artista. Deparou-se com a frequente falta de cuidado do país com sua memória artística.
Resolveu fazer por conta própria. “Fui um rato de sebo”, reconhece. Do material reunido e analisado no livro, 200 capas são do próprio autor.
“Santa Rosa foi um intelectual muito original, que se interessava por muita coisa. Dizem, inclusive, que essa foi a perdição dele.
Lia os livros e produzia uma capa que, além de ser um trabalho de designer, tinha alguma coisa a ver com a obra”, observa Luís Bueno. O autor dividiu a obra em nove capítulos. O desafio foi escrever pouco e privilegiar toda a variedade do traço de Santa Rosa.
Bueno começa comentando as primeiras capas, da década de 1930. Em 1932, Santa Rosa trocou Maceió pelo Rio de Janeiro, no momento em que as editoras começaram a substituir capas tipográficas por ilustrações. Foi contratado pela Editora Ariel.
Os primeiros trabalhos foram para os livros Urucungo, de Raul Bopp, e A reconquista do poder, de Cid Corrêa Lopes. Santa Rosa chamou a atenção, principalmente em Urucungo, por usar todos os elementos, inclusive o título e o nome do autor, como dados visuais.
O ano de 1934 é marcante pelo início da parceria com a editora e livraria José Olympio. Santa Rosa estreou com a ilustração para a primeira edição de Banguê, de José Lins do Rego, e a segunda edição de Menino de engenho. As obras tiveram capas alternativas desenhadas por Cícero Dias.
Para Luís Bueno, um dos ensinamentos que Santa Rosa deixa, em termos práticos, para os designers é o cuidado. “Da percepção de que uma capa não é somente uma ilustração. Não precisa ficar só legal, tem que dialogar com o texto”, afirma o autor. Além das capas, Santa Rosa também ilustrou obras de ficção, poesia, jornais e revistas. Um desses casos é a edição de Crime e castigo, de Dostoiéviski, publicada em 1944.
“O Santa Rosa também tinha uma sensibilidade para a arte moderna. Não precisava ir a um museu para ter contato com essa estética. Ele a espalhava para todos os lados. Era muito preocupado com a formação de público”, conta. É visível a influência modernista no traço de Santa Rosa, amigo de Portinari, com quem aprendeu técnicas e apurou o senso estético.
É também notório o desejo por experimentar outros estilos. No panorama organizado por Luís Bueno, vê-se tanto características das ilustrações de cordéis como também do cubismo europeu e outros estilos.
A palmeira solitária na capa de Raízes do Brasil, publicado pela José Olympio em 1936, é o exemplo da delicadeza que também ilustrou capas como Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade.
Exemplo que contrasta com a versão colorida para Lampião, de Rachel de Queiroz.
Tomás Santa Rosa teve vida breve. Morreu aos 47 anos, de ataque cardíaco, durante uma expedição artística brasileira à Índia. Ainda que o objetivo do livro seja destacá-lo como artista gráfico, Luís Bueno também conta um pouco da história do paraibano. Um pouco.
Santa Rosa é um dos tantos artistas de sua geração merecedor de uma grande biografia. Luís Bueno recorreu a reportagens de jornais da época, sobretudo por ocasião da morte, em 1956. “Minha vontade era escrever muito mas me mantive no propósito de apresentar o Santa Rosa através da obra dele”, justifica.
ARTISTA MÚLTIPLO
“Aquele que vê a grande revolução artística da modernidade como um movimento amplo que engloba tanto a pintura, a escultura e a arquitetura.” Essa é, para Luís Bueno, a maneira mais interessante de pensar o lugar de Santa Rosa no panorama das artes brasileiras. A obra construída entre 1930 e 1950 englobou, também, outras expressões e com a mesma consistência.
É dele, por exemplo, o cenário da primeira montagem de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski, em 1953. Herdou de Di Cavalcanti o posto de crítico de arte do jornal Diário de notícias, em 1945. Executou pinturas, gravuras. Foi criticado por querer ser muito. Segundo Rubem Braga, “não é que não prestasse atenção à arte: ele prestava atenção a tudo, era um boêmio meticuloso”. Como disse o autor de Ai de ti, Copacabana (1960), viveu arrastado pelo próprio lirismo.
CAPAS DE SANTA ROSA
. De Luís Bueno
. Ateliê Editorial e Edições Sesc SP
. 288 páginas
. R$ 118