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Mammì recorda que o principal pesquisador das carrancas no país foi Paulo Pardal, até pouco tempo autor do único livro sobre o tema. Desafio posto, escreve o curador, é ampliar, verificar e confirmar a pesquisa de Pardal, inventariando as carrancas existentes no Brasil e no exterior, as tipologias e as contribuições de cada artista para definição do gênero. O curador considera que as carrancas navegadas “têm imponência, nobreza difícil de encontrar nas esculturas feitas para colecionadores ou turistas”. Considera que as últimas diluem a força expressiva das carrancas.
O ensaio fotográfico de Marcel Gautherot, realizado em 1946, quando as esculturas já estavam desaparecendo, tem papel importante na mostra. “A publicação delas em várias revistas, inclusive 'O Cruzeiro', cria uma nova discussão sobre arte popular e provoca uma febre de colecionismo, fazendo com que os artistas voltassem a esculpir carrancas”, observa Mammì. Atmosfera que ecoa, ainda, em descoberta do universo popular, nos anos 1950 (com Mario Pedrosa e Lina Bo Bardi), sob perspectiva da psicologia da forma, como “formatividade espontânea ou resistência à cultura massificada”, “nascida fora do universo moderno, mas com características modernas”.
A análise da arte popular, reconhece Mammì, vive um novo momento. “É preciso analisá-la a partir da história da arte, não só da sociologia ou da antropologia, buscando conhecimento menos superficial, menos episódico”, argumenta. As atenções aos artistas vêm crescendo, a produção está deixando de ser “algo de nicho”. Uma tarefa ainda a ser desenvolvida é possibilitar uma melhor inserção dos criadores das obras ditas populares na história da arte brasileira, situando-os como artistas modernos. “Temos várias modernidades e algumas delas são populares e interagem com a cultura erudita”, observa o curador, lembrando que vários autores chegaram a participar da Bienal de São Paulo.
Carrancas
As carrancas surgem por volta de 1870 nas proas de algumas barcas que navegam no trecho médio do Rio São Francisco, entre Santana do Sobradinho e Pirapora. As barcas menores, em geral, têm cavalinhos e, os maiores, leões. Se há várias esculturas que sugerem criaturas fantásticas, há outras que carregam traços mais realistas. A referência mais antiga a elas é uma litografia do século 19, publicada no livro 'Aspectos de um problema econômico', de 1909.
Mestre
Francisco Biquiba Dy Lafuente Guarany (1882-1985) nasceu em Santa Maria da Vitória (Bahia), filho de um construtor de barcas. Desde cedo, torna-se ajudante de carpintaria e marcenaria na oficina paterna. A primeira figura de proa do artista foi “um busto de negro ou caboclo”, esculpido em 1901. Estima-se que até a década de 1940 ele tenha esculpido cerca de 80 carrancas. Além das carrancas, ele elaborou, na juventude, três altares entalhados e pequenos oratórios domésticos.
EXPOSIÇÃO E LIVRO
'A viagem das carrancas'. Exposição na Pinacoteca da Luz 2, Centro, (11) 3324-1000, São Paulo. De terça a domingo, das 10h às 18h. Entrada franca. Até 18 de outubro. Livro organizado por Lorenzo Mammì, Editora WMF Martins Fontes, 288 páginas, R$ 148.