Dividido em quatro seções, “Livro”, “Cartografias”, “Visitas ao lugar-comum” e “O livro das dessemelhanças”, a obra mostra o vigor de uma voz forte, originalíssima, sem deixar de lado boas doses de lirismo e discernimento. Ana Martins brinca (a sério) de dizer das desventuras do amor, passeia (com a alma em chamas) pelas coisas precárias, aceita o lugar-comum e amplia os mistérios e a força que possui a memória.
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Palavras são engrenagens esquisitas que possuem autonomia. Não é possível configurar as asas de nenhum pássaro. O mesmo acontece com a poesia. Eis o dilema, a dor e a delícia dos poetas.
O que significa um nome? O que significa um nome anotado num papel dobrado? Ana Marins encontra, inventa outro tipo de valor para moedas brilhantes, para um isqueiro amarelo, para um punhado de areia.
A poeta também dialoga com a sua terra, uma Minas entranhada, salina, feita de mar e minério. A poesia de Ana Martins vem do “silêncio elementar dos metais”. Palavra por palavra. Poemas, então, podem ser, e são: parentes distantes, galos de briga, cavalos de corrida, escolares em excursão, e tudo mais que sobe e desce pelo peito do mundo afora, e tudo que gira e faz girar em erros e acertos de contradanças.
Ler Ana Martins não é uma alegria só. Ela deixa brechas para que o leitor descortine. A poeta destranca a máquina de desalívios. A poesia pode ser também uma espécie de matemática alternativa. A poeta soube decifrar alguns desses sinais dessemelhantes. Ana Martins alerta e aponta para uma porção de pássaros idos: “Estas são palavras que eu não/deveria dizer”. Ela sabe que todo texto, que todo poema guarda escondimentos e semelhanças.
Ana Martins nos ensina que tudo é possível diante do terreno baldio, no céu literário. A cidade, a rua, o chão, o corpo mais próximo, tudo isso pode ser lido, lindamente. Ana Martins escreve com “a pressa feroz do desejo”. Todo poeta é um cartógrafo de insanidades e ternuras. Palavras são feitas de silêncios, que por sua vez podem ser faca, tesoura para flores de jardins. A poeta utiliza sabres, o seu cutelo demissionário para tudo que é morno, para tudo que não incendeia, quando tudo torna-se igual a que.
“As casas pertencem aos vizinhos/os países, aos estrangeiros/os filhos são das mulheres/que não quiseram filhos/as viagens são daqueles/que nunca deixaram sua aldeia/como as fotografias por direito pertencem/aos que não saíram na fotografia/– é dos solitários o amor”. A poeta também denuncia, para tornar conhecido, para difundir, para propagar, aos quatro ventos, tudo isso que foge, e foge tanto. A palavra abismo aparece (incomoda) em dois poemas, a palavra desejo, em seis, lugar, em nove, silêncio, em cinco, memória, em seis, e por aí vai.
Ana Martins questiona os cinco sentidos do verbo, e se deixa vencer, vencida, balbuciando, soletrando amor, amar e amores. É algo que fica muito próximo das crianças. Tudo depende do dia, dos humores do acerbo sol ou da ansiolítica lua. Ana Martins mostra que a poesia pode, sim, ser uma espécie de eixo central, uma espécie de espada, ferro de combate.
O LIVRO DAS SEMELHANÇAS
Ana Martins Marques
Editora Companhia das Letras
112 páginas
R$ 33
Lançamento
Sábado, 29 de agosto, de 11h às 15h, na Livraria Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi).