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Para refletir

'Pensar' reúne textos que lidam com relação entre literatura e as matrizes e expressões afro-brasileiras

Produções buscam olhar para novas perspectivas de combate ao preconceito e discriminação racial e ampliar o debate

Estado de Minas

Em busca de novas perspectivas para combater o racismo e ampliar o debate sobre o tema, o Pensar traz à luz três textos que abordam a relação entre livro, literatura, leitura e as matrizes e expressões afro-brasileiras. Márcia Maria Cruz relata experiências e iniciativas concretas de aplicação da Lei 10.639, que prevê o ensino de histórias e culturas africanas e afro-brasileiras em nossas escolas. O poeta e crítico literário Anelito de Oliveira resenha o livro Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, importante contribuição para esse debate. A organizadora da coletânea, Cidinha da Silva, apresenta propostas de política pública para o setor

De lei à sala de aula

 

*por Márcia Maria Cruz
A cultura negra passeia pela música, dá tempero à culinária, encanta com a ginga dos movimentos e forja parte da identidade nacional. No entanto, apesar dessa riqueza, ainda está fora dos bancos escolares. As instituições públicas e particulares do Brasil têm o desafio de tirar do papel a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. A lei determina que, ao longo do ensino fundamental e médio, devem ser trabalhados conteúdos como história da África e dos africanos, a luta dos negros, a cultura negra brasileira e participação do negro na formação da sociedade nacional, dando ênfase na contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política. O tema é abordado no livro Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil,organizado por Cidinha da Silva e lançado recentemente pela Fundação Palmares.

A implementação da lei em todo o país foi foco de pesquisa desenvolvida pelo programa Ações Afirmativas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Unesco. Foram identificadas 36 escolas públicas, sendo duas delas em Minas, que transformam a letra da lei em ação. Não se trata de uma pesquisa censitária, mas um estudo em profundidade de como o conteúdo tem sido absorvido pelas escolas. “Conseguimos um mosaico muito interessante. Conversamos com diretores, professores e estudantes e constatamos avanços e dificuldades de implementação”, pontua o professor da Faculdade de Educação da UFMG (FAE/UFMG) e membro do programa Ações Afirmativas, Rodrigo Ednilson de Jesus.

O pesquisador identificou que não há linearidade na implementação da lei. Em algumas instituições, o peso que a temática tem no currículo altera de um ano para o outro. Em muitos casos, a tarefa é levada a cabo por professores de forma individual. No entanto, a pesquisa demonstra que as experiências mais duradouras são as que contam com envolvimento coletivo – com a participação de professores, diretores, responsáveis pedagógicos e da comunidade onde a escola está inserida.

Rodrigo também constatou que a parceria com a comunidade impulsiona o debate e potencializa a sua inserção na rotina escolar. “As experiências coletivas tendem a se enraizar e ter uma durabilidade maior.” Para que isso ocorra, não basta boa vontade dos docentes, são indicados processos de formação continuada. “Quem tem uma leitura sólida e participa de formação continuada tende a potencializar o trabalho”, avalia Rodrigo. É o caso da professora Luciângela Amanda Reis, que cursou a especialização Diversidade, educação, relações étnico-raciais e de gênero na FAE/UFMG no ano passado. Depois de se capacitar, ela conseguiu desenvolver o projeto para uma feira de cultura afro-brasileira e, neste ano, articula com colegas para que a discussão seja integrada ao currículo da Escola Municipal Prefeito Souza Lima, no Bairro Jardim Vitória, na Região Nordeste de Belo Horizonte. “Tento mobilizar e envolver outros colegas. A escola é bem receptiva para acolher o que a gente propõe. Queremos que a temática não seja discutida apenas em datas específicas e em alguns eventos”, diz.

A maneira como as escolas se apropriam da discussão também é bastante variada, vai desde a introdução da disciplina de história e cultura da África no currículo até o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, passando pela realização de oficinas com grupos de manifestações culturais como o congado e a capoeira. “Algumas escolas infantis fazem contação de histórias, que têm como protagonistas personagens negros”, relata Rodrigo. Depois de identificar essas experiências, ele reforça que o próximo passo será dar visibilidade a elas para que outras escolas possam tê-las como referência de trabalho.

A luta do movimento negro e de muitos professores é para que o conteúdo seja incorporado ao currículo. É o que tenta o professor de história Juvenal Lima Gomes, que leciona na rede pública e privada de Belo Horizonte. Ele procura criar relações com temas atuais e presentes no cotidiano dos alunos. “Procuro dar outro viés para questões relacionadas ao candomblé, por exemplo. Trabalho o samba e outras manifestações culturais. Também procuro refletir como a questão racial está implicada na discussão da redução da maioridade penal.”

Um dos autores de Africanidades, o professor de literatura brasileira e teoria da literatura da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Adélcio de Sousa Cruz defende que a história da África e a cultura afro-brasileira deve ser incluída no currículo dos cursos de licenciatura. “Infelizmente, a Lei 10.639 é ignorada pela maioria das escolas”, diz. Embora Machado de Assis seja um dos autores mais conhecidos da literatura brasileira, Adélcio lembra que outros autores negros precisam ser mais bem trabalhados.

O professor procura dar visibilidade às obras de autores como Maria Firmina dos Reis, negra que é considerada a primeira romancista brasileira. Também trabalha com diversos autores do século 20: Lima Barreto, Lino Guedes, Aloísio Rezende, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Carolina Maria de Jesus. Entre os autores contemporâneos, Adão Ventura, Ney Lopes, Conceição Evaristo, Waldemar Eusébio Pereira, Ana Maria Gonçalves, Allan da Rosa e Cidinha da Silva. Uma excelente coletânea de escritores negros brasileiros foi organizada pelos professores Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Soares Fonseca para suprir essa lacuna. A obra de quatro volumes, lançada pela Editora UFMG, está esgotada e merece uma nova reedição, pois deveria constar em todas as bibliotecas do país.

 

Estratégias para o futuro

 

Algumas propostas de políticas púbicas para o setor do livro, leitura, literatura e bibliotecas (LLLB) no Brasil, na perspectiva de africanidades e relações raciais

 

*por Cidinha da Silva
No ano de 2014, organizamos a obra Africanidades e relações raciais, insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, um alentado diagnóstico sociocultural do setor, na perspectiva de africanidades e relações raciais. O livro foi realizado a partir do pensamento de 48 mulheres e homens, a maioria negros e jovens. Consideramos os desafios da encruzilhada do enfrentamento ao racismo institucional e a formação do leitor-literário.

A obra teve lançamentos e rodas de conversa em São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, abrindo interlocução com os Planos Municipais do Livro e Leitura (PMLL) em processo de elaboração por todo o país, e também com instâncias estaduais, federal e da sociedade civil, notadamente escritoras e escritores, leitoras e leitores negros e periféricos.

Com o objetivo de influenciar as políticas para o setor do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (LLLB), concebemos algumas propostas efetivas, que, por questões operacionais ligadas ao tempo do serviço público, não foram incluídas na publicação. Aproveitamos este espaço no Pensar para socializar parte delas.

A primeira relaciona-se à promoção da bibliodiversidade, para a qual inexistem políticas públicas. É preciso atentar ao acervo editorial das pequenas editoras negras e periféricas, bem como aos selos editoriais de coletivos literários e/ou culturais e publicações independentes autofinanciadas, para que o conceito de diversidade de livros e formas de produzi-los faça sentido. Para tanto, é fundamental escutar os responsáveis pela produção editorial independente e alternativa no Brasil. A partir da detecção dos principais impeditivos para serem publicados é que se poderá buscar uma política de inclusão dessa produção nos catálogos dos governos nos níveis federal, estadual e municipal.

Uma meta factível para ampliar o conceito de bibliodiversidade é estabelecer espaço de debate e governança entre instâncias governamentais responsáveis pela aquisição de livros e pequenas editoras, selos editoriais comunitários, autoras e autores de publicações autofinanciadas, com vistas a formular uma política de aquisição de livros bibliodiversa, afirmativa e alterativa, no sentido mesmo da mudança de paradigmas na constituição de catálogos.

Para atingir essa meta, sugerimos a reedição periódica (anual) de editais, hoje sazonais, tais como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) Temático e do Professor, fundamentais porque dedicam atenção especial aos temas não contemplados pela maior parte dos editais. Como exemplo, obras de referência que funcionam como apoio pedagógico e obras ampliadas sobre diversidade, inclusão e cidadania, que precisam também alimentar, de maneira constante, as bibliotecas escolares de todo o país.

A segunda meta é a criação de política permanente de formação de mediadores de leitura em interlocução com as comunidades de favela e periféricas, visando à elaboração de programas específicos e em diferentes linguagens e suportes destinados a estudantes, idosos, grupos de jovens, mulheres, neoleitores etc. A formação de mediadores de leitura tem sido pontual e muitas vezes desarticulada das demandas e características do público ao qual se destina. Essa é uma oportunidade preciosa para estimular a desconstrução do racismo e as reflexões acerca da assimetria das relações raciais experimentadas pela população moradora de favelas e das periferias do Brasil, por meio da leitura e da produção literária.

Algumas ações para a formação qualitativa de mediadores de leitura são: introduzir as dimensões raciais e de africanidades em práticas de mediação de leitura já existentes; investir no diálogo com as escolas públicas locais, considerando que a maioria de crianças, adolescentes e jovens moradores de favelas e periferias é atendida por escolas públicas, e que esses são espaços de repercussão e reprodução do racismo. Por fim, realizar consultas públicas junto a moradores de favelas e periferias interessados na expansão das políticas de leitura, para ouvir suas demandas e sugestões quanto à elaboração de programas de formação de mediadores de maior eficácia.

É também imperativo estreitar conexões, trocas e apoio mútuo entre as literaturas negra e periférica, rumo à preservação e ressignificação de sua memória coletiva. Para atingir esse intento, sugerimos a criação de um Dicionário biobibliográfico on-line de literatura negra e periférica (a exemplo do Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira) que se configure como um repositório público virtual que reúna informações atualizadas e atualizáveis com fotos, trajetórias individuais e literárias; dados sobre obras publicadas, grupos, movimentos, associações e coletivos a que escritoras e escritores se filiem; informações sobre as editoras e livrarias negras e periféricas, como também um banco de dados de entrevistas, artigos, dissertações, teses, livros, catálogos, antologias de referência, para o público interessado.

Para constituir esse Dicionário é necessário debate amplo e democrático de formas para implementá-lo. Movimentos concretos nesse sentido são a criação de editais públicos para apresentação de propostas, via convênio ou acordo de cooperação técnica com universidade, grupo de pesquisa, coletivos literários ou afins, ou ainda, via equipe técnica de órgãos especificamente devotados ao livro e à literatura, tais como a Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (MinC) ou à cultura negra, Fundação Cultural Palmares.

A partir da discussão deliberativa dos sujeitos realizadores do Dicionário biobibliográfico, definir etapas e prazos (plano de trabalho) para que a produção seja disponibilizada ao público em local virtual, gratuito, do qual se possam baixar as informações em arquivos de qualquer parte do mundo, traduzidos também para o inglês e espanhol, pelo menos. Fomentaríamos, assim, o intercâmbio entre escritoras e escritores das Américas e África com os afro-brasileiros e periféricos, bem como com o público leitor de diversos países. Seria uma alternativa, também, elaborar estratégias de interação com o público via ferramenta web, para que o Dicionário possa receber aportes espontâneos, algo semelhante ao sistema da Wikipedia.

Uma inovação pertinente ao Dicionário seria criar a figura crítica da ombudswoman ou ombudsman, posto não remunerado, aberto à concorrência pública (um/a representante por região geográfica brasileira), com mandato de dois anos, como canal aberto e refrescante para que a sociedade civil monitore a completude e complexidade do Dicionário on-line, com o objetivo de criticá-lo, corrigi-lo e de contribuir para sua constante atualização.

Como resultado dessas ações, pensadas em concomitância à elaboração do livro Africanidades e relações raciais, esperamos que as demandas do setor livreiro negro e periférico sejam conhecidas e atendidas por meio da seleção e aquisição governamental de seu acervo, que passará a circular largamente pelo país. Que sejam efetivadas condições para fomento à formação de um leitor literário crítico, habilitado e convidado a destrinchar as imbricações raciais de seu cotidiano, por meio da leitura e do acesso a uma literatura na qual se reconheça. Que tenhamos crianças, adolescentes e jovens negros mais preparados para enfrentar os currículos escolares ultrapassados e os conteúdos racistas que os levam a figurar nas primeiras posições de evasão e fracasso escolar, em rejeição defensiva à escola como forma libertária de preservar sua essência e pertencimento sóciorracial.

Por fim, esperamos que sejam conferidas importância e dignidade à memória coletiva dos que não tiveram privilégios na história literária do Brasil e ainda lutam pela garantia de direitos para existir integralmente. Que possamos louvar a memória das pessoas que constroem as literaturas negra e periférica e ousam gritar que não permitirão ser esquecidas ou apagadas, como nos lembra o sociólogo Mário Medeiros em texto ovular acerca das intersecções e fraturas entre as literaturas negra e periférica presentes na obra.


* Cidinha da Silva, de 48 anos, nascida em Belo Horizonte, é escritora, autora do livro de crônicas Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê Edições, 2013) e vários obras literárias. Atuou como gestora de cultura na Fundação Cultural Palmares (FCP), onde concebeu e realizou a coletânea de artigos Africanidades e relações raciais. Atualmente, é doutoranda no Programa Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

 

PARA LER MAIS

 

As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil:
120 anos após a abolição
De Mário Theodoro (org.). Ipea, 2008. Disponível online.

 

Literatura e afrodescendência no Brasil – Antologia crítica (4 vol.)
De Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Soares Fonseca (orgs.).
Editora UFMG, 2011 (esgotado).

Um programa em defesa da bibliodiversidade
De Cristina Warth e Eliana Sá. 2010. Disponível online.

 

Leitura, Estado e racismo

 

*por Anelito de Oliveira
Subalternos em geral temos um grande fascínio pelo livro, porque sabemos, a partir de referenciais diversos, que tudo que vivenciamos socialmente, sobretudo as agruras, tem a ver com a centralidade do “graphos”, do escrito, na sociedade, não só em termos ocidentais, como se acreditou durante muito tempo, mas também orientais.

A questão da dominação passa objetivamente pela questão do livro, que não é uma questão superestrutural, como é percebida em clave submarxista e enunciada pelos dominadores, mas sim estrutural, implicando, em primeiro lugar, processo educacional, a escolarização, e, num ponto mais agudo, o que Antonio Candido formulou como “direito à literatura”.

Este Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, publicação da Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, organizada pela escritora mineira Cidinha da Silva, é uma excelente contribuição ao enfrentamento da questão do livro em sua relação com o racismo contra negros no Brasil. Trata-se de trabalho com viés instrumental, voltado, como está agressivamente claro, ao embasamento de ações governamentais, induzindo a compreensão de que o governo federal  está interessado em dialogar com os beneficiários de suas políticas públicas – bom sinal, claro.

Com textos produzidos por pesquisadores acadêmicos de ciências humanas, sociais, letras e artes, escritores, editores, artistas, educadores sociais e gestores públicos, entre outros, o volume procura abarcar desde questões conceituais até a organização de bibliotecas comunitárias em favelas, passando por questões  como diversidade sexual,  currículo escolar, formação de leitor, cânone literário e prática de leitura em presídio, tudo enredado pelo racismo.

Os muitos textos e o número expressivo de autores, resultando naturalmente numa considerável quantidade de páginas, são índices da ambição da obra. Boa ambição, sem dúvida, que nos sugere – e a sugestão se confirma – o  quanto o objeto da obra (a relação entre livro e racismo) constitui um interdito, no sentido foucaultiano, na relação entre letrados negros e Estado no Brasil, uma situação conflituosa.

Dados altamente qualitativos ressaltam-se nesse trabalho, que, desde já, passa a ser referência para a abordagem categórica, para além dos improvisos comuns praticados pelos institucionais, do livro como questão social de suma importância para o combate eficaz ao racismo contra negros no país.

Destacar uns nomes em meio a tantos que assinam textos significativos, a começar pela organizadora, é meio constrangedor, mas faz-se necessário: o professor e ensaísta Eduardo de Assis Duarte (UFMG), a editora Maria Mazzarelo (Mazza Edições), o poeta e crítico gaúcho Ronald Augusto e a professora Regina Dalcastagnè (UnB) são alguns dos importantes colaboradores do livro. Também deve ser ressaltada a contribuição do sociólogo Mário Augusto Medeiros da Silva e da antropóloga Érica Peçanha do Nascimento na problematização da relação entre literatura, periferia e Estado, bem como da historiadora mineira Josemeire Alves Pereira com um comovente relato sobre a resistência da identidade negra, com seus valores culturais próprios, no Aglomerado Barragem do Santa Lúcia, em BH.

Como é comum em obras que se pretendem abrangentes, há elementos de ordem quantitativa que, sem comprometer a qualidade geral do trabalho, não deixam de chamar a atenção, sinalizando para a dificuldade – previsível, claro – de mapeamento rigoroso de qualquer campo.

O principal desses elementos é, digamos, de base territorial:  a maioria dos autores está situada no Sudeste, especialmente no famigerado eixo triádico São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.  Em função disso, os pontos de vista, os “estudos de caso”, expressam muito de uma cultura local que diferem de outras culturas locais num país continental.

Se é inegável que, do ponto de vista político, o racismo é questão internacional, imbricada no projeto de Estado-nação que nos foi imposto como parte da dinâmica de modernização operada pelas grandes potências europeias até os recentes séculos 20 e 19, também é inegável que sua complexidade maior se apresenta nas localidades, nas regiões, nas cidades, nos territórios, no face a face cotidiano, material.

Nesse sentido,  Africanidades e relações raciais, que se anuncia positivamente como parte de um trabalho ainda em curso, que completar-se-á com a disponibilização no site da Fundação Palmares de dados hauridos em consulta pública sobre o tema LLLB (Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas), suscita, sobretudo, o interesse sobre a relação entre economia do livro e problemática racial no Norte, no Sul, no Nordeste e no Centro-Oeste do país, além das tantas especificidades da questão no próprio Sudeste. Belo começo.

* Anelito de Oliveira é mineiro de Bocaiúva (1970),pós-doutor  e pesquisador no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, doutor em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais entre 1999 e 2003. Autor de vários livros de criação e crítica, entre os quais A aurora das dobras: introdução à barroquidade poética de Affonso Ávila (Inmensa, 2013), e Mais que o fogo (Orobó Edições, 2012).