“O advento de uma nova tecnologia produzirá reais alterações na linguagem fotográfica?”, indagou o fotógrafo e professor universitário Luis Humberto Miranda Martins Pereira, em ensaio na extinta revista Íris, referindo-se ao anúncio da criação da videofoto, precursora da imagem digital. Depois de responder afirmativamente à questão por ele levantada, Luis Humberto apostou: “Os principais beneficiários desse novo sistema serão os fotojornalistas e os amadores”. Ele também traçou o cenário que surgiria com a massificação do uso da tecnologia: “À ideia de que a vulgarização das câmeras estenderá a tantas pessoas a possibilidade de tirar boas fotos que será possível praticamente a qualquer um tornar-se fotógrafo de boa qualidade, vale lembrar: se todas as pessoas do mundo fossem alfabetizadas de uma hora para outra, isso não as tornaria poetas ou escritores de alta qualidade, mas iria lhes permitir um acesso a novas formas de expressão, abrindo oportunidade para o aparecimento de propostas verdadeiramente inovadoras”. Tão profética quanto certeira, a reflexão incisiva tem mais de 30 anos. Foi publicada originalmente em setembro de 1982 e incluída no livro Fotografia: universos & arrabaldes, lançado pela coleção Luz & Reflexão, da Funarte, em 1983.
No início da semana, ao ser lembrado da pertinência e atualidade de sua análise, muito antes da era das selfies e do Instagram, Luis Humberto deixou escapar um sorriso. “O digital foi um ganho extraordinário, inclusive do ponto de vista ambiental”, destaca ele, um dos poucos profissionais brasileiros que se dedicou não só a produzir imagens como também a refletir sobre o seu ofício e dos colegas. Na próxima segunda-feira, o fotógrafo, nascido no Rio de Janeiro e radicado no Distrito Federal, chega aos 80 anos. “Trabalhei no meu espaço possível: fiquei feliz de ter feito a fotografia que eu fiz dentro dessas possibilidades”, avalia o professor aposentado da Universidade de Brasília, instituição que ajudou a fundar e que publicou outro livro essencial de reflexões de Luis Humberto sobre o fazer fotográfico: Fotografia, a poética do banal (2000).
Fotojornalista que ousou desconstruir a liturgia do poder durante a ditadura militar, com enquadramentos inusitados e irônicos publicados na década de 1970 em revistas como Veja e IstoÉ, Luis Humberto assumiu em definitivo a função de fomentador de mentes inquietas quando voltou a lecionar na UnB, em 1985. “Não podemos nos contentar em ser previsíveis”, fazia questão de ensinar aos alunos. Assumidamente influenciado por Henri Cartier-Bresson (“Foi para mim o que Niemeyer foi para a arquitetura”, contou no livro biográfico A luz e a fúria, de Nahima Maciel), o mestre da luz e da inquietude deixa claro o papel dos mais experientes no processo de formação do cidadão: “Quem está à frente ou viveu mais tem coisas a dizer para a turma que vem lá atrás. Quando você forma uma herança, essa herança não é mais sua, não dá para levar dentro do caixão. Você passa para alguém. É o poder transformador”.
Palavras sobre imagens
Momento decisivo
‘‘A decisão de apreender um retalho do real, transformando um momento de banalidade em imagens de surpreendente significação, ocorre em uma esfera de decisão extremamente íntima e pessoal. É um processo íntegro e indivisível.’’
Síntese
‘‘Fotografia e poesia estão ligadas pela capacidade de síntese. É como música: uma linguagem que permite uma síntese que reduz o conteúdo e o torna perceptível para mobilizar a sensibilidade. É a síntese de um momento. Às vezes, de uma história.’’
Enigma
‘‘A fotografia é enigma. Quando é muito óbvia, é pobre.’’
Falsa dicotomia
‘‘Os fotógrafos aceitam muito fácil a falsa dicotomia de que quem escreve não fotografa e quem fotografa não escreve. Por que não posso fazer as duas coisas direito? Sou alfabetizado!’’
Inspiração
‘‘O fenômeno comumente chamado de inspiração não é resultante da captação de misteriosos fluidos que nos incendeiam subitamente, mas de um momento de convergência da depuração e da síntese de todo um esforço orientado na busca de respostas, finalmente alcançadas com clareza.’’
Fotojornalismo
‘‘Existe algo de visceral, de fascínio, de encanto hipnótico, de aceitação de um desafio a que nos propomos contra nossos próprios limites. Alguma coisa de prazer físico em nos sentirmos vivos e metidos até o pescoço em um jogo cujos triunfos sabemos fictícios e transitórios.”
Identidade cultural
‘‘A busca de uma identidade cultural nada tem a ver com nazismo ou xenofobia. Procurar afirmar o caráter diferenciado das manifestações expressivas de um povo é uma preocupação séria com a liberdade, séria demais para ser carimbada com rótulos na verdade mais adequados aos nossos colonizadores.”
Testemunha do tempo
‘‘A fotografia pode não ser confiável como constatação de uma verdade ou mesmo pode não conter um indicativo seguro da ideologia de seu autor, mas será certamente um resultado decorrente de seu relacionamento com o mundo à sua volta e, portanto, passível de se transformar em testemunho importante, talvez mesmo denunciador, das angústias e aspirações de seu tempo.”
País adiado
‘‘O Brasil é um país adiado, sempre adiado. Quando Pedro Álvares Cabral chegou, disse assim: ‘Olha o país que vamos descobrir e adiar.’ É um negócio incompreensível com a riqueza territorial e as belezas que temos.”
Paixão e equilíbrio
‘‘A paixão por nosso ofício nunca nos deixa sem resposta. Devolve-nos os estímulos, na medida em que podemos nos conhecer e fazer crescer nossa
autoestima. Uma produção, quando acolhida com felicidade por quem a concebe, é o suficiente para garantir equilíbrio com a vida. O reconhecimento externo é importante, mas não fundamental. Se vier a acontecer, será certamente um propulsor para novos voos. Mesmo em caso contrário, a paixão continuará a existir, pois é, acima de tudo, um compromisso de fidelidade à nossa integridade.”
Ser incômodo
‘‘O fotógrafo é, antes de tudo, um ser incômodo. Mas não é um abutre da história.”
História e circunstância
‘‘Nós somos nossa história e nossas circunstâncias.”
No início da semana, ao ser lembrado da pertinência e atualidade de sua análise, muito antes da era das selfies e do Instagram, Luis Humberto deixou escapar um sorriso. “O digital foi um ganho extraordinário, inclusive do ponto de vista ambiental”, destaca ele, um dos poucos profissionais brasileiros que se dedicou não só a produzir imagens como também a refletir sobre o seu ofício e dos colegas. Na próxima segunda-feira, o fotógrafo, nascido no Rio de Janeiro e radicado no Distrito Federal, chega aos 80 anos. “Trabalhei no meu espaço possível: fiquei feliz de ter feito a fotografia que eu fiz dentro dessas possibilidades”, avalia o professor aposentado da Universidade de Brasília, instituição que ajudou a fundar e que publicou outro livro essencial de reflexões de Luis Humberto sobre o fazer fotográfico: Fotografia, a poética do banal (2000).
Fotojornalista que ousou desconstruir a liturgia do poder durante a ditadura militar, com enquadramentos inusitados e irônicos publicados na década de 1970 em revistas como Veja e IstoÉ, Luis Humberto assumiu em definitivo a função de fomentador de mentes inquietas quando voltou a lecionar na UnB, em 1985. “Não podemos nos contentar em ser previsíveis”, fazia questão de ensinar aos alunos. Assumidamente influenciado por Henri Cartier-Bresson (“Foi para mim o que Niemeyer foi para a arquitetura”, contou no livro biográfico A luz e a fúria, de Nahima Maciel), o mestre da luz e da inquietude deixa claro o papel dos mais experientes no processo de formação do cidadão: “Quem está à frente ou viveu mais tem coisas a dizer para a turma que vem lá atrás. Quando você forma uma herança, essa herança não é mais sua, não dá para levar dentro do caixão. Você passa para alguém. É o poder transformador”.
Palavras sobre imagens
Momento decisivo
‘‘A decisão de apreender um retalho do real, transformando um momento de banalidade em imagens de surpreendente significação, ocorre em uma esfera de decisão extremamente íntima e pessoal. É um processo íntegro e indivisível.’’
Síntese
‘‘Fotografia e poesia estão ligadas pela capacidade de síntese. É como música: uma linguagem que permite uma síntese que reduz o conteúdo e o torna perceptível para mobilizar a sensibilidade. É a síntese de um momento. Às vezes, de uma história.’’
Enigma
‘‘A fotografia é enigma. Quando é muito óbvia, é pobre.’’
Falsa dicotomia
‘‘Os fotógrafos aceitam muito fácil a falsa dicotomia de que quem escreve não fotografa e quem fotografa não escreve. Por que não posso fazer as duas coisas direito? Sou alfabetizado!’’
Inspiração
‘‘O fenômeno comumente chamado de inspiração não é resultante da captação de misteriosos fluidos que nos incendeiam subitamente, mas de um momento de convergência da depuração e da síntese de todo um esforço orientado na busca de respostas, finalmente alcançadas com clareza.’’
Fotojornalismo
‘‘Existe algo de visceral, de fascínio, de encanto hipnótico, de aceitação de um desafio a que nos propomos contra nossos próprios limites. Alguma coisa de prazer físico em nos sentirmos vivos e metidos até o pescoço em um jogo cujos triunfos sabemos fictícios e transitórios.”
Identidade cultural
‘‘A busca de uma identidade cultural nada tem a ver com nazismo ou xenofobia. Procurar afirmar o caráter diferenciado das manifestações expressivas de um povo é uma preocupação séria com a liberdade, séria demais para ser carimbada com rótulos na verdade mais adequados aos nossos colonizadores.”
Testemunha do tempo
‘‘A fotografia pode não ser confiável como constatação de uma verdade ou mesmo pode não conter um indicativo seguro da ideologia de seu autor, mas será certamente um resultado decorrente de seu relacionamento com o mundo à sua volta e, portanto, passível de se transformar em testemunho importante, talvez mesmo denunciador, das angústias e aspirações de seu tempo.”
País adiado
‘‘O Brasil é um país adiado, sempre adiado. Quando Pedro Álvares Cabral chegou, disse assim: ‘Olha o país que vamos descobrir e adiar.’ É um negócio incompreensível com a riqueza territorial e as belezas que temos.”
Paixão e equilíbrio
‘‘A paixão por nosso ofício nunca nos deixa sem resposta. Devolve-nos os estímulos, na medida em que podemos nos conhecer e fazer crescer nossa
autoestima. Uma produção, quando acolhida com felicidade por quem a concebe, é o suficiente para garantir equilíbrio com a vida. O reconhecimento externo é importante, mas não fundamental. Se vier a acontecer, será certamente um propulsor para novos voos. Mesmo em caso contrário, a paixão continuará a existir, pois é, acima de tudo, um compromisso de fidelidade à nossa integridade.”
Ser incômodo
‘‘O fotógrafo é, antes de tudo, um ser incômodo. Mas não é um abutre da história.”
História e circunstância
‘‘Nós somos nossa história e nossas circunstâncias.”