A editora carioca Confraria do Vento acaba de lançar Poemas apócrifos de Paul Valéry, poeta que foi uma das maiores referências literárias do século 20. Composto por 10 obras que o escritor, tradutor e artista visual Márcio-André – que ficou responsável pela tradução dos textos – afirma serem atribuídas ao poeta francês, o livro traz ao leitor um conjunto de textos misteriosos, em que autor e tradutor acabam confundindo-se. O leitor, como se estivesse num jogo, jogado num labirinto feito de só entradas, embarca num processo lúdico feito de vertigens, descobertas e dúvidas.
No ensaio introdutório, Márcio-André, que dedicou sete anos ao projeto, relata como tomou conhecimento, por indicação da neta de Valéry, dos poemas, que estavam guardados na Biblioteca Nacional da França. O material não poderia ser publicado devido à autoria não comprovada – posta em dúvida até por Márcio – , o que manteve a Editora Gallimard com o projeto engavetado.
Trata-se de uma antologia composta por poemas que abordam questões como a cidade, o estrangeiro, o tempo e suas demandas, as contingências, as intensidades e os mistérios do cosmos e da vida ordinária. Tudo isso a partir de diversos estilos e vozes, que apresentam um Valéry nada convencional. Márcio-André, no final das contas, não deixa de fazer também uma crítica contundente sobre as heranças da modernidade literária. Cabe ao leitor uma tarefa complicada, mas não menos saborosa, a de avaliar a obra para além da noção de autoria, evocando perguntas e inquietações. São armadilhas. Surgem questões: “Se a uma obra inédita fosse atribuído o nome de um grande autor, as pessoas mudariam sua opinião sobre ela?”.
Estes poemas, assim, abrem janelas e, no mínimo, ampliam possibilidades. São textos que têm a envergadura de pássaros, que sopram para todos os lados, indiferentes a conceitos e incertezas. São poemas que trazem, desde a raiz, uma duplicidade contínua, um dualismo luminoso. Márcio-André leva o crédito de ter encontrado palavras feitas de diamante ao encontrar/cavar poemas magicamente surgidos do nada. Ele explica na introdução, no seu “breve relato quase esclarecedor”: “Eis, portanto, estes ‘poema apócrifos’ que Valéry sonhou trazer para si e que eu agora, sonhando Valéry, trago para mim”.
Assim, diante deste turbilhão, e deixando de lado questões de autor e autoria, uma certeza fica certa, diante de poemas tão especiais. Porque a poesia é simplesmente isso, no definitivo: “Toda matéria é leve quando dita levemente”.
Estes poemas de Paul Valéry/Márcio-André (por que um não pode ser o outro?) nos ensinam a suportar a mecânica das coisas que poderiam ter sido, eles nos apontam os descaminhos das coisas que ainda não vieram, mas que esperam e crescem dentro dos sonhos, isso que pode estar nas nuvens, prestes, no mais alto plúmbeo.
Os poetas, lidando com fogos, apenas relatam estes acontecidos. Paul Valéry/Márcio-André tanto fizeram que conseguiram, pois fizeram, de modos distintos, no entanto iguais em termos de fogo e ousadia, fazer sobrar vento e ar, o ar necessário que existe, pronto, por aí, onde termina a ideia de finitude.
Os poetas, de um modo geral, afrontam, quando viver assusta. O enorme, as enormidades: “Há algo de galáxia e estrela nas teias de aranha”. Assim descobri, que a poesia exige: dos elétrons, das máquinas, das discrepâncias (não existe palavra feia), dos caminhos inversos. A poesia é a língua que usamos para “chegar ao idioma máximo, ao somatório de todo o intraduzível.”
“A única tarefa/razoável do poeta/é noticiar o fim do mundo.” Os poemas deste belíssimo livro são de uma beleza abissal. São poemas que vieram sabe-se lá de onde, de um futuro viável, de um antigo, de um fundo inferno, de um alto céu, carregados de forças que germinam e crescem dentro da gente, num lugar estranho, num lugar propício, num abismo que existe para ativar a máquina de fazer mudanças. Márcio-André, através de Paul Valéry, descobriu, no tempo certo, a pólvora, traduzida numa série de poemas carregados de eletricidade e fúria.
Márcio-André nasceu em 1978, no Rio de Janeiro, e vive desde 2011 em Santiago de Compostela. Com um trabalho que vai da poesia ao pensamento, passando pelo cinema, pela arte digital e pela performance, publicou livros de poesia e ensaios no Brasil e na Espanha, entre eles Intradoxos (2007) e Ensaios radioativos (2008). Com textos traduzidos para mais de 10 idiomas, fundou o coletivo, revista e editora Confraria do Vento. Realizou, em 2007, uma performance na cidade fantasma de Chernobyl.
O POETA
Paul Valéry nasceu em Sète, na França, em 1871. Publicou seu primeiro livro em 1907, aos 36 anos. É autor de uma vasta e original obra que abrange temas diversos, como arquitetura, música, literatura e dança. Sua obra poética é considerada uma das mais importantes da poesia francesa do século 20. Em seus ensaios, recusava a metafísica e os sistemas filosóficos. Valéry se empenhou na busca de um método destinado a fazer da criação poética uma obra de precisão. Morreu em 1945, em Paris.
POEMAS APÓCRIFOS
DE PAUL VALÉRY – traduzidos por
márcio-andré
Editora Confraria do Vento
180 páginas
R$ 59,90