Carlos Herculano Lopes
Cultuado pelos iniciados na literatura, autor de vários livros inéditos e alguns poucos publicados, entre eles o romance O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam, lançado no ano passado pela Record, o escritor Evandro Affonso Ferreira nasceu em Araxá, no Triângulo Mineiro, mas mudou-se para São Paulo bem jovem. Na capital paulista, onde ainda vive, fez muitas coisas para se manter: foi bancário, publicitário e dono de dois sebos sofisticados, Avalovara e Sagarana, que fizeram história no meio literário. “Com quase 70 anos de existência”, como gosta de dizer, Evandro Affonso Ferreira, que costuma escrever suas histórias em confeitarias, enquanto toma café, sobrevive – além de uma pequena aposentadoria – com as oficinas literárias que conduz na companhia da escritora e amiga Márcia Tiburi. “Ela é minha mãe, apesar de ser um século mais nova do que eu”, brinca o romancista, em conversa com o Pensar.
O que ficou dos primeiros tempos de vida em Araxá?
Foi em Araxá que passei os primeiros anos da minha vida. Daqueles tempos, guardo ainda na memória uma imagem triste e ao mesmo tempo lúdica. Vou explicar: meu pai era amigo do dono de um restaurante na Rua do Gato Preto, onde ficava a zona. Sim: o baixo meretrício, como se dizia. E eu, com 8, 9 anos, fui dezenas de vezes buscar a nossa marmita diária no tal restaurante. Imagens, digamos, bucólicas. Elas, as mocinhas de vida difícil, debruçadas nas janelas, brincavam comigo: “Mas que rapazinho danado de bonito”. Hoje penso que sim, já fui bonito, numa rua muito triste.
Isso é pura literatura. Por aqueles tempos você já lia alguma coisa?
Meu pai lia muito. Na estante dele, onde ficavam seus livros, tinha a seguinte frase: “Somente aqueles que possuem biblioteca sabem o quanto é desagradável emprestar livros”. Mas comecei a ler muito velho: aos 40 e poucos anos. Vivia ao lado de pessoas muito cultas. Foram meus aedos – na mesa do bar nos tempos ditatoriais. Até que veio o enfarte e prometi para mim mesmo no hospital: “Se sair vivo, vou começar a ler de verdade e também a escrever um livro”. Foi dito e feito.
E quais autores passou a ler?
Cornélio Penna, Bruno Schulz, Samuel Rawet, Lobo Antunes, Hilda Hilst, Kawabata e alguns outros.
Nesse tempo você já havia se mudado para São Paulo?
Cheguei a São Paulo aos 18 anos, fui bancário. Depois, aos 30, virei publicitário e fui também redator. Muitos anos depois montei o primeiro sebo: Sagarana, em homenagem a Guimarães Rosa. Depois, Avalovara, para lembrar Osman Lins. Ambos faliram, sem modéstia, por excesso de qualidade. Mas foi uma experiência boa. Quase todos os intelectuais do país visitaram os meus dois pequenos sebos. Eram sofisticados, literariamente falando. Uma vez, Ruy Castro entrou no Avalovara, olhou perplexo para uma bancada enorme, com quase 200 livros.
E o que aconteceu?
Perguntei a ele: “Você percebeu que o pior aqui é Borges?”. Rimos muito, era quase verdade.
E você começou a escrever como, foi dentro dos sebos?
Sim, foi no Sagarana. Escrevi dentro dele meu primeiro livro: Grogotó. Em seguida enviei os originais para o querido e saudoso poeta, tradutor e ensaísta José Paulo Paes, que gostou e escreveu um prefácio. Ele é o meu padrinho literário. Era um ser humano que amava os livros. Traduziu quase 100 em 10 línguas – inclusive o latim e o grego. Outros dois intelectuais me ajudaram muito: Alcir Pécora e Bernardo Ajzemberg.
Por que você demorou tanto para começar a escrever?
É verdade, comecei meio velhinho. Escrevi pouco. Estou com quase 70 anos de existência e com apenas 10 livros inexistentes, sou muito pouco lido. Um crítico do Estadão, no ano passado, disse que sou escritor para apenas 47 leitores. Elogio, digamos, devastador. Descobri que o máximo de vaidade não é querer muitos leitores; ao contrário: poucos, pouquíssimos – e bons.
A quantidade de leitores equivale ao tamanho dos seus contos, quando começou?
Acontece que, com o tempo, achei monótono demais escrever só minicontos e então comecei a escrever minirromances.
Minirromances, mas, convenhamos, com nomes não tão pequenos, como no caso de O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam. A indicação para o Prêmio Jabuti deixou-o feliz?
Ah! Feliz – estou entre os 10 indicados para o prêmio. Mas não crio nenhuma expectativa. A palavra é a minha âncora. Escrevo para me sentir menos morto. Se vier algum prêmio, bom. Se não vier, continuarei escrevendo, escrevendo, escrevendo: escrever para não enlouquecer.
Cultuado pelos iniciados na literatura, autor de vários livros inéditos e alguns poucos publicados, entre eles o romance O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam, lançado no ano passado pela Record, o escritor Evandro Affonso Ferreira nasceu em Araxá, no Triângulo Mineiro, mas mudou-se para São Paulo bem jovem. Na capital paulista, onde ainda vive, fez muitas coisas para se manter: foi bancário, publicitário e dono de dois sebos sofisticados, Avalovara e Sagarana, que fizeram história no meio literário. “Com quase 70 anos de existência”, como gosta de dizer, Evandro Affonso Ferreira, que costuma escrever suas histórias em confeitarias, enquanto toma café, sobrevive – além de uma pequena aposentadoria – com as oficinas literárias que conduz na companhia da escritora e amiga Márcia Tiburi. “Ela é minha mãe, apesar de ser um século mais nova do que eu”, brinca o romancista, em conversa com o Pensar.
O que ficou dos primeiros tempos de vida em Araxá?
Foi em Araxá que passei os primeiros anos da minha vida. Daqueles tempos, guardo ainda na memória uma imagem triste e ao mesmo tempo lúdica. Vou explicar: meu pai era amigo do dono de um restaurante na Rua do Gato Preto, onde ficava a zona. Sim: o baixo meretrício, como se dizia. E eu, com 8, 9 anos, fui dezenas de vezes buscar a nossa marmita diária no tal restaurante. Imagens, digamos, bucólicas. Elas, as mocinhas de vida difícil, debruçadas nas janelas, brincavam comigo: “Mas que rapazinho danado de bonito”. Hoje penso que sim, já fui bonito, numa rua muito triste.
Isso é pura literatura. Por aqueles tempos você já lia alguma coisa?
Meu pai lia muito. Na estante dele, onde ficavam seus livros, tinha a seguinte frase: “Somente aqueles que possuem biblioteca sabem o quanto é desagradável emprestar livros”. Mas comecei a ler muito velho: aos 40 e poucos anos. Vivia ao lado de pessoas muito cultas. Foram meus aedos – na mesa do bar nos tempos ditatoriais. Até que veio o enfarte e prometi para mim mesmo no hospital: “Se sair vivo, vou começar a ler de verdade e também a escrever um livro”. Foi dito e feito.
E quais autores passou a ler?
Cornélio Penna, Bruno Schulz, Samuel Rawet, Lobo Antunes, Hilda Hilst, Kawabata e alguns outros.
Nesse tempo você já havia se mudado para São Paulo?
Cheguei a São Paulo aos 18 anos, fui bancário. Depois, aos 30, virei publicitário e fui também redator. Muitos anos depois montei o primeiro sebo: Sagarana, em homenagem a Guimarães Rosa. Depois, Avalovara, para lembrar Osman Lins. Ambos faliram, sem modéstia, por excesso de qualidade. Mas foi uma experiência boa. Quase todos os intelectuais do país visitaram os meus dois pequenos sebos. Eram sofisticados, literariamente falando. Uma vez, Ruy Castro entrou no Avalovara, olhou perplexo para uma bancada enorme, com quase 200 livros.
E o que aconteceu?
Perguntei a ele: “Você percebeu que o pior aqui é Borges?”. Rimos muito, era quase verdade.
E você começou a escrever como, foi dentro dos sebos?
Sim, foi no Sagarana. Escrevi dentro dele meu primeiro livro: Grogotó. Em seguida enviei os originais para o querido e saudoso poeta, tradutor e ensaísta José Paulo Paes, que gostou e escreveu um prefácio. Ele é o meu padrinho literário. Era um ser humano que amava os livros. Traduziu quase 100 em 10 línguas – inclusive o latim e o grego. Outros dois intelectuais me ajudaram muito: Alcir Pécora e Bernardo Ajzemberg.
Por que você demorou tanto para começar a escrever?
É verdade, comecei meio velhinho. Escrevi pouco. Estou com quase 70 anos de existência e com apenas 10 livros inexistentes, sou muito pouco lido. Um crítico do Estadão, no ano passado, disse que sou escritor para apenas 47 leitores. Elogio, digamos, devastador. Descobri que o máximo de vaidade não é querer muitos leitores; ao contrário: poucos, pouquíssimos – e bons.
A quantidade de leitores equivale ao tamanho dos seus contos, quando começou?
Acontece que, com o tempo, achei monótono demais escrever só minicontos e então comecei a escrever minirromances.
Minirromances, mas, convenhamos, com nomes não tão pequenos, como no caso de O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Roterdam. A indicação para o Prêmio Jabuti deixou-o feliz?
Ah! Feliz – estou entre os 10 indicados para o prêmio. Mas não crio nenhuma expectativa. A palavra é a minha âncora. Escrevo para me sentir menos morto. Se vier algum prêmio, bom. Se não vier, continuarei escrevendo, escrevendo, escrevendo: escrever para não enlouquecer.