Do Clube da Esquina a Vander Lee, do congado à poesia, dos tambores à viola. A diversidade da cultura de Minas Gerais inspira a primeira edição do Festival Tradições, que começa nesta sexta-feira (2/4) e prossegue até 30 de abril. Conduzida pelo ator Saulo Salomão e com direito a intérprete de libras, a transmissão ocorrerá pelas plataformas digitais.
O objetivo dos organizadores é destacar a conexão entre várias manifestações artísticas. O tema “Aí está Minas: a mineiridade” guiará a programação, com música, poesia e vídeos. São universos diferentes, mas complementares – do ancestral ao contemporâneo.
CLUBE E CATIRA
A cantora Bárbara Barcelos interpretará o repertório do Clube da Esquina. Laura Catarina vai cantar composições do pai, Vander Lee (1966-2016). O público também poderá ouvir os tambores de Saldanha Rolim. Artistas do vales do Jequitinhonha e Mucuri, Wilson Dias e Pereira da Viola mostrarão a riqueza de batuques, toadas, catiras, calangos, modas e reisados.
Cada apresentação terá 40 minutos, intercalada com vídeos sobre tradições, costumes e lugares marcantes de Minas, além de videopoemas declamados por Saulo Salomão.
Laura Catarina vem trabalhando as canções de Vander Lee desde a morte dele, há quatro anos. “São músicas com as quais me identifico, elas fazem uma ponte com a minha obra autoral. É claro que todas as composições dele são incríveis, mas busco conectar o trabalho do meu pai com o meu. Isso veio de forma bem natural.”
Lúcia Rego, diretora da produtora Favo Cultural, que organiza o festival, viabilizou essa homenagem a Vander Lee. “Preparei a apresentação especialmente para o evento. Montamos um repertório com as melhores músicas que já tocamos, aquelas que nos sentimos mais felizes em tocar”, diz Laura. Ela formará duo com o pianista Gabriel de Mattos. “Ele toca comigo há alguns anos e participou do meu disco.”
Marcado para 9 de abril, o show de Laura Catarina e Gabriel de Mattos terá hits, mas também o “lado B” de Vander Lee. Desde os 9 anos, ela se dedica à arte, incentivada pelo pai. “Comecei fazendo gravações e espetáculos infantis. Com isso, já aceitava o caminho da música, mas ainda não era aquela coisa de 'quero ser cantora', porque quando somos crianças, queremos ser tudo”, diz.
Quando entrou para a faculdade de filosofia, Laura montou uma banda com os amigos. Depois, trocou a universidade pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart) do Palácio das Artes e estudou canto lírico. Aos 18 anos, decidiu ser cantora, embora sua primeira composição tenha surgido aos 14. “Já escrevia poemas e fazia melodias, mas nem anotava. Era só aquela coisa de me expressar mesmo. Gravei meu primeiro trabalho autoral em 2018”, relembra.
CICLO
Nesta pandemia, Laura Catarina compõe e planeja gravar um disco em homenagem ao pai, projeto que já tem cinco anos. O registro viria fechar um ciclo. “O legal é que muita gente gosta de me ouvir cantando Vander Lee. O público me pediu para gravar o álbum, por isso resolvi lançar uma campanha de financiamento coletivo”, diz.
A meta foi batida e o novo álbum será lançado este ano. “Ainda estou decidindo se serão sete ou nove faixas. Entre elas estão ‘Românticos’, ‘Onde Deus possa me ouvir’, ‘Esperando aviões’, ‘Meu jardim’ e ‘Iluminado’”, informa Laura.
Cearense criado em São Luís do Maranhão, o cantor, compositor, poeta e instrumentista Saldanha Rolim não deixa de ser mineiro, dada a sua ligação com o Vale do Jequitinhonha. Ele vai apresentar “Brasilidade” no Festival Tradições.
“É um show mais intimista, somos eu e o percussionista Zeca Magrão. Meu trabalho é ligado à diversidade rítmica brasileira, principalmente do Nordeste, onde nasci, e do Vale do Jequitinhonha, com o qual tenho muitos anos de convivência”, conta Rolim
“Brasilidade” faz uma viagem por essa diversidade, reforça. “Tocamos algumas composições minhas, porém em ritmos diferentes, como baião, xote e bumba-meu-boi. O repertório também tem Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, compositores que admiro”, comenta.
VACINA
Enfrentar a pandemia é um desafio para Saldanha. “Infelizmente, tive vários shows cancelados. As minhas apresentações ficarão para o ano que vem, estamos todos sonhando com 2022. A vacina está chegando, mas ainda estaremos reféns dessa terrível doença. Estou muito confiante de que, no começo de 2022, já começaremos a fazer algumas coisas pequenas, não com grande ajuntamento de gente, como bailes e megashows”, observa.
Uma das idealizadoras do Festival Tradições, Nina Morena já planeja outras edições do evento. “Queremos celebrar a mineiridade, a arte e a cultura produzida no estado. O tema deste ano veio da famosa frase de Guimarães Rosa: 'Aí está Minas: a mineiridade', título de um texto publicado na revista 'O Cruzeiro', em 1957. O festival é uma declaração de amor a Minas Gerais, palco principal de grandes obras, tanto de Rosa quanto da música e de outras manifestações culturais.”
A pandemia impôs o formato virtual ao evento, explica a produtora. “Encontramos uma forma de levar cultura e entretenimento para as pessoas sem que elas fiquem expostas ao perigo, além de movimentar a cadeia cultural afetada pela paralisação de eventos. Minas fez 300 anos em 2020, também queríamos lembrar isso”, conclui Nina Morena.
FESTIVAL TRADIÇÕES
Até 30 de abril. Transmissão às 19h, pelo YouTube, Instagram e Facebook da produtora Favo Cultural
PROGRAMAÇÃO
» Sexta (2/04)
Videopoema “A palavra Minas” (Carlos Drummond de Andrade) e vídeo “Guapé”. Show de Bárbara Barcelos.
» 9/04
Videopoemas “Ensinamento” (Adélia Prado) e “Antes” (Renato Negrão). Show de Laura Catarina.
» 16/04
Videopoema “Infância” (Henriqueta Lisboa) e vídeo “Contagem”. Show de Saldanha Rolim.
» 23/04
Videopoema “Penitência” (Vagnér Santo) e vídeo “Folia de Reis: Diamantina”. Show de Wilson Dias.
» 30/04
Videopoema “Cantiga de caminho” (Ricardo Aleixo). Show de Pereira da Viola.
“O mineiro há”
“Se são tantas Minas, porém, e, contudo, uma, será o que a determina, então, apenas uma atmosfera, sendo o mineiro o homem em estado minasgerais? Nós, os indígenas, nem sempre o percebemos. Acostumaram-nos, entretanto, a um vivo rol de atributos, de qualidades, mais ou menos específicas, sejam as de: acanhado, afável, amante da liberdade, idem da ordem, antirromântico, benevolente, bondoso, comedido, canhestro, cumpridor, cordato, desconfiado, disciplinado, desinteressado, discreto, escrupuloso, econômico, engraçado, equilibrado, fiel, fleumático, grato, hospitaleiro, harmonioso, honrado, inteligente, irônico, justo, leal, lento, morigerado, meditativo, modesto, moroso, obstinado, oportunidade (dotado do senso da), otário, prudente, paciente, plástico, pachorrento, probo, precavido, pão-duro, personalista, perseverante, perspicaz, quieto, recatado, respeitador, rotineiro, roceiro, secretivo, simples, sisudo, sensato, sem pressa nenhuma, sagaz, sonso, sóbrio, trabalhador, tribal, taciturno, tímido, utilitário, virtuoso.
Sendo assim, o mineiro há. Essa raça ou variedade, que, faz já bem tempo, acharam que existia. Se o confirmo, é sem quebra de pejo, pois, de mim, sei, compareço como espécime negativo.”
. Trecho do artigo de João Guimarães Rosa publicado na revista “O Cruzeiro”, em 1957