Em 1987, a cantora Maria Bethânia foi a Cuba participar do 6º Festival Internacional de la Canción de Varadero, criado 20 anos antes para celebrar a música cubana e internacional. O registro em áudio dessa apresentação foi lançado apenas na ilha pela gravadora estatal Egrem, e jamais chegou ao Brasil em qualquer formato.
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Dia 13 é dia de sorte para Bethânia, que faz hoje sua primeira 'live'Duo NoPorn e festival Rec-Beat animam a folia on-line no fim de semanaFinal de semana une o samba e o rap com Seu Jorge e Black AlienNova geração do jazz abre mão da ambição de ser virtuoseEnquanto aguarda a volta dos shows, Marcos Valle prepara três discosBloco da Anitta agita o domingo de CarnavalÉ justamente essa rara gravação que está disponível na plataforma digital Spotify pelo selo Alegria Music Latino. A qualidade do registro surpreende. Em medley de mais de oito minutos, bem parecido com o que Bethânia apresentava na abertura do show Nossos momentos, ela interpreta as canções O que é, o que é, Grito de alerta, Explode coração e Sangrando, todas de Gonzaguinha.
Poderes
Também canta Podres poderes, de Caetano Veloso, música que ela jamais gravou no Brasil, seja em disco de estúdio ou ao vivo. Essa canção de Caetano fez parte do show 20 anos de paixão, estrelado pela cantora em 1985, com direção de Bibi Ferreira e cenografia de Flávio Império.
Curiosamente, Bethânia, como indica a gravação em Cuba, não sabia de cor a letra que fala dos “ridículos tiranos” da “América católica”. Quando a introdução da música é executada pela banda, ela pede: “Atenção, meu papel”.
Jaime Alem era um dos músicos que foram a Cuba com a cantora. Compositor, violonista e arranjador, ele assinou a direção musical de discos e shows de Bethânia por vários anos. É dele o arranjo de Podres poderes.
Alem diz que suas memórias da apresentação cubana são “difusas”, mas apontou os músicos que tocaram com a cantora, além dele: Raul Mascarenhas (sax), Moacir Albuquerque (contrabaixo), José Maria (piano), Tutty Moreno (bateria) e os mineiros Túlio Mourão (teclados) e Djalma Corrêa (percussão).
Chico Buarque e Gilberto Gil também se apresentaram naquela edição do festival. Bethânia e Chico cantaram uma antiga música dele, Noite dos mascarados.
CHOQUE
Em entrevista ao programa Sem censura, Bethânia relembrou seu show cubano. Um grupo de senhoras da ilha se apresentou antes dela. Em um jogo cênico, colocaram um copo com água na cabeça, que derramou no palco. Bethânia, que sempre fez shows descalça, ao pegar o microfone, levou um choque. Gil viu e alertou Chico, que respondeu: “Que nada, é a chegada dela no palco”.
A cantora Joyce Moreno, casada com o baterista Tutty Moreno, também foi ao festival acompanhar o marido, que integrava a banda que se apresentou com a baiana.
Após a apresentação, Bethânia viajou para Paris, conta Joyce, enquanto ela, Gil, Chico e um grupo de músicos brasileiros foram para Miami, enfrentando problemas para voltar ao Brasil. “Só o Chico e o Vinicius França, empresário dele, tinham o necessário visto americano. Foi uma encrenca essa volta”, relembra.
Antes da apresentação com Bethânia, Chico Buarque havia estado em Cuba duas vezes. Em 1979, liderou um grupo de artistas que reuniu Simone, Gonzaguinha, Djavan, Zezé Motta, Walter Franco, Paulinho Nogueira e Nelson Ayres.
Fidel
Zezé Motta diz que o grupo precisou ir de Cuba à Jamaica em um avião de Fidel Castro para, dali, voltar ao Brasil, sob ditadura militar e sem acordos diplomáticos com Cuba.
Em 1981, Chico estreou em Varadero ao lado do MPB4, João do Vale, Kleyton e Kledir e Olivia Byington. Naquele ano, uma das estrelas do festival foi a cantora e compositora argentina Mercedes Sosa.
Elba Ramalho se apresentou na quarta edição do festival, em novembro de 1984. A exemplo do que ocorreu com Bethânia, Elba teve sua apresentação registrada e lançada em disco pela gravadora cubana Egrem.
O álbum da paraibana não foi lançado oficialmente no Brasil. Ela canta Banquete de signos (Zé Ramalho), Energia (Lula Queiroga), No som da sanfona (Jackson do Pandeiro/Kaká do Asfalto) e Quero ir a Cuba (Caetano Veloso).
“Mamãe eu quero ir a Cuba/ Quero ver a vida lá/ La sueño una perla encendida/ Sobre la mar/ Mamãe eu quero amar a ilha/ De Xangô e Iemanjá/ Yorubá igual à Bahia”, diz o verso da canção de Caetano que fez parte do show Coração brasileiro, de Elba.
No disco Fogo na mistura (1985), a cantora paraibana, encantada com a viagem à terra de Fidel Castro, inclui a faixa No caminho de Cuba, de Jaime Alem, o maestro de Bethânia. Um dos versos diz assim: “Fui visitar uma ilha/ Que fica no Mar das Antilhas/ E lá conheci outra raça americana/ Também filha de Olorum”.