Três lançamentos comprovam que o formato do disco não morreu

Álbum de estreia de Arlo Parks e novos trabalhos do Foo Fighters e de Hayley Williams mostram a relevância do formato, numa era dominada pelos singles

Guilherme Augusto 10/02/2021 04:00
Charlie Cummings/Divulgação
O Foo Fighters comemoraria seus 25 anos em 2020 e teve que suspender todos os planos em razão da pandemia do novo coronavírus (foto: Charlie Cummings/Divulgação)


Durante a live que o Foo Fighters realizou em novembro do ano passado, Dave Grohl se perguntou como 2020 poderia ter sido, não fosse a pandemia do novo coronavírus. ''Ia ser o melhor ano de todos! Nós tínhamos muitos planos'', afirmou. A banda norte-americana planejava comemorar seu 25º aniversário com uma turnê mundial, um festival no qual assinaria a curadoria e o lançamento de seu 10º álbum de estúdio.  

Enquanto as turnês de grande porte não podem acontecer por sua natureza naturalmente aglomerativa, a banda volta os esforços para a divulgação do disco Medicine at midnight, lançado na última sexta-feira (5/2). Descrito por Grohl como um ''álbum festivo de sábado à noite'', o trabalho reafirma a posição da banda na linha de frente do rock norte-americano.

Nas nove faixas distribuídas ao longo de 36 minutos, o trabalho se mostra surpreendentemente acessível e descomplicado. Making a fire, por exemplo, conta com um coro de ''na na na'', enquanto Holding poison traz os inconfundíveis riffs de guitarra que alçaram a banda ao posto de salvação do rock.

FASES 

Como um bom disco comemorativo, Medicine at midnight emula outras fases da banda, como em Waiting on a war, que faz uma ponte com o primeiro disco do grupo, intitulado Foo Fighters e lançado em 1995. Mas também aponta para o futuro, caso da música-título, cuja abordagem cheia de altos e baixos aproxima a banda de Dave Grohl de outros grupos mais radiofônicos.

Isso talvez se deva à ajuda do produtor Greg Kurstin, famoso por tirar os artistas da zona de conforto. Ela acumula trabalhos com Adele, Sia, Beck e Liam Gallagher.

Até quando a banda se volta para uma levada lenta, como na balada Chasing birds, há uma polidez incomum ao rock and roll de arena que Dave Grohl tanto gosta de dizer que ''não morreu''.

Ainda assim, outros momentos do disco provam que a banda não abandonou essa abordagem por completo, apenas deixou as músicas mais aceleradas e divertidas. 

Gravado antes da pandemia, Medicine at midnight é um disco pensado para as apoteóticas apresentações ao vivo do Foo Fighters. E quando shows para grandes públicos voltarem a ser seguros, as músicas presentes nele certamente vão animar os estádios por onde a banda passar.

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Medicine at midnight
.De Foo Fighters
.RCA Records
.Disponível nas plataformas digitais


Sensação aos 20 anos, Arlo Parks é a voz de uma geração (sem querer)

Assim que lançou o single de estreia Cola, em 2018, a cantora e compositora britânica Arlo Parks, de 20 anos, ganhou a aprovação de uma série de formadores de opinião. Michelle Obama incluiu a música em uma playlist; Hayley Williams escalou a artista para abrir sua turnê; e Phoebe Bridgers a convidou para gravar um cover de Fake plastic trees, da banda Radiohead.

Assim como outros artistas tão jovens quanto ela, Arlo aproveitou ao máximo a atenção adquirida com o lançamento. Poucos meses depois, já em 2019, ela lançou os EPs Super sad generation, composto por quatro faixas, e Sophie, formado por cinco. A pandemia do novo coronavírus colocou um freio na vertiginosa carreira da jovem. Agora, ela acaba de lançar seu primeiro disco, Collapsed in sunbeams (2021).

Com 12 faixas que contam histórias e conflitos íntimos e expõem fraquezas, desejos e traumas, o disco ratifica o talento de Arlo Parks. Como a contemporânea norte-americana Billie Eilish – outra fã declarada da britânica –, Arlo Parks é franca e aborda assuntos como a saúde mental e sua bissexualidade.  

Considerando que 50% do álbum não é novidade para o público que acompanha a carreira da cantora, o restante do trabalho carrega o peso de justificá-lo numa era em que EPs e singles são mais comuns, sobretudo no caso de uma artista tão jovem.

Ainda assim, Hurt, Hope, Caroline, Black dog, Green eyes e Eugene – todas lançadas como single – desempenharam o importante papel de pavimentar o caminho até a chegada do trabalho completo. Dentro dele, elas estão de acordo com as outras seis canções, que também se inserem entre o pop rock e o soul.

ÉPOCA DE OURO 

Mas a sonoridade que Arlo Parks emula neste primeiro trabalho parece sair de uma época de ouro da música britânica, na primeira década dos anos 2000, quando artistas como Lily Allen, Amy Winehouse (1983-2011) e Adele despontaram.

Too good, por exemplo, carrega uma batida de reggae que se assemelha com a abordagem do disco Alright, still (2006), de Lily Allen. Hope parece ter saído do ótimo Frank (2003), álbum que traz uma Amy Winehouse serena e divertida. A influência de Adele, hoje uma estrela internacional, está na forma como Arlo é sincera e usa a própria vida como inspiração.

Em Black dog, ela canta sobre quando se viu segurando a mão de uma amiga durante um período de depressão e desesperança.

Apesar das inúmeras referências musicais que demonstra ter, foi a poesia que primeiro capturou Arlo Parks. Quando adolescente, ela se viu obcecada pelo poema Howl, de Allen Ginsberg, e resolveu escrever o seu próprio trabalho. Não demorou muito para que ela começasse a inserir batidas sob os versos, movimento que repete na faixa que dá nome e abre o trabalho.

Em Collapsed in sunbeams, Arlo assume a perspectiva de quem pertence à geração Z e endereça uma mensagem de conforto. ''Estamos todos aprendendo a confiar em nossos corpos, fazendo as pazes com nossas próprias distorções/ Você não deveria ter medo de chorar na minha frente'', diz um dos versos.

Mas ela não se vê como a voz de uma geração. ''É a tentativa de contar minha história e, por acaso, tenho 20 anos'', disse à rádio norte-americana NPR. Muitos dos artistas que ela admira atualmente se abrem sobre a própria saúde mental. ''Acho que as conversas estão se abrindo e o fato de estar cada vez mais fácil falar a verdade é muito reconfortante e positivo para mim.''

Para a cantora, abordar situações difíceis e revelar a verdade é tão importante quanto trazer uma mensagem de esperança. ''Nada dura para sempre, seja dor, seja alegria. Acho que isso é apenas parte do que é ser humano'', diz ela.

Produzido por Gianluca Buccellati e gravado no confinamento entre Los Angeles e Londres, Collapsed in sunbeams abusa da atmosfera caseira e anuncia a chegada de uma artista cujo diferencial é a segurança em poder falar de si mesma, de uma perspectiva bastante particular – como outrora foi a neozelandesa Lorde.

Por tudo isso, não será uma surpresa se o álbum de estreia de Arlo Parks for considerado um dos melhores de 2021. A única pessoa que provavelmente irá se espantar com isso é a própria artista, que mantém os dois pés bem fincados na realidade.

Collapsed in sunbeams
.De Arlo Parks
.Transgressive
.Disponível nas plataformas digitais


Hayley Williams espanta a dor do divórcio em seu segundo disco

Lindsey Byrnes/divulgação
Hayley Williams diz que a crise sanitária mundial lhe proporcionou tempo para elaborar o sentimento de perda (foto: Lindsey Byrnes/divulgação)

Na última sexta-feira (5/2), Hayley Williams, do Paramore, pegou os fãs de surpresa ao lançar seu segundo álbum solo. Intitulado Flowers for vases / Descansos, o trabalho sucede ao disco de estreia da cantora e compositora norte-americana, Petals for armor, lançado em maio de 2020.

Assim como o antecessor, o novo álbum traz letras autobiográficas e reveladoras, ainda que assumindo um tom mais sombrio. Inspirada pela produção do disco Folklore (2020), de Taylor Swift, Hayley compôs, cantou e produziu todo o trabalho.

As 14 canções que compõem o disco nasceram após o divórcio entre Hayley e o cantor Chad Gilbert, da banda New Found Glory. Nesse contexto, elas falam sobre luto e perda. Aliás, a palavra em espanhol “descansos”, presente no título,  é o nome que se dá às cruzes que são colocadas na beira de estrada para marcar locais onde ocorreram acidentes fatais.

Em comunicado, a cantora explicou que o disco não deve ser pensado como uma sequência de Petals for armor. Segundo ela, ele representa uma espécie de “prólogo”, o que explica as faixas marcadas por temas acústicos e arranjos delicados. 

Em músicas como Over those hills, First thing to go e No use I just do, Hayley se baseia nas próprias emoções para compor os versos, o que estreita a relação com o público e sintetiza algo que ela vem buscando desde o disco anterior. My limb, única música mostrada antes do lançamento, é um dos destaques e norteia um trabalho que se aproxima do início da carreira do Paramore. 

LIBERAÇÃO 

“O significado do álbum como um todo talvez seja totalmente diferente quando você mergulha em cada música. Para mim, não há melhor maneira de abordar esses assuntos individuais do que de forma holística. O modo como me foi dado tempo (forçadamente, na verdade) para pensar em certas dores foi suficiente para entender que, de fato, elas precisam ser liberadas definitivamente'', comentou ela.

Na nota, Hayley Williams aproveitou para esclarecer que o Paramore continua. O lançamento, no entanto, pode significar que o hiato da banda será estendido. O último trabalho divulgado pelo grupo foi After laughter, em 2017. 

Flowers for vases / descansos
.De Hayley Williams 
.Atlantic Records
.Disponível nas plataformas digitais


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