Carnaval sem Daniela Mercury não é carnaval. Senhora absoluta da avenida há exatos 39 anos, não será desta vez, em meio a uma pandemia, momento triste e muito cansativo para o país, que ela vai abandonar os foliões.
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Daniela diz que a live (a terceira que ela faz desde 2020) é o carnaval dos sonhos, “o mais perto do que é possível de se fazer”. Isolada em um condomínio na Estrada do Coco, em Salvador, onde está com a mulher, Malu Verçosa, e três filhas, a cantora conta que não sai de casa para quase nada. Tanto que os ensaios e toda a produção da live estão sendo realizados em reuniões virtuais.
TRIO
Daniela conta que quebrou a cabeça para encontrar alguma ideia que fosse diferente da beleza do carnaval. Pensou em colocar um trio elétrico em uma rua vazia ou andando em uma estrada. Foram várias as possibilidades, até que ela resolveu descer do trio para entrar em uma obra de arte.
“Foi o meu jeito para levar todos ao meu mundo imaginário.” A live será apresentada em cenário em espaço aberto, longe do público, com os bonecos gigantes e coloridos do artista baiano J Cunha. “Vou mergulhar na obra dele, nesse cenário de sonho e quero que o público, os fãs façam parte do meu bloco, que eles sintam-se homenageados. A arte é o único jeito de inventar outro lugar”, disse ela, em entrevista por telefone ao Estado de Minas.
A cantora reconhece que o carnaval, neste formato, é um exercício artístico. Cita “Eu sou o carnaval”, trecho de O canto da cidade, um dos seus maiores sucessos, para garantir que será esse ponto de luz em um momento tão sombrio e exaustivo.
“Estaremos conectados no mais rico protesto artístico. Por isso escolhi a obra Viva o povo baiano, que me emociona muito”. Para a artista, o carnaval sempre foi espaço para expressar uma mensagem. “A vida toda os nossos carnavais trazem questões políticas, trazem as lutas. A gente precisa lutar. Tudo isso que estamos vivendo é um grande aprendizado. A sociedade é de extrema importância dentro da democracia.”
RESPEITO
Bem antes da necessidade de lutar para mostrar a importância das artes e da cultura em um momento em que elas estão sendo desprezadas no país, Daniela chamava a atenção para a importância das artes, do alto do trio elétrico, com a Rainha Má, seu alter ego.
“Respeitar as artes é nos respeitar. É respeitar cada cidadão, cada pessoa. Não estamos dissociados.” Embora mantenha seu alto astral, a baiana reconhece que o momento é muito difícil. “As interferências nas áreas de cultura e educação, com retirada de autonomia, empobrecendo culturalmente o Brasil, são sinais subjetivos de autoritarismo que podem estar caminhando para talvez alguma coisa até mais grave. É preciso ficar muito alerta. Precisamos tomar conta da nossa democracia”, diz a cantora, que participa do Observatório de Direitos Humanos, dedicada ao tema da liberdade de expressão.
Diferentemente de muitos casais que andaram se estranhando durante o período da quarentena, Daniela conta que ela e a mulher estão enfrentando bem os dias de isolamento social. “Desde que nos casamos, não nos desgrudamos. Agora estamos aproveitando mais o tempo e nossas horas de lazer. Pelo condomínio, conseguimos passear juntas de bike”, comenta. Ela ressalta, no entanto, que todo percurso de vida tem dificuldades e que o casamento é “uma escolha e nessa escolha, o caminho é interessante”.
Daniela se considera a mais introspectiva do casal. Malu, por sua vez, está sempre lendo, acompanhando tudo o que está acontecendo. As filhas de Daniela – Bela, de 11 anos, Alice, de 19, e Márcia, de 22 – estão com elas. O contato com as meninas têm sido proveitoso.
“A nossa pequeninha disse que é o melhor momento, por estar com as mães.” A garota tem razões para estar feliz. Daniela, que já foi professora de balé, está dando aulas de dança. “Foi ótimo para a Bela, que conheceu a mãe professora.”. Presente nas lives anteriores da mãe, Bela também estará presente na apresentação da próxima sexta-feira.
Já no quesito educação em casa, Daniela e Malu se revezam nas aulas de inglês e matemática. “Bela ajuda cuidando do jardim, das coisas da casa. Num momento como este, todo mundo tem que ser colaborativo”, comenta.
Assim como Daniela Mercury representa o carnaval para gerações, outros artistas e gêneros musicais são essenciais à cantora. Na sexta-feira passada (5), ela lançou o frevo Quando o carnaval chegar, uma homenagem a Moraes Moreira (1947-2020), em que ela divide os vocais com Gal Costa.
“O frevo sempre foi muito importante no carnaval da Bahia. Moraes criou frevos importantes, compôs alguns para mim. Gal deu voz a Festa no interior e Bloco do prazer”, lembra Daniela, que cita o frevo como uma de suas grandes influências.
“Quando ouvi a gravação de Gal, fiquei louca. Chorei três dias. E ainda choro quando ouço. É lindo”. Moraes Moreira morreu de infarto, em abril do ano passado.
Daniela conta que a morte a deixou muito sentida. Ela não era amiga de frequentar a casa de Moraes, que morava no Rio, enquanto ela vive em Salvador, mas diz que era uma alegria só quando estavam juntos. Um ano antes da morte do baiano, os dois se encontraram em um restaurante na capital baiana. Com a música que escreveu durante a pandemia, ela encontrou certo aconchego para essa tristeza.
As razões para ter Gal nos vocais são várias e todas ligadas à história do frevo e da carreira de Daniela. “Ela é a melhor cantora do mundo. Acompanho a sua carreira desde menina. Ela é referência fundamental para todos nós que amamos a MPB, especialmente para mim, baiana. Tem uma versatilidade incrível.” Daniela diz ainda que Gal é a cantora nordestina de projeção nacional que mais gravou frevos.
Quando o carnaval chegar representa para Daniela uma forma de recuperar a sua relação com o frevo e a importância dele dentro do carnaval baiano. O ritmo pernambucano, comenta a cantora, foi muito tocado nos carnavais da Bahia nos anos 1980. A partir dali, cedeu espaço a outros ritmos.
“Quando ouvi a gravação de Gal, a música trouxe a memória de minha vida. Quando Festa do interior, frevo de Moraes, sucesso na voz de Gal, estourou, eu estava começando em um bloco pequeno no qual cantava os frevos, (os hits de) Gal, Amelinha. Cantava pouco, porque naquela época 90% do repertório nos trios era da guitarra baiana.”
Só em 1987 as percussões ganham os trios elétricos e o resto é história. Uma história na qual Daniela escreveu diversos capítulos.