Biografia de Jards Macalé: um grande nome da música brasileira

Ao Correio, Jards Macalé conta que biografia trouxe fatos "que eu nem me lembrava mais"

José de Holanda/Divulgação
(foto: José de Holanda/Divulgação)
O cantor, compositor e violonista carioca Jards Macalé, ao longo de 55 anos de carreira, marcou presença de forma relevante na história da música popular brasileira. Mesmo não tendo participado efetivamente da Tropicália, contribuiu para a reverberação do movimento de diferentes maneiras.

Na quarta edição do Festival Internacional da Canção, em 1969, ao interpretar Gotham City (composta com José Carlos Capinan), em apresentação performática, fazia alusão à prisão de Caetano Veloso e Gilberto Gil pela ditadura militar. Em 1971, a convite de Caetano vai ao encontro do cantor no exílio, em Londres, para acompanhá-lo na gravação do icônico álbum Transa, do qual veio a ser diretor musical. 

Antes da viagem, deixou as canções Hotel das Estrelas, Mal secreto e Vapor barato para a musa tropicalista Gal Costa, que foram incluídas no antológico álbum Fa-Tal, lançado um ano depois. Nos mais de 20 títulos de sua discografia, além da talentosa produção autoral, pôs em relevo a obra de mestres da MPB como Noel Rosa, Ary Barroso, Tom Jobim, Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Lupicínio Rodrigues e Moreira da Silva.

Com ele, o Kid Morengueira, esteve em várias cidades brasileiras, em 1979, com um elogiado espetáculo pelo Projeto Pixinguinha, após ser preso em Vitória, sob a acusação de porte de maconha, que o levou a compor a canção Tire os óculos e recolhe o homem. Mais recentemente, depois de sucesso no Rio, ele voltou a Brasília com o Dobrando a Carioca, show em que dividiu o palco com Guinga, Moacyr Luz e Zé Renato.

Esses são apenas alguns dos momentos e aspectos da longeva trajetória do artista, registrados no Eu só faço o que quero, recém-lançado ensaio biográfico, com a assinatura do pesquisador e historiador e crítico de arte Fred Coelho. O autor deixa claro que o foco principal do livro não é a vida privada de Jards Anet da Silva, mas, sim, sobre o personagem Macalé. “São histórias de um músico que se confunde com a própria história da música popular brasileira”, ressalta.

Novos olhares

Coelho conta que, quando procurou Macalé, no intuito de propor o projeto da biografia, ele respondeu negativamente. Com ironia, disse que achava melhor não fazer, pois ele ainda não estava morto. “Argumentei que a ideia era justamente o contrário, e expliquei que um livro como este precisava ser feito com ele presente, falante, atuante. Seria uma biografia de uma vida em movimento, plena de histórias, cujo resultado inaugurava novas escritas, novos olhares sobre sua trajetória em permanente expansão”, relata.

Nascido no bairro da Tijuca, Jards, pré-adolescente, foi morar em Ipanema — onde ganhou o apelido de Macalé, tendo como referência um jogador do Botafogo da época. Antes de seguir carreira solo, formou o grupo amador Dois no Balanço, com Chiquinho Araújo, filho do maestro Severino Araújo, da mítica Orquestra Tabajara. Este é o ponto de partida do livro em que o autor, com rigor cronológico, conduz a leitura dos 25 capítulos, registrados em 500 páginas. Ele chega ao final destacando o show que Macalé fez, em março de 2020, no Teatro Nelson Pereira dos Santos, em Niterói, com a participação de Kiko Dinucci, Tim Bernardes, Rodrigo Campos e Juçara Marçal, músicos paulistas da nova geração, para lançar o CD Besta Fera.

O livro mostra, também, a relação de Jards Macalé com a arte de representar. Como ator, ele deu vida a Pedro Arcanjo, bedel da Faculdade de Medicina da Bahia e intelectual autodidata, em Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos (adaptação do romance homônimo de Jorge Amado), que recebeu o prêmio Candango de melhor filme e melhor direção, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 1977.

Em O Amuleto de Ogum, do mesmo diretor, além de ser autor da trilha sonora, fez breve participação como violeiro. São de autoria dele, ainda, as trilhas de O Dragão da maldade contra o Santo guerreiro (Glauber Rocha), Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade), A Rainha diaba (Antônio Carlos Fontoura) e Se segura malandro (Hugo Carvana). Entre outros, são facetas do talento de Jards Macalé realçados no livro Eu só faço o que quero.

Ao Correio Braziliense, Macalé afirma que ficou surpreso ao ver sua trajetória artística registrada no livro. “Não sei como o Fred conseguiu preencher 500 páginas com uma triste figura como a minha, que está mais para Sancho Pança do que Dom Quixote de La Mancha. Além de várias entrevistas que fez comigo e outras pessoas, se empenhou em uma criteriosa pesquisa, e trouxe para a biografia fatos que eu nem me lembrava mais”.

Em tom brincalhão, complementou: “Achei um livro simpático, que merece um segundo tomo, com minhas memórias do período de pandemia”. Aliás, sem se deixar abater, ele manteve-se em atividade nos últimos tempos e prepara-se para lançar três discos em 2021: o que gravou em Nova York, com o trio do pandeirista Sérgio Krakowski, só com músicas de Zé Keti; outro de inéditas, em parceria com João Donato; e um terceiro de temas instrumentais.

Jards Macalé — Eu só faço o que quero
Ensaio Biográfico de Fred Coelho. Lançamento da Numa Editora. Preço R$ 70

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