2020 foi um ano de perdas para Davi Moraes, filho e herdeiro musical do cantor, compositor e instrumentista baiano Moraes Moreira, que ele viu partir no dia 13 de abril, vítima de infarto. 2020 levou também a mãe e a avó materna do músico. “Como minha irmã falou, é muita saudade para se sentir ao mesmo tempo”, comenta.
Sobre Moraes Moreira, ele diz: “Perdi um pai, um parceiro, um professor e um companheiro de estrada. Mas acredito que, num momento tão difícil, com essa pandemia, acontece um olhar poético incrível e imensurável para a história que ele deixou”.
É com um olhar de admiração e respeito por sua herança artística que Davi Moraes produziu o EP Todos nós (Biscoito Fino), homenagem a Moraes que ele lança na próxima terça-feira (5/1) nas plataformas digitais.
“É uma homenagem do jeito que meu pai gostava, ou seja, cercado de amigos”, diz ele sobre o trabalho que traz quatro faixas e foi feito sob o impacto emocional da repentina morte do ex-integrante dos Novos Baianos.
“O sentimento maior que bateu em mim, logo nos momentos da partida de Moraes, foi gigantesco, mas de gratidão por ter tido um pai maravilhoso, um companheiro de estrada e por esse mestre que me ensinou tanto”, diz.
VALORES
Davi afirma que aprendeu com o pai “os valores bonitos da vida” e diz que Moraes “foi aquele pai que estava sempre ali, um trabalhador incansável, um guerreiro nato, que tinha esse ofício do trabalho. Um cara que acordava querendo se reinventar, fazendo música nova, que levantava e logo ia para o escritório”.
Se Moraes foi um “pai coruja” para Davi, também teve nele um “filho coruja”. “Descobrimo-nos mais que nunca nesse momento ‘filho coruja’, porque ele foi uma pessoa que ensinou a mim e a minha irmã, Maria Cecília, a sermos simples como ele. Era uma pessoa que tratava todo mundo de igual para igual. E nos ensinou também a ter fé em nossos sonhos e conquistas.”
O EP traz uma música inédita de Moraes Moreira, o samba Aquele abraço do Gil, que o artista compôs com Joyce, numa parceria que deixou Davi impressionado. “Sou muito fã dela. Eles eram muito amigos e, desde cedo, meu pai me falava dela. Ele me contou que se encontrou com ela em uma padaria, na Gávea, e lhe deu a letra. Ela então lhe mandou a gravação, já com a letra. Ele me mostrou e fiquei louco com a música. Embora já se conhecessem há muitos anos, essa foi a primeira parceria deles.”
Davi havia pedido a Joyce e Moraes que deixassem a composição reservada para que ele gravasse em seu disco, que estava em produção. E então Moraes morreu. “Parei com o trabalho. A Joyce me ligou e perguntou: ‘Por que a gente não lança agora como um single? Depois você lança o seu disco’.”
Ele não apenas gostou da ideia, como decidiu ampliá-la para um EP com quatro faixas em homenagem ao pai. “A partir desse telefonema dela, me animei. Aí comecei a pensar em algumas participações.”
Para lidar com o luto, Davi buscou conforto na família, nos amigos e também na música. “Nessas horas, o violão é um amigo que não tem preço. Eu ficava em casa tocando, lembrando músicas antigas do meu pai e buscando, com toda aquela emoção que estava vivendo, inspiração para começar a compor.”
A inspiração veio na forma da canção Aos santos, que ele enviou para Carlinhos Brown. “Ele adorou e fez uma letra linda, meio profética, porque tem uma passagem que fala: ‘fiquei sem resposta, sem tocar na banda’. E 2020 foi um ano em que não participei do Carnaval com ele (Moraes), porque estava com uma filha pequena e precisava de um pouco de sossego.”
Há algum tempo, pai e filho tocavam juntos no Carnaval. “Tenho o meu repertório e fazíamos um show dividido. Quando eu disse a ele que desse eu não iria participar, ele entendeu numa boa”, relembra Davi.
PRANTO
Na letra escrita por Brown, há um trecho que diz: “Você foi embora, me deixou aos prantos e apaixonado, consultei os santos”. Ao recebê-la, Davi ficou especialmente emocionado. “Ao mesmo tempo em que poderia ser uma música de amor, também poderia ser um filho falando para um pai”, comenta.
Davilicença, faixa para a qual ele convidou a prima Marina Lima, remexe em suas memórias de infância. “Somos muito fãs um do outro, porém nunca tínhamos feito nada juntos. Liguei pra ela, que me disse: ‘Vi seu pai e Armandinho se conhecendo’.”
Ele conta que Marina testemunhou o encontro porque, quando Armandinho foi morar no Rio de Janeiro, hospedou-se no apartamento de Moraes Moreira no Leblon. “A carreira solo do meu pai estava começando a deslanchar, logo após ele deixar o grupo Novos Baianos. Marina conta que os dois não paravam de tocar um minuto e que presenciou a primeira parceria deles, que foi exatamente Davilicença, a terceira faixa desse EP!”
A canção ganhou esse nome “porque eu ficava passando entre eles e toda hora dizia ‘Davilicença!’. Ainda criança, eu tinha que falar o meu nome e pedir licença, em seguida”.
Marina propôs ao primo que gravassem a música com uma nova versão. “Falei: então vamos fazer só nós dois, com voz e violão. Fomos para Sampa e ficamos lá uns três dias ensaiando e então gravamos. Fiquei muito feliz de fazer algo com ela. Há muito tempo que eu queria realizar isso.”
A última faixa do EP foi um presente do amigo Mu Carvalho (A Cor do Som). “Ele também é um parceiro querido e com quem meu pai fez várias músicas. Ele me apresentou a canção O cantor das multidões, parceria dele com o mineiro Tuca de Oliveira.”
Assim como ocorrera com Aos santos, Davi Moraes se emocionou quando recebeu a música numa gravação em vídeo feita por Tuca. “Que canção bonita, meio biográfica e já fala tanta coisa de uma forma tão simples.”
O filho de Moraes planejou gravá-la com “uma atmosfera d’A Cor do Som”. Para isso, reuniu Dadi, o baterista Cesinha e o acordeonista Marcos Nimrichterque.
Com as quatro faixas do EP prontas, o nome do trabalho foi definido pela irmã de Davi. “Ela batizou o disco de Todos nós, porque é como se fosse um presente nosso para ele. É também o nome da primeira música que compus.”
Davi conta que tinha 10 anos na época e estava em casa, tocando cavaquinho. “Meu pai estava viajando. Aí, bateu uma saudade enorme dele. Fiz a música, ele gostou e me botou para gravá-la no estúdio com a banda, no disco Bazar brasileiro. Todos nós também se refere a esse carinho que Moraes recebeu de todos os cantos do país. Ele foi um cara que sempre viajou pelo Brasil.”
Depois da partida dos pais, Davi e Maria Cecília agora se veem no papel de levar adiante o legado da família. “Quando a gente não tinha nem começado a se acostumar com a saudade de meu pai, vieram as outras partidas muito fortes. Não foi brincadeira, não. Mas todos nós vivemos em algum momento essa passagem de bastão em que viramos os adultos de frente da família. E aí chegou a nossa hora, minha irmã e eu”, diz.
Os irmãos têm encontrado forças na terceira geração da família. “Graças a Deus temos os nossos filhos. Nesse momento, a gente descobre uma força interior que desconhecia. E esses netos que ficaram, dois da minha irmã e a minha filha, nos ajudam bastante.”
Todos nós
Davi Moraes
Biscoito Fino
4 faixas
Disponível nas plataformas digitais