O escritor Ruy Castro escreveu em seu livro A onda que se ergueu no mar que a bossa-nova foi “um grande verão de banquinhos, joelhos e violões, à beira-mar ou em mar alto”. O banquinho foi ocupado por João Gilberto, Carlos Lyra, Joyce e tantos outros. Os joelhos, sobretudo de Nara Leão, mas também das musas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que passavam a caminho do mar. O violão, da turma toda. Já a embarcação para navegar o mar certamente foi O barquinho, música de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli (1928-1994). E ela foi longe. Agora, quando completa seis décadas, a canção acaba de ganhar uma homenagem inusitada: um clipe que reuniu músicos e cantores japoneses para interpretá-la – em português.
O vídeo, que tem produção do baterista Kazuo Yoshida, demorou três meses para ficar pronto – cada um gravou sua parte sozinho – e contou com arranjo e participação de Menescal. Um dos cantores do clipe, Michinari Usuda, diz que conheceu a música há 36 anos, na voz de João Gilberto e, em 2012, abriu um show de Menescal no Japão. Agora, se diz feliz por cantar ao lado do ídolo, mesmo que virtualmente. “A música do Menescal é ele mesmo. É suave e relaxante como as ondas do mar”, diz.
A primeira pessoa a gravá-la foi Maysa (embora o assunto cause controvérsias), no disco Barquinho, de 1961. “Até falei para a Maysa na época: vê lá, vai gravar O barquinho, de repente o público não vai gostar de te ouvir cantando outro tipo de música. Mas, claro, queria que ela gravasse. O Bôscoli brincava que ela tinha o balanço de um bonde de Copacabana. E, de fato, ela não tinha o suingue da bossa. O arranjo da gravação, feito por Luiz Eça, é fantástico. Quando acabou a gravação, os músicos que tocaram as cordas se levantaram e bateram o arco no violino, aplaudindo. Todo mundo caiu no choro”, lembra Menescal.
Mas, o que é esse borogodó? O produtor musical João Marcello Bôscoli, filho do letrista Ronaldo Bôscoli, comenta que o pai tinha muito orgulho da composição e definia o parceiro como um craque da melodia, o que ajudava na prosódia e na síncope – essa última, responsável pelo balanço que Bôscoli tanto valorizava.
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Mas o que fez a canção percorrer o mundo por tanto tempo? Segundo Menescal, são quase três mil gravações em português, inglês, francês, espanhol e japonês. Ganhou 41 gravações de brasileiros – João Gilberto, Elis Regina, Nara Leão, Baden Powell, Altamiro Carrilho, Jair Rodrigues, Fernanda Takai, Rosana e Sandy, entre outros. No exterior, foi gravada por Peggy Lee, Daniel Riolobos, Andy Summers, Karrin Allyson, Rita Reys, Shep Meyers, Stacey Kent, Emilie-Claire Barlow, Carmen Cuesta, Vero Pérez e Lucero.
Menescal não sabe dizer quem levou a canção para o mundo. No Japão, o compositor desconfia que ela aportou quando Sérgio Mendes e Nara Leão fizeram uma série de apresentações por lá nos anos 1960.
O cantor japonês Michinari acredita que os responsáveis por levar a música ao país foram Nara e João Gilberto. “Os dois foram os mais populares cantores da bossa-nova por um longo tempo aqui no Japão”, afirma Michinari.
MAYSA
A primeira pessoa a gravá-la foi Maysa (embora o assunto cause controvérsias), no disco Barquinho, de 1961. “Até falei para a Maysa na época: vê lá, vai gravar O barquinho, de repente o público não vai gostar de te ouvir cantando outro tipo de música. Mas, claro, queria que ela gravasse. O Bôscoli brincava que ela tinha o balanço de um bonde de Copacabana. E, de fato, ela não tinha o suingue da bossa. O arranjo da gravação, feito por Luiz Eça, é fantástico. Quando acabou a gravação, os músicos que tocaram as cordas se levantaram e bateram o arco no violino, aplaudindo. Todo mundo caiu no choro”, lembra Menescal.
Logo depois, Maysa, Menescal e Bôscoli embarcaram para uma temporada na Argentina. Na volta, o compositor descobriu que Paulinho Nogueira e Pery Ribeiro tinham gravado a canção. Menescal mesmo só foi cantá-la um ano depois, no histórico show de bossa-nova no Carnegie Hall, em Nova York.
A gravação está em disco. Nervoso, sem nunca ter se apresentado como cantor, errou a letra. “Estreei no Carnegie Hall. Por muitos anos, fiquei traumatizado com isso”, diz. Ruy Castro ressalta o valor desse registro e o aponta como o seu preferido. “Foi a primeira vez que Menescal cantou em público – e logo no Carnegie Hall! O próprio Caruso (Enrico, tenor italiano) só chegou lá depois de décadas cantando.”
“Uma vez fui para a Austrália e lá tocam O barquinho. Nos países nórdicos, a mesma coisa. Na Rússia, quando fui me apresentar, quando comecei a tocar, todo mundo acompanhou a melodia. Quando voltei lá três anos depois, já cantavam com a letra. Ela tem um borogodó que não sei explicar”, diz Menescal.
ORGULHO
Mas, o que é esse borogodó? O produtor musical João Marcello Bôscoli, filho do letrista Ronaldo Bôscoli, comenta que o pai tinha muito orgulho da composição e definia o parceiro como um craque da melodia, o que ajudava na prosódia e na síncope – essa última, responsável pelo balanço que Bôscoli tanto valorizava.
“Ela tem uma melodia, um som agradável até para quem não entende português. Ela vem de cima, tem intervalos interessantes; quando repousa, reforça esse repouso, e aí tem uma modulação. Na conclusão, é lírica. São intervalos matemáticos perfeitos, o chamado coeficiente divino”, analisa João Marcello.