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MÚSICA

Festival on-line e gratuito vai destacar a liberdade do jazz

Marcos Valle promete apresentação intimista com a americana Stacey Kent - Foto: Jorge Bispo/divulgaçãoPianista virtuoso, Amaro Freitas costuma dar tempo ao tempo. Aliás, essa é uma característica que o músico pernambucano compartilha com o jazz, estilo que o tornou internacionalmente reconhecido. Mas a música feita por Amaro, registrada em dois ótimos álbuns, carrega referências não tão comuns ao gênero norte-americano, como o frevo, o baião, o maracatu, a ciranda e o maxixe.




Por conta disso, o artista talvez seja o nome mais apropriado para abrir o Festival Tudo é Jazz 2020, que começa na quarta-feira (25). Com voz grave e calma, ele explica que, apesar de não ter crescido ouvindo esses ritmos, quando entrou em contato com eles, na época de faculdade, sentiu uma espécie de iluminação.

“Fui engolido. Na primeira vez que escutei, fiquei de olho arregalado e pensei: 'Sempre fui isso e não sabia'. Esse é o meu lugar de fala. Até então, não tinha contato com a cultura nordestina. Conheci a música por meio da igreja, o que ficou ainda mais forte quando meu pai surgiu com a ideia de montar uma banda.”
- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

BARBEIRO 

Apesar da vontade de tocar bateria, Amaro foi persuadido a ficar com o teclado. Tomou lições de um barbeiro do bairro, que, entre um corte e outro, ensinava ao menino sobre melodia, harmonia e ritmo.



Aos 15 anos, foi aprovado no Conservatório Pernambucano de Música, onde estudou apenas seis meses por conta das condições financeiras da família. Nunca se identificou com a carreira acadêmica, mas sempre alimentou a vontade de ser artista. Cursou produção fonográfica e encontrou terreno fértil ao lado do baixista Jean Elton e do baterista Hugo Medeiros.

“A gente cresce ouvindo que não dá para viver de música, ainda mais instrumental. Não existem exemplos positivos. Não existe uma fórmula. Desde sempre, meu desejo foi poder me dedicar à música em sua plenitude. E agora isso é algo que consigo fazer”, comemora.

Desde 2016, ano em que estreou com o álbum Sangue negro, Amaro Freitas vem criando suas próprias fórmulas. Com Rasif (2018), ele excursionou mundialmente, mas a atenção no Brasil chegou quando participou do EP beneficente Existe amor (2020), ao lado de Milton Nascimento e Criolo. O pernambucano foi responsável por repaginar as músicas Não existe amor em SP, de Criolo, e Cais, de Milton, faixa o álbum clássico Clube da Esquina (1972).



“Foi um presente da vida poder trabalhar ao lado desses dois artistas. Mas o que mais me deixa orgulhoso é poder ter fala. Tudo comunica e, por meio da minha música, pude me fazer presente em um trabalho de proporção nacional. Tive a liberdade de construir um arranjo e fazer um solo de uns dois minutos. Tudo isso levando em conta a bandeira que represento”, analisa.

Para o Tudo é Jazz, Amaro pensou em um repertório especial a partir do título do evento. Sozinho ao piano, vai apresentar composições autorais, interpretar algumas de outros autores e, principalmente, improvisar. “Começo com uma, espontânea, de oito minutos. Uma das essências do jazz é a improvisação e são diversos os fatores ultraobjetivos que a determinam.”

Para ele, o fato de a apresentação ter sido pré-gravada em estúdio, sem a presença do público, influenciou a performance, mas não de forma negativa. “Existe uma espiritualidade na música. Na minha experiência com apresentações remotas, entendo que o artista abre um canal com o público. No momento em que estou tocando, toda a negatividade do momento que estamos vivendo vai embora e consigo me conectar com meus antepassados, com a natureza, e com o maior ancestral de todos: o som.”


Devido à pandemia, a edição 2020 do festival, tradicionalmente realizado em Ouro Preto, ganhou formato on-line. As seis apresentações foram pré-gravadas e serão transmitidas entre de 25 a 27 de novembro, a partir das 20h, no site do festival.

Amaro Freitas gravou sua participação no Estúdio Carranca, no Recife. Os mineiros Célio Balona, Pianissimo Jazz e Túlio Mourão filmaram na Sala Juvenal Dias, no Palácio das Artes, em BH. E Marcos Valle, que se apresenta com Stacey Kent na sexta-feira (27), gravou no estúdio que te em casa, no Rio de Janeiro.

A parceria de Marcos com a norte-americana remonta ao aniversário de 80 anos do Cristo Redentor, em 2011. Os dois dividiram o palco para cantar Samba de verão. A parceria gerou frutos, como shows no Blue Note de Tóquio, um DVD e o documentário Marcos Valle & Stacey Kent – From Tokyo to New York, lançado em 2016.



“De certa forma, essa apresentação é uma forma de reviver projetos que já fizemos juntos. Por conta de toda a característica do festival, nossa ideia foi criar um clima bem intimista, com uma magia por trás. Eu de cá e ela de lá, gravamos cinco músicas. Mas também há uma troca nossa, tanto nos momentos em que cantamos juntos quanto naqueles em que apenas conversamos”, adianta.

ESTRANHO 

Ambientado com as lives, Marcos vem, aos poucos, se preparando para voltar aos palcos. No último mês, ele se apresentou ao lado de Roberto Menescal, no Rio Montreux Jazz Festival. “No início, estava tudo muito estranho. A essa altura, já estamos acostumados com o ritmo que a pandemia nos impôs e também com o fato de que, para fazer música ao vivo, precisamos abrir mão da nossa intimidade, deixar que o público entre na nossa casa. Gosto desses desafios”, revela.

Ainda assim, viveu na pele os efeitos provocados pelas medidas de isolamento social. Em junho de 2019, ele lançou o álbum Sempre. Em janeiro de 2020, colocou na praça o disco Cinzento. O ano seria repleto de shows não só no Brasil, como nos Estados Unidos, na Europa e no Japão.



Apesar das temporadas adiadas, Marcos Valle não parou de produzir. “Por meio do Marcus Preto, comecei a trabalhar com o Nando Reis. Já compusemos cinco músicas. Também estou compondo com o Ivan Lins. Já estamos na terceira. Quem também manifestou a vontade de trabalhar comigo foi o Otto”, conta. “Não tem sido tempo desperdiçado, muito pelo contrário. Minha cabeça é música o tempo todo”, diz ele.

FESTIVAL TUDO É JAZZ
Quarta (25/11)
» Amaro Freitas
» Madeleine Peyroux 
e Celio Balona

Quinta (26/11)
» Tulio Mourão e Trio
» Natasha Agrama 
e Rogerio Delayon

Sexta (27/11) 
» Pianissimo Jazz
» Marcos Valle e Stacey Kent

A partir das 20h, no site www.tudoejazz.com. 
Evento gratuito.

PARA BIIÇA

Criadora, coordenadora e curadora do Festival Tudo é Jazz, a mineira Maria Alice Martins morreu em 14 de novembro, vítima do novo coronavírus. Mais conhecida como Biiça, ela tinha 67 anos e ficou 55 dias internada. Sua memória será lembrada no evento que começa amanhã. Maria Alice também produziu os projetos Tudo é Jazz no Porto, Som Clube e Ponto de Cultura do Alto da Cruz, com atuação celebrada no meio artístico.