Ao longo da carreira que atravessa duas décadas, Sufjan Stevens já provou diversas vezes que é um músico inquieto. Sua estreia foi no folk com A sun came (2000), seguida do disco eletrônico experimental Enjoy your rabbit (2001), baseado no horóscopo chinês. Cogitou lançar um álbum para cada um dos 50 estados norte-americanos, mas empacou no segundo, o elogiado Illinois (2005).
Apostou na mistura de música clássica, folk e eletrônico em The age of adz (2010) e refletiu sobre a morte no belo Carrie & Lowell (2015).
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Desde então, o artista estadunidense não parou. Fez o álbum colaborativo Planetarium (2017) com James McAlister, Nico Muhly e Bryce Dessner; compôs duas músicas para a trilha sonora do filme Me chame pelo seu nome (2018), de Luca Guadagnino; e recentemente lançou, com Lowell Brams, o disco Aporia (2020), de inspiração new age.
AVANÇO
Agora, o cultuado cantor e compositor indie retorna com seu oitavo álbum de estúdio, The ascension. O novo trabalho conta com 15 faixas, apresentadas ao longo de 80 minutos. Boa parte desse tempo é ocupado pela última música, America, com mais de 12 minutos. Nesta canção, ele destila seus ressentimentos quanto à decadência moral dos Estados Unidos. Musicalmente, a faixa é um avanço: introduz sons eletrônicos e soa experimental, ainda que a estrutura dos versos seja tradicional.Esses mesmos elementos compõem os dois outros singles lançados antes da chegada do disco, Video game e Sugar. No primeiro, Sufjan condena as redes sociais, recusando-se a se envolver nesse mundo (“Não quero ser uma marionete/ Não quero jogar o seu jogo”); na segunda, dá cara nova a uma série de clichês musicais, como a frase “come on baby gimme some sugar”, repetida diversas vezes ao longo dos sete minutos da canção.
Sufjan também prova ser capaz de compor faixas curtas de qualidade, como é o caso de Run away with me e Gilgamesh. A primeira, dream pop da melhor qualidade, é uma canção de amor. A segunda, por sua vez, vai da sonoridade suave a uma paisagem sonora bagunçada.
De bases eletrônicas, The ascension é comparável a The age of adz. A principal diferença está no fato de que um disco aborda temas sombrios e o outro, edificantes, respectivamente. Em entrevista à revista The Atlantic, Sufjan Stevens afirmou ser um pessimista completo. “Estou velho e cansado do mundo, estou exausto e desencantado”, disse ele, que em 1º de julho completou 45 anos.
Talvez por isso a maioria das canções do novo trabalho soe ambígua, versando sobre a incerteza do futuro. É curioso que ele só consiga criar mensagem esperançosa quando fala sobre a morte. Em Die happy, Stevens repete uma única frase: “Eu quero morrer feliz”. O restante da mensagem ele deixa para os elementos sonoros que vão aparecendo ao longo da faixa.
Em outros momentos, Stevens beira a misantropia. “Não posso confiar minha vida à natureza humana”, canta em Ursa major. “Estrela da morte no espaço/ O que você chama de raça humana?/ Testemunhe-me, resista ao ódio/ É a sua própria maldita cabeça naquele prato”, diz um verso de Death star, canção que referencia a saga Star wars.
TIMING
The ascension é um trabalho melancólico e cínico. Apesar de sua extensão superlativa, cada minuto do disco é bem gasto. Lamentations e Make me an offer I cannot refuse, a faixa de abertura, são a prova cabal disso. Elas apresentam uma progressão rápida, mas cada instrumento introduzido aparece no momento certo.Provando sua natureza camaleônica, Sufjan Stevens entrega uma obra em que explora seu potencial artístico com nova abordagem. Ele não revela uma essência pop, porque traz consigo a atmosfera caótica cheia de rupturas e momentos psicodélicos. Talvez ele seja uma espécie de pastiche desse estilo. Para este estranho 2020, é um disco que cai como uma luva.
“Estrela da morte no espaço
O que você chama de raça humana?
Testemunhe-me, resista ao ódio
É a sua própria maldita cabeça
naquele prato”
Verso da canção
Death star
THE ASCENSION
• De Sufjan Stevens
• 15 faixas
• Asthmatic Kitty
• Disponível nas plataformas digitais