A atriz, compositora e cantora Letícia Persiles dedica seu novo álbum, O baile das andorinhas, a Maria Bonita. “O disco foi inspirado nas fortes mulheres do cangaço, inconformadas, independentes e combativas”, afirma a artista carioca.
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Maria Gomes de Oliveira e o companheiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, morreram em 1938, executados por soldados do governo, mas estão presentes no imaginário popular. Letícia afirma que a partir da chegada de Maria Bonita as mulheres provocaram transformações profundas no cangaço. “O que se viu depois delas foi aquele céu de estrelas de couro, as vozes femininas como uma revoada de andorinhas”, diz. “Gosto de comparar Maria Bonita e algumas de suas companheiras a pássaros migratórios, seres que só conseguem viver em liberdade e estão em constante movimento, sem endereço certo.”
Disponível nas plataformas digitais, o disco tem nove faixas – cinco compostas por Léticia, duas de Lucas Vasconcellos, uma de Geraldo Azevedo (a conhecida Caravana) e Lídia, homenagem a uma cangaceira vítima de feminicídio. Do livro Maria Bonita, escrito pelo pesquisador Antônio Amaury Corrêa de Araújo, veio o trecho adaptado pela cantora, tendo ao fundo o piano de Vasconcellos, com narração da artista Edzita Sigo Viva.
Maria Bonita não se submeteu ao establishment, era firmemente determinada a traçar seu próprio destino, afirma a cantora, que, inclusive, diz ter “um quê” da rainha do cangaço, pois não pensa duas vezes quando precisa “romper a ordem para voar”.
Gravado em 2019 no estúdio Pavão Preto, em Itaipava (RJ), O baile das andorinhas foi produzido por Lucas Vasconcellos, que gravou a maior parte dos instrumentos. É o segundo álbum solo de Letícia Persiles – o primeiro, As cartas de amor e saudade, foi lançado em 2013.
“Há dois anos, comecei a pesquisar a participação das mulheres no cangaço e também a compor. A princípio, me inspirei nos movimentos migratórios para fazer o álbum. São muitos estados com culturas e histórias distintas (no Nordeste), minhas pesquisas acabam sempre se voltando para aquela região.”
Quando fez seu primeiro disco com a banda Manacá, a cantora e atriz pesquisou os movimentos sebastianistas e a Pedra do Reino, região de Pernambuco que inspirou livros de Ariano Suassuna. “Gosto muito do Nordeste, principalmente da região do Cariri. Acabei nessa coisa dos refugiados, chegando ao cangaço. Até então, nunca havia entendido o cangaceiro como refugiado naquela sociedade, naquele momento político do Nordeste, sob uma política trabalhada em cima das injustiças sociais.”
Letícia observa que o cangaço não se limita à revolta popular, também é fonte de riqueza cultural. “Não estou dizendo que os cangaceiros não eram criminosos. Eles faziam saques, invasões, cometeram muitos assassinatos, mas temos de entender aquele contexto social, que já era extremamente violento.”
ALÉM DE AMANTES
As mulheres tiveram forte influência nesse universo. “Quando elas se posicionam e se colocam à frente de movimentos de revolta popular, começamos a remexer em outras camadas da sociedade. Não se mexe mais só com injustiça social, mas com injustiças que existem por conta da hegemonia masculina. Você acrescenta mais uma camada na luta quando há mulheres participando dos movimentos de revolta popular”, afirma Letícia.
A partir dessas pesquisas, a artista carioca passou a compreender melhor as cangaceiras. “Quis entender a entrada delas no movimento, por que estavam ali, o que faziam dentro do cangaço. Descobri coisas incríveis”, revela.
“Muitos historiadores e pesquisadores colocam sempre os homens como protagonistas. Muitas vezes, as mulheres são citadas só como companheiras e amantes. Não foi isso que aconteceu, pois elas tiveram participação muito ativa no cangaço”, conclui Letícia Persiles.
O BAILE DAS ANDORINHAS
De Letícia Persiles
Independente
Nove faixas
Disponível nas plataformas digitais