Baixo e percussão. Uma célula musical mínima, mas potente, para abraçar a voz que se transmuta a cada faixa. A cantora Fabiana Cozza chega ao seu oitavo álbum, Dos santos, disponível nas plataformas digitais, com um trabalho que procura pensar o tempo de hoje a partir das religiões de matrizes africanas e indígenas.
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O projeto, que vem sendo elaborado nos últimos três anos, reúne 19 faixas, quase todas inéditas. Uma das poucas exceções é Senhora negra (Sérgio Pererê), o primeiro single, lançado em ju- nho. Ao longo desse período, Fabiana pediu a um time de autores (Paulo César Pinheiro, Carlos Rennó, Pedro Luís, Moyseis Marques, Zélia Duncan, Nei Lopes, Ceumar) que compusessem a partir de uma divindade sugerida por ela.
“Em nenhum momento pensei em solicitar canções a autores que fossem só de religiões afro-brasileiras. Narramos a tradição com um pé no contemporâneo. Sendo uma pessoa de terreiro, trago a responsabilidade e por isso acompanhei todo o processo dos arranjos, já que toques e ritmos dos orixás estão presentes”, comenta a cantora.
SANGUE
Dos santos é aberto com Oxalá um dia..., texto escrito durante a pandemia pelo compositor Tiganá Santana, autor de duas faixas. “Cantar é lembrar que esses ares transmutam-se em sangue, correndo nas veias do que acontece”, diz o trecho apresentado por Fabiana no início do álbum.
“É um manifesto poético antirracista”, ela afirma. “Trazendo o disco para o contexto atual, é um trabalho que fala de negritude, de terreiro, de uma cultura tão marginalizada neste tempo de tanta perseguição, em que a democracia está ameaçada.”
Boa parte de Dos santos havia sido registrada antes da pandemia. Até junho, a cantora acompanhou a produção de longe, pois se isolou no interior de Minas Gerais. De volta a São Paulo, gravou oito faixas.
O tambor é o instrumento sagrado dos terreiros. Tanto por isso, a percussão domina todo o trabalho, seja de forma intensa, como em Caboclaria (Alfredo Del-Penho/Luiz Antônio Simas) e Dona do mato (Roque Ferreira), ou de maneira discreta, como suporte para outros instrumentos – é o caso de Batucadinho (Everson Pessoa/Nei Lopes), em que a percussão de Simone Sou e Douglas Alonso colore o cavaquinho de Henrique Araújo, que domina a canção.
“Poderia ter transformado tudo em afrossamba. Não há violão, pois esse instrumento talvez nos convidasse para a sonoridade a que já estávamos acostumados”, continua Fabiana. É o baixo (ora acústico, ora elétrico) de Fi Maróstica que domina os arranjos de cordas.
A voz da cantora trafega por diferentes caminhos. “Arrisquei a voz tentando passear por outras texturas. Lemba Kakala (Tiganá Santana) tem um alaúde (de Sami Bordokan). Nessa música, meu canto passeia pelo Oriente Médio”, diz Fabiana.
DINÂMICA
Desde o álbum Ay amor! (2017), dedicado ao repertório do cantor, compositor e pianista cubano Bola de Nieve, a cantora vem fazendo experimentações com a voz. “Como Dos santos é um disco que fala de tantas coisas essenciais – vida, saúde, meio ambiente, mulher e nascimento –, precisava de uma voz com dinâmica. Às vezes estou em uma região mais grave, outras com passagem para as agudas. É um disco de camadas”, explica.
Dos santos, bancado pela própria cantora, terá show virtual de lançamento. Em 17 de outubro, Fabiana se apresenta em Até o fim, cantar, na Casa de Francisca, espaço de shows no Centro Histórico de São Paulo. Capitaneado pela diretora Laís Bodanzky, o projeto promove apresentações musicais sem público, nos fins de semana. As lives são dirigidas por cineastas e transmitidas ao vivo, com cobrança de ingresso.
DOS SANTOS
Álbum de Fabiana Cozza
Independente
19 faixas
Disponível nas plataformas digitais