Quando o norte-americano Chad Hurley, o chinês Steve Chen e o alemão Jawed Karim criaram o YouTube, em 2005, o objetivo era lançar uma plataforma de transmissão individual de vídeos.
Uma década e meia depois, é bem óbvio que não apenas tiveram êxito com sua invenção, como também revolucionaram a difusão audiovisual no mundo. O alcance da plataforma é tal que hoje ela se tornou peça-chave em um mercado que não era seu foco inicial: a música.
Diante das transformações em uma indústria fonográfica que foi do CD ao streaming nos últimos 20 anos, tentando sempre driblar a pirataria, o site, que se tornou um repositório não só de videoclipes, mas de álbuns inteiros, com acesso gratuito, vem fazendo a diferença, especialmente no Brasil.
Já há alguns anos, é lá que surgem alguns dos principais lançamentos, sobretudo nos gêneros mais populares, como pop, sertanejo e funk. Este último é a “matéria-prima” do canal Kondzilla, o maior do Brasil e sétimo maior do mundo, com 57 milhões de inscritos. Ele supera de longe nomes poderosos do entretenimento e do humor, como Whindersson Nunes (39 milhões) e Felipe Neto (37 milhões).
Lançamentos
Com a incontável diversidade de conteúdos que o YouTube hospeda, a música ocupava apenas 4,6% da totalidade dos vídeos em 2016, segundo pesquisa da empresa norte-americana Pexeso.
No entanto, seus resultados são expressivos. Tanto é assim que os vídeos mais assistidos na história do site são clipes: Despacito (2017), de Luis Fonsi com Daddy Yankee, que soma 6,89 bilhões de visualizações, seguido de Shape of you (2017), de Ed Sheeran, com 4,9 bilhões, e See you again (2015), de Wiz Khalifa com Charlie Puth, com 4,6 bilhões.
Se a importância como meio de lançar e fazer circular músicas e álbuns já vinha de antes, a pandemia do novo coronavírus tornou o YouTube ainda mais fundamental para a música pop. Com a suspensão de shows para evitar a disseminação do vírus, o recurso da transmissão ao vivo, disponível há nove anos, ganhou novo significado com o fenômeno das lives.
Um levantamento realizado pelo Google, que adquiriu o YouTube por US$ 1,65 bilhão em 2006, aponta que as transmissões ao vivo já foram assistidas por mais de 85 milhões de pessoas no Brasil durante a quarentena. Cantores e artistas brasileiros dominam o ranking das lives mais vistas.
Segundo o levantamento, oito das 10 transmissões musicais ao vivo mais vistas no YouTube são de brasileiros. Até agora, a live de maior audiência na plataforma é a da sertaneja Marília Mendonça, que atingiu 3,3 milhões de visualizações simultâneas.
A empresa chegou aos números a partir de uma pesquisa on-line com 1.007 entrevistados entre 18 e 54 anos, realizada em junho de 2020, para entender como as lives têm sido consumidas. Dos entrevistados, 71% disseram ter assistido a pelo menos uma live, 38% disseram ter visto seis ou mais delas e 24% viram mais de 10.
O cálculo do Google considerou que a população digital, ou seja, com acesso à internet, no Brasil é de 120 milhões e, portanto 71% dela resultaria em mais de 85 milhões. Apesar do crescimento das lives, que existem no YouTube desde 2011, mas ficavam concentradas principalmente em canais de games e esportes, uma parte do público consultado também expressa um desejo por inovações. De acordo com a pesquisa, 22% dos entrevistados querem inovações de formato e conteúdo para continuar a assistir.
Por outro lado, o sucesso do YouTube é alicerçado em um formato há muito conhecido e adorado pelo público, como assinala Renata Gomes, estrategista de marketing e comunicação para marcas, startups e artistas do segmento musical e integrante da distribuidora multinacional Ingrooves.
“Esse consumo audiovisual não é novo. A indústria da música se transformou por completo nos anos 1990, com a MTV e a cultura dos videoclipes. Eles já existiam nos anos 1980, no Brasil, mas a chegada da MTV trouxe um outro padrão de produção. Ou seja, essa cultura é antiga, só que os programas de TV foram se extinguindo e esse consumo ficou represado. Ele tinha que ir para algum lugar e o YouTube apareceu como um grande facicilitador, que democratiza esse acesso”, afirma Renata.
A consultora participa, nesta sexta-feira (7), do evento virtual Formemus (inscrições e programação disponíveis em www.formemus.com.br), que procura discutir tendências do mercado fonográfico nacional.
Ela irá mediar o painel “O potencial de consumo da música brasileira no YouTube e o boom de distribuição na pandemia”, a partir das 18h15.
Renata observa que “não era qualquer artista que conseguia colocar um clipe na TV, mas, hoje, ao apertar um botão, você coloca seu conteúdo ali no YouTube e o dissemina para todo o mundo”.
A facilidade oferecida pela plataforma estabelece, segundo ela, um novo modelo de negócios. “Existem artistas do funk, por exemplo, que não tocam nas rádios, mas já somam 5 milhões, 10 milhões ou 20 milhões de acessos em suas músicas por lá. Isso se deve muito à acessibilidade da plataforma. Embora exista a opção da assinatura premium, basta ter um telefone com acesso à internet para assistir, organizar playlists, etc. Além disso, há uma prática de usá-lo como buscador. Hoje é um dos buscadores mais importantes do mundo e muita gente, quando procura por um artista, já encontra (os clipes) e consome ali mesmo”, diz. Segundo o Google, 1 bilhão de visitantes procuram música no YouTube a cada mês.
Hierarquia
Embora isso possa não ser óbvio para muitos usuários, o YouTube tem seus métodos de hierarquização. A especialista em marketing afirma que, “como em qualquer indústria, quem bota mais dinheiro aparece mais”.
No entanto, “há uma série de boas práticas no YouTube para indexar bem um videoclipe, como criar conteúdos de acordo com tendências, colocar as tags, entre outras coisas relacionadas ao algoritmo”, que serão abordadas no painel de hoje.
Apesar de sua evidente importância para o mercado musical, o YouTube está longe de ser hegemônico. Um exemplo disso foi o lançamento do badalado novo álbum visual de Beyoncé, Black is king, exclusivamente para assinantes do Disney +, serviço ainda indisponível no Brasil. No YouTube, é possível ver um único clipe do trabalho da estrela.
Taylor Swift, que também abalou o mercado há poucos dias com o lançamento do álbum Folklore, vendeu mais de 1,3 milhão de cópias apenas no dia do lançamento, em 24 de julho, sinalizando que modelos mais tradicionais de consumo musical ainda têm força. Uma notícia especialmente agradável para ela, que questiona o modo e o percentual do pagamento de direitos que as plataformas fazem aos artistas. (Com Agência Estado)