A popular máxima “quem sabe faz ao vivo” cai como uma luva para o álbum Night dreamer Direct-to-disc, de Seu Jorge e Rogê. O direto para o disco a que o título se refere é literal.
Os cantores e compositores cariocas, amigos há quase três décadas, se reuniram em agosto do ano passado na cidade holandesa de Haarlem, mais conhecida por ser um polo de produção de tulipas.
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Os dois tinham poucos dias para gravar um álbum juntos. Era tudo inédito para eles, não apenas as canções, como também o modelo de feitura do disco. Night dreamer, lançamento da gravadora homônima, recupera o clássico modo de gravação de álbuns.
Na parte de cima de um mesmo prédio encontra-se o Artone Studio; na parte de baixo, a fábrica de vinis. No estúdio, os músicos fazem as gravações diretamente em disco. Cada um dos lados tem que ser gravado sem nenhuma interrupção. No processo, a música é cortada em acetato de uma só vez, sem interferência. Terminada esta fase, a gravação vai direto para a fábrica, para que o vinil seja prensado.
“Não é coisa para menino, é um negócio de verdade, pois não dá para maquiar nada. O disco é como uma fotografia daquele momento”, afirma Rogê. O disco, na verdade, está pronto desde então. Por aqui, está disponível somente nas plataformas digitais.
Os músicos fizeram três shows nos Estados Unidos, em janeiro passado – em Nova York, Washington e Berkeley, na Califórnia. A ideia inicial era estar agora numa turnê que percorreria EUA e Europa, antes de chegar ao Brasil.
PANDEMIA
Impedidos de viajar em decorrência da pandemia do novo coronavírus – Rogê está em casa, em Los Angeles, para onde se mudou com a família, há um ano e meio; e Seu Jorge está em São Paulo – os cantores deixaram os planos de show para quando for possível.
Em breve, lançam o clipe do primeiro single, Pra você, amigo (Rogê), gravado à distância durante o período de isolamento social.
Night dreamer reúne sete faixas. Rogê, que chegou alguns dias an tes do início das gravações, levou um monte de músicas. “O Jorge chegou um dia antes. Viramos uma noite mexendo nas músicas, ele botando na direção, nas letras”, conta. Ficaram uma semana em estúdio, primeiramente ensaiando e depois gravando. No processo, Rogê acredita que cinco ou seis takes tiveram que ser jogados fora.
Seu Jorge divide com Rogê quatro das canções: Vem me salvar, Meu Brasil, A força e Caminhão. Junto a eles no estúdio estavam Peu Meurray (violões) e Pretinho da Serrinha. O contraponto entre os registros vocais – entre o grave de Seu Jorge e o mais agudo de Rogê, sempre complementares – junto a ritmos que se dividem entre o samba e o soul, muito crus, constitui a graça do álbum. É um disco que canta um Brasil saudoso do Brasil, principalmente para quem está longe – Seu Jorge passa boa parte de cada ano no exterior.
“O projeto foi todo feito no susto. No primeiro dia estávamos focados, tensos, pois foi a primeira vez que todos nós gravamos assim. É toda uma pressão que fica impressa no disco, que acabou sendo um trabalho vivo”, diz Rogê.
Para Seu Jorge, o entrosamento que ele e Rogê têm permitiu que o disco fosse composto e gravado tão rapidamente. “Aqui não tem lugar para formalidade, o grau de intimidade facilitou bastante. O mais legal de tudo foi a possibilidade do encontro. Ao mesmo tempo, dá um frio na barriga (gravar sem interrupção), pois você não tem controle de nada e não há o que possa fazer depois. Mas é nisto que está a beleza do projeto.”
No início de Onda carioca (Rogê e Gabriel Moura), por exemplo, Seu Jorge pergunta para o parceiro o nome da música. É uma conversa que não entraria em um disco gravado de maneira convencional, mas que, no formato direto deste trabalho, faz todo o sentido.
Seu Jorge diz que, neste momento, é complicado pensar em levar o projeto para o palco. “O Brasil está muito distante dessa volta aos palcos. Na minha modesta opinião, sem vacina é complicado juntar as pessoas para um show. Uma pena que o Brasil não esteja alinhado com outros países (nas medidas de combate ao novo coronavírus). Estamos distantes do resto do mundo e vamos sofrer um impacto maior.”
NIGHT DREAMER DIRECT-TO-DISC
Álbum de Seu Jorge e Rogê. Night Dreamer Records, sete faixas, disponível nas plataformas digitais.
LONGAS NA GAVETA
A pandemia em curso também adiou o lançamento de dois filmes que têm Seu Jorge no elenco. Previsto para maio, Marighella, estreia na direção de Wagner Moura, que tem o cantor e ator como personagem-título, continua com o futuro incerto nos cinemas.
Medida provisória, também a estreia de outro ator (Lázaro Ramos) na direção de longas, segue inédito inclusive no circuito de festivais (sua première seria em março passado, no Festival SXSW, em Austin, Texas, que foi cancelado).
Lançado em fevereiro de 2019 no Festival de Berlim, Marighella participou de alguns festivais internacionais. No planejamento inicial, o filme chegaria ao circuito comercial brasileiro em 20 de novembro. Dois meses antes, sua produtora, a O2 Filmes, adiou a estreia. A justificativa foi que trâmites exigidos pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) não puderam ser feitos dentro do prazo exigido.
Wagner Moura chegou a afirmar que o fato de o filme não estrear em seu próprio país era um exemplo de “perseguição política”. A cinebiografia é centrada nos últimos cinco anos (1964-1969) do escritor, político e guerrilheiro comunista, morto de forma violenta, após uma emboscada.
Para Seu Jorge, o filme foi alvo de polêmica antes mesmo de ter sido visto. “No meu entendimento, Marighella é um filme sobre um brasileiro, chefe de família preocupado com seu país e com o futuro de seu filho. Acho que as polêmicas levantadas foram porque estamos em um momento muito sensível. Fizeram um auê sem nem dar oportunidade ao filme.”