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MÚSICA

Pandemia impõe sacrifícios aos sambistas de Belo Horizonte

O cantor Heleno Augusto diz que lives não são opção para artistas como ele - Foto: Nathalia Vieira/divulgação

O isolamento social castiga duramente o samba de BH. Músicos que dependem de plateia presencial para sobreviver ficaram sem trabalho depois do fechamento de bares, espaços culturais e das tradicionais rodas de sambistas. “Está sendo muito ruim! Nossa renda vem da aglomeração. No momento, não tá tendo nada”, desabafa o cantor Heleno Augusto.



A situação se complica ainda mais para artistas que estão à margem das lives – shows ao vivo transmitidos pela internet que se tornaram a febre desta temporada de pandemia. “Live exige estrutura, custa caro, é algo impossível para a maioria dos independentes”, diz Heleno, referindo-se a músicos que não têm CD e DVD gravados, muito menos apoio de patrocinadores. “As marcas patrocinam só (lives de) artistas consagrados”, observa.

Havayanas

Há 13 anos, Heleno é profissional da música. Antes da decretação do isolamento social, ele cantava em eventos particulares em BH – casamentos e festas de aniversário, por exemplo. Também se apresentava com o grupo formado por integrantes do bloco carnavalesco Havayanas Usadas. Tudo isso parou por causa da pandemia.

Atualmente, ele se sustenta com o dinheiro que ganhou em shows realizados no carnaval da capital mineira. “Precisamos de leis para nos ajudar. Até agora, nenhum dos editais lançados contempla a nossa área”, afirma. “Editais feitos de março para cá contemplam artistas num estágio mais avançado da carreira.”



Para enfrentar a crise, tentar se ajudar e auxiliar outros músicos, o Grupo Tradição faz uma live mensal, na qual solicita a ajuda do público. “O Tradição se disponibiliza a receber doações. Durante a transmissão, mostramos um telefone para as pessoas ligarem. Nem tanta gente tem entrado em contato, buscamos também alternativas com alguns políticos. Toda ajuda é bem-vinda”, afirma Waltinho, um dos integrantes da banda.

Os sambistas batalham por patrocínio para custear despesas com vídeo, som e equipamentos necessários para as transmissões via internet. Criado há 26 anos, o Tradição tocava em bares de BH e festas particulares, até a pandemia interromper a agenda.

Waltinho e os colegas dependem do auxílio emergencial do governo, que nem todos receberam, e dos alimentos doados. “Muitos colegas têm buscado cestas básicas com a gente. Tá sendo bem complicado, porque fomos umas das primeiras atividades a parar e, com certeza, vamos ser a última a voltar”.



A solidariedade ajuda o sambista Dé Lucas, músico profissional há 18 anos, a sobreviver. “Tô tendo várias ajudas. Consegui o auxílio emergencial do governo, recebo ajuda da família, de vez em quando chega um trampinho de live para fazer e uma cesta básica. Mas não tem muito para onde correr não”, revela.

- Foto: TV Brasil/divulgação

Conceitos 

Na opinião do sambista mineiro, o profissional da música terá de se reinventar. “Agora é pura reflexão: a gente deve rever conceitos, tentar elaborar algo virtualmente”, especula. “O que vai ser depois? Na verdade, a meta é recomeçar do zero. Apesar de eu já ter alcançado algo, creio que tudo vai mudar.”

A previsão é de que eventos que dependem da aglomeração de pessoas não sejam retomados tão cedo. “Não sei como vamos fazer, pois samba é encontro, algo de pele. Nas rodas de semana, é todo mundo ali, próximo um do outro”, afirma Dé Lucas.

Além das dificuldades dos músicos, Heleno chama a atenção para a penúria dos técnicos. “Esse pessoal não tem como fazer live, são os técnicos de som, operadores de luz.”. Por outro lado, adverte, transmissões on-line não são sinônimo de remuneração. “As visualizações do YouTube não dão muito para quem não tem investidor e não gera renda”, diz o artista.


Vaquinha

O sambista Nelson Sargento, de 95 anos, teve os shows cancelados por causa da pandemia de COVID-19. Em busca de seu sustento, o músico decidiu vender objetos pessoais, como ternos da Mangueira, a escola do coração, e a coleção de vinis. Sensibilizados, amigos e fãs organizaram vaquinha virtual para arrecadar fundos para o cantor e compositor, que obteve R$ 48 mil.


Aniversário on-line é a saída 

Apesar das dificuldades, o isolamento social abre nichos na cena musical. A cantora Cinara Ribeiro, por exemplo, desenvolve um projeto de shows de aniversário.

“A única opção é a internet. Recebi a proposta de um produtor para a gente comemorar os aniversários de fãs do meu trabalho. O aniversariante convida as pessoas pelo Sympla e a renda é voltada para mim”, explica Cinara. Os shows são agendados na página da cantora no Facebook

Abertas ao público, as apresentações ocorrem nas redes sociais. Tudo é voltado para o aniversariante, que escolhe o repertório. “Está sendo muito interessante. O aniversariante se sente muito alegre de imaginar que estou fazendo uma apresentação totalmente dedicada a ele”, comenta Cinara, lembrando que a carência afetiva é uma das consequências do isolamento social.



“Depois que terminamos a live, vamos para um bate-papo pelo Zoom. Conversamos com o aniversariante e os convidados dele. Na plataforma, a pessoa 'compra' um convite a partir de R$ 5. Ela sente que está comprando um presente, está 'pagando' o show para o aniversariante. Para mim está sendo bom financeiramente”, diz a artista.

Cinara Ribeiro canta profissionalmente há 10 anos. Depois desse novo projeto, ela acredita que o alcance de seu trabalho aumentou.

“A gente teve um baque no início (do isolamento), mas sinto que dei uma reviravolta, está sendo forte para a minha carreira. As lives divulgam o meu trabalho, assinei meu primeiro contrato com uma gravadora de São Paulo”, revela.

*Estagiária sob supervisão da  editora-assistente Ângela Faria