Maria Rita Stumpf lança seu terceiro álbum, Inkiri Om

Disco reúne músicas autorais e releituras, como Promessas do sol, de Milton Nascimento e Fernando Brant

Mariana Peixoto 28/05/2020 08:18
Demian Golovaty/Divulgação
Novo trabalho de Maria Rita Stumpf, gaúcha radicada em São Paulo, reúne músicas autorais e releituras, como Promessas do sol, de Milton Nascimento e Fernando Brant (foto: Demian Golovaty/Divulgação)

Alguns anos atrás, Maria Rita Stumpf encontrou um CD pirata, dela mesma, à venda por 17 euros em um site alemão. Tentou comprar, mas quando viram que o nome da compradora era o mesmo que o da artista, o produto foi tirado do ar. Na mesma época chegou para ela a notícia de que na Rússia estavam tocando sua música e que diziam ser ela filha de César Camargo Mariano.

Desde 2011, a gaúcha radicada em São Paulo já vinha percebendo um movimento, vindo do exterior, em torno de sua música. Uma música que a fundadora da produtora Antares, envolvida em grandes espetáculos (trouxe para o Brasil Philip Glass, Mikhail Baryshnikov e American Ballet Theatre, entre outros), tinha deixado no passado. Foram, até então, dois álbuns – Brasileira (1988) e Mapa das nuvens (1993).

“Nunca procurei a volta, mas, em 1993, quando abri a Antares, fiz uma promessa comigo mesma de que gravaria de novo”, diz Maria Rita, à véspera do lançamento de seu terceiro disco, Inkiri Om (Tratore), a partir desta sexta (29) nas plataformas digitais. Tal trabalho só nasceu porque sua música foi redescoberta no exterior, por DJs e colecionadores de vinil.

Fazendo uma rápida volta no tempo para explicar a música de Maria Rita agora, no início da década passada, ela passou a ser ouvida na Europa em remixes. Em 2017, a faixa Cântico brasileiro nº 3 (Kamauará) foi incluída na coletânea gringa Todo tempo: electronic and contemporary music from Brazil, 1978-1992, do pesquisador anglo-espanhol John Gómez. No mesmo ano, e também no exterior, houve mais dois lançamentos em torno da música de Maria Rita.

O cenário estava pronto para o retorno, coisa que ela fez primeiramente no palco, que nunca foi sua zona de conforto. “Não vou dizer que amo o palco, acho o estúdio bem mais prazeroso”, comenta ela, que naquele mesmo 2017 apresentou-se no Cine Theatro Brasil Vallourec, em Belo Horizonte, entre outras capitais. Com músicos que faziam parte de sua história, ela entrou em estúdio no início de 2019. Foram meses até que Inkiri Om fosse finalizado.

São 11 faixas, gravadas com bambas como o violonista Maurício Carrilho, o guitarrista Paulo Rafael, os percussionistas Marcos Suzano, Paulo Santos (ex-Uakti) e Jovi Joviniano, entre outros. O multi-instrumentista Ricardo Bordini dividiu com Maria Rita a direção artística e o violoncelista Lui Coimbra fez a direção musical.

Inkiri Om reúne músicas autorais. A faixa-título, chamada Cântico brasileiro nº 7, mistura um cumprimento utilizado por uma tribo que viveu em Maraú, na Bahia (Inkiri) ao Om, como é chamado o mantra mais importante do hinduísmo. Há também releituras para Milton Nascimento e Fernando Brant (Promessas do sol), Nelson Ângelo e Fernando Brant (Canoa canoa), Vinicius Cantuária e Evandro Mesquita (Somos todos índios) e Taiguara (Sete cenas de Imyra). Maria Rita ainda criou Dona Bahia em cima de um poema de Gregório de Matos. Todos os arranjos foram coletivos.

INFLUÊNCIA MINEIRA

A conexão com Minas Gerais é forte, tanto pelas canções da geração Clube da Esquina quanto pela presença de Paulo Santos (o Uakti está presente na trajetória de Maria Rita desde o início).

O disco traz ainda um encontro recente, com o artista mineiro Miguel Gontijo, que ela conheceu há poucos anos. Gontijo criou a capa e o encarte de Inkiri Om. “Em agosto do ano passado, quando o disco estava quase terminando, fui a BH e passei uma tarde inteira com o Miguel, que criou duas obras específicas para o disco.”

Ainda que uma pesquisa no Google coloque Maria Rita como “pioneira da música eletrônica brasileira” ou algo do gênero, sua obra é criada de forma muito orgânica. “Já tinha alguma coisa eletrônica nos primeiros discos, mas de uma forma diferente. O Luiz Eça (1936-1992), um superpianista, arranjador, odiava coisas eletrônicas”, ela conta. Pois ano passado, ela o colocou tocando um teclado Roland. “Agora, este disco tem bastante, justamente porque tem um público muito novo que trouxe minha música de volta. Mas só utilizamos quando a eletrônica tem que estar ali esteticamente”, ela diz. O álbum, em essência, reúne cânticos brasileiros com muita percussão e referências indígenas.

PANDEMIA

Com o disco pronto, veio a pandemia. Maria Rita ouviu mais de uma vez que deveria adiar o lançamento. Segurou o quanto pôde, até ver que não dava mais. “É um disco que traz uma conexão grande com o que está acontecendo. Não é só a questão da pandemia, mas das queimadas, da dizimação dos povos indígenas, que nunca esteve tão aguda. Nunca tivemos também um governo tão absolutamente irresponsável, equivocado. Tem hora que acho que fiz o disco quase como uma premonição”, ela acrescenta. Com ele na rua, Maria Rita agora vai esperar. “Jogamos a semente para ver o que vai acontecer, pois ninguém tem certeza nem controle de nada”, finaliza.

Antares/Reprodução
(foto: Antares/Reprodução)

INKIRI OM
• Álbum de Maria Rita Stumpf
• Tratore
• 11 faixas
• Disponível nas plataformas digitais a partir desta sexta (29)

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