Procurar apenas uma definição que explique o novo trabalho de Tatá Aeroplano é tarefa ingrata. Delírios líricos, disponível nas plataformas digitais, é um disco que flutua no tempo e evoca todo tipo de nostalgia em uma atmosfera cinematográfica.
Tatá é uma espécie de ícone da cena alternativa de São Paulo, e esse é seu quinto álbum solo, sucessor de Alma de gato (2018). Cantor, compositor, DJ e agitador cultural, ele formou e integrou as bandas Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro. O voo solitário começou em 2012, com um disco autointitulado. Desde então, o artista tem transformado suas experiências noturnas e caminhadas di- urnas em música.
“Quando a gente encerrou o ciclo do Alma de gato, minha ideia era fazer um álbum com canções que havia escrito há muito tempo”, revela. “Um mês antes de entrar em estúdio, aconteceu uma parada inusitada: acabei compondo muitas músicas que falavam de coisas à flor da pele. Quando cheguei no estúdio para gravar, não deu outra, já tinha um disco novo para registrar.”
Das nove faixas, seis foram compostas em julho de 2019, durante madrugadas de inverno, insônia e devaneios. Do início dos anos 2000, Tatá trouxe duas composições – Deusa de 67 e Trinta anos essa noite, batizadas com nomes de filmes a que ele assistiu naquele período. O trabalho ainda conta com a versão de Ressurreições, parceria de Jorge Mautner com Nelson Jacobina.
“Todas as canções que compus para esse disco nasceram de momentos em que estava num estado de desapego, muito relaxado”, conta. “Delírios líricos, mesmo, surgiu quando fiquei no interior, acompanhando a natureza, tomando uma, num estado super-relax.”
ARRANJOS
Delicadas, estranhas e belas, as músicas do álbum são marcadas pela força dos sentimentos e arranjos trabalhados pelos parceiros Dustan Gallas, Junior Boca, Bruno Buarque e Lenis Rino. Em geral, as canções parecem ter saído do encontro entre a Jovem Guarda, no quesito sonoridade, e a Tropicália, no que diz respeito às letras.
Em meio às canções em que Tatá Aeroplano debruça sobre suas desilusões amorosas, há espaço para sutis comentários sobre a situação política do Brasil. Em Alucinações, faixa que abre o disco e conta com os vocais das cantoras Malu Maria e Bárbara Eugênia, ele versa, em tom épico, sobre um sentimento íntimo de revolta. “Nas igrejas e nos templos quase tudo pode/ Pode entrar armado: faça sua prece”, canta.
Em outro momento, Tatá exercita a psicodelia em Cabeças cortadas, cuja melodia crescente deságua na delicada O silêncio das serpentes, imersa num jogo de palavras minucioso e no arranjo atmosférico.
“Esse disco foi gravado em agosto do ano passado. Desde dezembro, ele estava pronto. Quando começou toda a história da pandemia, ponderei se deveria liberá-lo ou esperar a vida voltar ao normal”, conta ele. “Logo no início do isolamento, passei uma semana refletindo, dei um baita mergulho para dentro e depois comecei a escutar muita música, conversar com amigos músicos e mudei meu pensamento. É claro que vivemos um período muito difícil, tanto de sucateamento quanto de perseguição à arte e à cultura. Acredito que o disco faz muito sentido agora, ele traz algo dentro das canções que faz parte do espírito do tempo. Então, decidi que, sim, este é o melhor momento para lançá-lo.”
Isolado em São Paulo e impedido de fazer suas habituais caminhadas pela cidade, ele tem aproveitado os dias para revisitar alguns álbuns favoritos. “Tenho escutado muito o Clube da Esquina, um disco que tá fazendo todo sentido para mim agora. Também tenho dado atenção para os discos do Nick Cave e do Sérgio Sampaio, mas o Clube da Esquina tem sido a minha máxima nesta quarentena”, revela Tatá Aeroplano.
DELÍRIOS LÍRICOS
• De Tatá Aeroplano
• Independente
• Disponível nas plataformas digitais e no site tataaeroplano.com