Conheça as letras dos parceiros do coronavírus

Inquietação causada pela pandemia inspira canções de Chico César, Di Ferrero e do grupo espanhol Stay Homas

Estadão Conteúdo 04/05/2020 08:14
Acervo pessoal
Trio Stay Homas estreou com um samba sobre o coronavírus (foto: Acervo pessoal)

A letra de Canções e momentos, de Milton Nascimento e Fernando Brant, diz que “há momento/ que se casa com canção”. Se estes tempos são de distanciamento e preocupação com o novo coronavírus – o que suscita sentimentos como medo, saudade e apreensão com o futuro –, nada mais normal que ele inspire música.

As canções podem aparecer em formato de funk, como fez o MC Tchelinho em Corona funk. De rap, como Quarentena, de MV Bill. Ou virar balada sobre a falta de abraços, composta por Di Ferrero. A poesia de Chico César fala de um novo tempo, enquanto a banda espanhola Stay Homas (referência à expressão fique em casa) lança a série Confination songs.

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Chico César compôs Nada enquanto lavava pratos na cozinha de sua casa (foto: Divulgação)


Todos eles tentam traduzir em versos a angústia destes tempos ou disseminar mensagens positivas. E criar algo mais perene do que as lives, formato que conquistou o público, mas, por vezes, tem duração efêmera.

REFLEXÃO


O cantor e compositor Chico César tem usado sua conta no Instagram para refletir, em forma de música, sobre temas relacionados ao coronavírus e ao isolamento social. Já são oito canções, que ele apresentou no formato voz e violão, diretamente de seu quarto, lugar onde gosta de ficar.

Nada nasceu enquanto Chico lavava os pratos – inspirada por uma live da cantora baiana Margareth Menezes com Olívia Santana, militante do movimento negro. Na conversa, elas pediam à população de Salvador para ficar em casa na Páscoa. Na letra, Chico sugere uma dança no quintal, um disco legal na vitrola e pontes de “lembrar e esquecer”.

“Precisamos buscar um novo lugar, um novo tempo, o que tem a ver com o autocuidado, o cuidado com o outro ecom desacelerar. O momento é de calma. Estávamos devorando o mar, querendo destruir as entranhas da Terra, desprezando povos nativos, assistindo à volta do trabalho escravo”, diz.

Na bem-humorada Se essa praga morresse, Chico pede aos céus o fim da pandemia. “Será que o tal do tão propagado caos/ Vai causar iluminação?/ Será que aqui permanecerá/ Hora extra e serão?/ Será que o ser que do escuro sairá/ É ciência ou religião?”, canta ele. “Deus mora na ciência”, diz o músico paraibano, respondendo ao próprio questionamento.

Chico César considera pouco provável as novas canções virarem disco. “O que será da indústria do leite? Do sapato? Não sei. Será que terá indústria para o disco? De concreto, agora, só a minha necessidade de comunicação como artista”, observa o compositor.

Para o artista paraibano, o setor cultural, em especial a música, vai descobrir novas formas de apresentar seu trabalho, quem sabe dentro de casa, como vem ocorrendo com as lives.

SAMBA


Os músicos espanhóis Guillem Bultó, Rai Benet e Klaus Stroink eram colegas de apartamento, em Barcelona, na Catalunha, antes de a quarentena começar. O trio costumava tocar junto, sem compromisso. Certo dia, eles criaram um samba sobre o coronavírus e o publicaram. “Foi muito depressa. As pessoas passaram a compartilhar e mostrar muito carinho pelas nossas canções”, diz o trompetista Klaus.

Foi assim que surgiu a banda Stay Homas, cujo trabalho se ampliou com o apoio do público. A série Confination songs já reúne 19 canções. “Antes, colocávamos uma por dia, mas a quarentena foi se alargando. Decidimos reduzir um pouco o ritmo e fazer uma a cada dois dias. Afinal, também não temos tantas ideias”, brinca o trombonista Guillem.

O repertório apresenta temas e ritmos variados. “Escrevemos um pouco sobre como estamos nos sentindo a cada dia. Por isso, as primeiras músicas não são iguais às de hoje, por exemplo. Sempre tentamos ter um clima positivo, pois coisas negativas já estão acontecendo e não é preciso relembrar as pessoas disso”, explica o baixista Rai.

A maioria do repertório conta com participações de outros artistas, que cantam pelo telefone em espanhol, inglês, catalão e “portunhol”. Outra inovação é o uso de instrumentos caseiros, como baldes, facas e até porta-temperos, devidamente adaptados para o show on-line.

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Di Ferrero fez Vai passar depois de contrair a COVID-19 (foto: Divulgação)


Intuição para curar


Di Ferrero foi um dos primeiros artistas brasileiros a anunciar que havia contraído a COVID-19. A partir de 12 de março, o cantor cumpriu 20 dias de isolamento, em casa. Ficou rouco por duas semanas, mas assim que se sentiu melhor, compôs Vai passar.

“Foi bem intuitivo, a primeira música que toquei quando peguei o violão. Ela me trouxe paz, conforto”, conta. A letra diz “Nós não precisamos de muito/ Não se entregue/ Se doe para mundo/ E escute uma voz lá no fundo.”

Di Ferrero explica que, para muitas pessoas, essa voz é Deus. “Mas cada um tem o seu modelo de Deus. Para uns, é intuição, um pensamento. Para mim, é quando arrepio. É mais sobre sentir, menos sobre falar.”

A canção estreou numa live no Instagram. Em 10 de abril, a versão voz e violão, gravada em casa, foi lançada nas plataformas digitais. Montado virtualmente, o clipe contou com a participação de Camila Queiroz, Paulo Miklos, Isabeli Fontana, Vitor Kley, Paulo Ricardo e Serginho Groisman.

Aproveitando o período de isolamento social, Di reflete sobre a realidade pós-pandemia: “As pessoas mais sensíveis vão rever conceitos, mudar de vida, despertar para algo. O mundo estará diferente e quem não mudar terá de se encaixar nele de alguma forma”.

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