Representante de uma nova geração do punk rock feito no Reino Unido sob a inconformidade gerada pelo Brexit, o grupo IDLES é daqueles que provavelmente cairiam no esquecimento, não fosse por um detalhe quase imperceptível. No caso desses rapazes de Bristol, o timing perfeito se uniu ao som brutal, cheio de fúria, aliado a letras que versam sobre temas extremamente atuais, como sexismo, por exemplo. Pode-se dizer que temos aí um fenômeno, a voz de uma geração.
O diferencial do grupo, no entanto, não está somente no fato de que eles parecem tão inconformados quanto o público que os acompanha. O que torna os IDLES dignos de alcançarem reconhecimento internacional depois de quase 10 anos de estrada é a maneira como Joe Talbot (vocal), Mark Bowen (guitarra), Lee Kiernan (guitarra), Adam Devonshire (baixo) e Jon Beavis (bateria) se comportam em cima de um palco. Longe de qualquer apatia comumente associada a alguns grupos de rock europeus, os cinco se transformam em animais raivosos diante dos fãs quando tocam músicas como Never fight a man with a perm ou Well done.
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Muito antes de ser escalado para um festival de grande porte na América do Sul – ainda que num horário bastante ingrato, às 13h45 de uma sexta-feira –, o IDLES percorreu uma trajetória relativamente longa. A primeira formação da banda é de 2009, mas seu registro de estreia chegou somente em 2012, com o EP de quatro faixas Welcome. Embora tenha tido boa acolhida por parte da crítica, o grupo só entrou em estúdio novamente três anos depois, em 2015, quando lançou Meat, com mais quatro faixas, sucedido por Meta, que reunia os remixes das mesmas canções.
A imprensa musical do Reino Unido se tornou cada vez mais entusiasmada com o trabalho dos músicos, e em 2016 eles lançaram o single Divide & conquer. Na música, dirigem uma amarga crítica aos cortes no orçamento que haviam prejudicado o Serviço Nacional de Saúde do país. A música se tornou a primeira faixa divulgada do disco de estreia, Brutalism, lançado em 2017. Feroz e, em muitos momentos, brilhante, o trabalho reúne 13 composições cujos temas satíricos e o som pesado transformaram os IDLES em expoente de uma onda de bandas raivosas de língua inglesa que gritam contra o sistema.
Estreia
Na esteira do sucesso obtido com o álbum de estreia, a banda saiu em turnê e continuou a trabalhar em novos materiais. Em 2018, eles entraram novamente em estúdio para gravar o segundo disco, que foi lançado depois de uma série de atrasos ocasionados por problemas pessoais de Joe Talbot, entre eles sua relação com a bebida, que hoje ele garante ter largado. Joy as an act of resistance, lançado em agosto de 2018, pode ser lido como uma resposta à batalha pela sobriedade, bem como aos ideais conservadores que se espalham pelo mundo, sem excluir o Reino Unido. Ponto para as irônicas faixas Television e Danny Nedelko.
A capa já diz muito: mostra um grupo de homens, em sua maioria grisalhos e engravatados, em posições ambíguas, que remetem à dança e, também, à briga. No show que entra no ar nesta sexta, o grupo apresenta essas e outras canções que reiteram sua verve contestadora e polêmica, como na ótima Mother e nas barulhentas I'm scrum e White privilege. Mais recentes lançamentos do grupo, os singles Mercedes marxist e I dream guillotine não foram apresentados no show, mas, pelos títulos, já dá para perceber o tom do discurso que eles devem assumir no próximo disco. Vale a audição.
Filhos do IDLES
Pós-brexit, o punk britânico parece ter renascido. Ainda que eles não tenham um grande público, talvez nunca lotem arenas mundo afora ou figurem no topo da grade dos grandes festivais, esses grupos provam que o punk rock permanece vivo e é mais do que bem-vindo em tempos estranhos como os que vivemos.
>> Fontaines D.C
No melhor estilo Joy Division canalizando a voz de Ian Curtis (1956-1980), o vocalista Grian Chatten realiza nas músicas do Fontaines D.C um bem-vindo revival do pós-punk de primeira qualidade. Com o álbum de estreia, Dogrel, lançado em abril de 2019, a banda irlandesa conquistou admiradores ao redor do globo e estabeleceu o retorno a uma sonoridade bastante particular, barulhenta, mas, ainda assim, polida. A banda já dá indícios de que o segundo disco está a caminho.
>> Shame
Formada em Londres, a banda Shame tem na bagagem o disco Songs of praise, lançado em janeiro de 2018, que foi seu trampolim para o palco de grandes festivais. No álbum, o grupo vai do rock cru produzido no fim dos anos 1970 ao som que marca o início da década de 2000 de maneira frenética, sempre pulsante. A colagem de referências pouco reflete novidade, ainda que não pareça desgastada. No palco, eles apresentam um show igualmente enérgico, à altura da pouca idade dos integrantes.
Bom da Bahia
Outro registro ao vivo que acaba de chegar é o disco Gil Baiana ao vivo em Salvador (Máquina de Louco), gravado em novembro de 2019 durante o show que reuniu Gilberto Gil e a banda BaianaSystem. No repertório, clássicos como Is this love, Extra, Sarará miolo são transformados pela abordagem do grupo, comandado por Russo Passapusso. Disponível nas plataformas digitais, o trabalho será lançado em vinil preto 180g pelo clube de assinaturas NOIZE Record Club em comemoração à 100ª edição da revista NOIZE.