Entre os cinco músicos que formam o Radiohead, um dos mais tímidos talvez seja o guitarrista Ed O'Brien, de 52 anos, que, com seus quase dois metros de altura, fica discretamente posicionado no canto esquerdo do palco, enquanto toca alguns dos riffs mais famosos da extensa discografia da banda e faz o vocal de apoio. No show de 2018 que a banda realizou em São Paulo, Ed estava mudado. Mais à vontade, interagiu bastante com o público, e até encorajou aqueles que pediam, em coro, para tocar Jigsaw falling into place, do disco In rainbows (2007), o que foi negado pelo frontman Thom Yorke.
A mudança de comportamento pode ser explicada pelo fato de o músico britânico se sentir um pouco parte do Brasil, já que, entre 2012 e 2013 trocou a fria Oxford, no Reino Unido, pela cidade de São Luiz do Paraitinga, no interior paulista. Na época, ele enfrentava um bloqueio criativo que só foi quebrado depois de assistir ao desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Sete anos depois, o resultado está no disco Earth, sua estreia sem os companheiros de banda, sob a alcunha EOB.
Não se trata, entretanto, de um álbum tributo ao país, ainda que algumas das músicas remetam a um lugar exótico, como deve ser o Brasil diante de olhos estrangeiros. Tampouco é um trabalho que fala de colapsos ambientais ou guerras por recursos naturais. A Terra que Ed O'Brien transformou em música é uma celebração otimista da natureza e da vida.
Ao longo dos poucos mais de 46 minutos, EOB experimenta, em Earth, de que maneira canções nascidas no violão podem se transformar quando recebem uma abordagem eletrônica. Sendo assim, as nove faixas do trabalho transitam entre o folk e a dance music sem apelar para os vícios típicos desses dois gêneros, o que, afinal, é uma jogada esperta e também arriscada para quem não está começando agora, mas parece ter fôlego o bastante para deixar muito músico novinho parecendo careta.
Em faixas como Shangri-La, Deep days e Banksters, Ed deixa claro o objetivo de não se afastar tanto assim do trabalho desenvolvido no Radiohead e as músicas estabelecem diálogo com A moon shaped pool (2016), último disco da banda. Ao mesmo tempo, essas mesmas canções estão tão imersas em uma mensagem de esperança que elas passam ao largo de qualquer coisa que poderia ser escrita pelos britânicos.
Em outros momentos, as músicas parecem ter saído de um disco do U2, o que provavelmente se deve pelo fato de o produtor de Earth ser Mark Fellis, mais conhecido como Flood, que trabalha com os irlandeses desde The Joshua tree (1987).
Mesmo assim, o disco é cheio de bons momentos, como a segunda faixa, Brasil, em que EOB destila experimentalismo durante oito minutos e meio que começam com voz e violão e terminam com camadas de sons eletrônicos numa atmosfera house. Ou em Sail on, canção minimalista que flerta com a new age e cria um ambiente etéreo. E ainda em Cloak of the night, que fecha o disco e tem a participação da cantora Laura Marling.
TURNÊ
Melhor faixa do disco, Olimpik parece ter saído do mesmo lugar de onde veio Ray of light(1998), sétimo disco de Madonna. Nela, Ed O'Brien recria o experimentalismo das bandas de krautrock, termo que denominava os grupos alemães dos anos 1960 e 1970 famosos por improvisar a partir de ruídos e colagens sonoras.
No palco, o disco tem tudo para crescer. Para a turnê – adiada por tempo indeterminado por conta do novo coronavírus –, o músico reuniu uma equipe de primeira que conta com o baterista Omar Hakim, que já tocou com David Bowie; e David Okumu e Nathan East, da banda The Invisible, que irão assumir guitarra e baixo, respectivamente.
Isolado no País de Gales, ele passou as últimas semanas de março com suspeita da COVID-19. Antes disso, o músico passou por Nova York, Toronto e Paris. Recuperado, agora ele aguarda o momento de cair na estrada e explorar o que, de fato, a Terra tem a oferecer.
EARTH
EOB (Ed O'Brien)
Capitol Records
Disponível nas plataformas de streaming