Duas horas depois de mandar seu quarto disco, 'Histórias da minha área', às seis da tarde, para o YouTube, o rapper mineiro Djonga 'derrotou' o novo coronavírus no trending topics do Twitter. Nem a notícia do isolamento do presidente Bolsonaro, por causa do COVID-19, lhe tirou a liderança, por volta das 20h desta sexta-feira, 13.
Um pouco mais cedo, Djonga havia postado em seu Instagram imagens da festa em sua quebrada, na Zona Leste de BH, para saudar o novo trabalho, com direito a foguetório, cerveja, criançada e churrasco na praça. “Isso aqui não é audição não”, brincou ele, visivelmente nervoso, do outro lado da rua. Longe da festa, não escondia a ansiedade em relação à repercussão de 'Histórias da minha área'.
Nesse disco, com 10 faixas inéditas, o rap de Djonga dialoga com o funk do paulista Don Juan, com o canto da atriz Bia Nogueira (diretora musical da peça 'Madame Satã', na qual o anfitrião fez o papel do icônico protagonista), a rapper Cristal, o carioca NGC Borges e seu fiel escudeiro FBC, um dos nomes mais importantes do hip-hop de Minas. As batidas, como sempre, vieram do mineiro Coyote Beats.
'Histórias da minha área' entrega o que o título promete: crônicas sobre – e para – as favelas e periferias do Brasil. 'Consciência social era roubar playboy/ Dividir o lanche/ Dividir marola', diz a letra da primeira faixa, 'O cara de óculos'. Djonga avisa: 'Papo de bandido pra quem entende/ Eu faço o som que te tira a venda/ Deixa os boy fazer o som que vende!'. Na segunda faixa, 'Não sei rezar', dedicada aos amigos do tráfico que morreram muito jovens, Djonga rima: 'Seu nome no céu vou honrar/ Dessa vez com algo efetivo/ Parei de pensar em matar/ Vingança vai ser ficar vivo (…) Na vibe do meu som/ Meu swing é do jazz/ Pra nunca mais ter que ouvir o aqui jaz.'
O quarto disco de Djonga reafirma o compromisso dele – um dos nomes mais importantes do hip-hop nacional – com a sua 'BH Compton', apelido da capital mineira que remete ao celeiro californiano de talentos do rap. 'Orgulho de onde eu vim/ Sou história da minha área. Seja protagonista de sua história/ Pega a folha e muda o roteiro' é o recado que ele manda, em 'Oto patamá', a negros de periferias e favelas como ele.
'Histórias da minha área' fala do Brasil violento, de jovens excluídos empurrados para o crime. Porém, deixa claro que há conquistas – elas não são poucas e Djonga é prova disso. A própria capa traz o rapper e amigos, duplicados num beco de favela, tanto baleados no chão quanto em pé, orgulhosos. 'Meritocracia que nada!/ Correria que fala na rua', avisa ele em 'Deus dará'.
O rapper fala de amor e de seu próprio machismo ('Eu até curto Molejão/ Mas vou sair da sacanagem/ Amor com compromisso/ Sem libertinagem'). Paparica a filha, a bebê Iolanda, em 'Procuro alguém' ('As meninas que me importam tão dentro do meu lar/ Me ensina a passar a visão preu não criar um menor cego'). Denuncia a violência e o apartheid social ('Eles quer estirar o seu corpo aí nesse cimento/ Fala mal, mas aqui é bola, igreja ou crime'). E faz profissão de fé de seu rap como resistência ('Lanço todo dia 13/ pra provar pra tu/ Que um raio cai de novo no mesmo lugar').
Assim como fez nos discos 'Heresia' (2017), 'O menino que queria ser Deus' (2018) e 'Ladrão (2019) – todos lançados em 13 de março –, Djonga mostra que conquistou seu espaço na música brasileira ao valorizar seu quintal, a quebrada, sua querida Zona Leste.
Não há feats como famosos da MPB, clipes com estética publicitária e nem badalações na TV – a festa de lançamento foi na Leste mesmo. O rapper mineiro vem conquistando uma legião de fãs pelo Brasil explorando com inteligência as redes sociais e, sobretudo, com o dom da palavra que Deus lhe deu.
'Histórias da minha área' pode até não bombar na internet como os outros álbuns de Djonga. Mas aqui tem autor. E dos bons.