O Samba do Trabalhador, que comemora 15 anos, transformou-se em patrimônio cultural do Rio de Janeiro. A roda de samba que ocorre no Clube Renascença, no Bairro do Andaraí – vizinho de Vila Isabel –, frequentada por cariocas, gente de todo o Brasil e também do exterior, foi noticiada até no The New York Times. Idealizador, produtor e líder desse movimento, Moacyr Luz, ao criá-lo, não tinha maiores pretensões. Queria apenas promover o encontro informal de músicos que trabalham nos fins de semana e descansam na segunda-feira. Mas o sucesso foi tão grande que ganhou registro em cinco CDs e dois DVDs.
Fazendo samba, o mais recente, lançado na última sexta-feira (10) pela Biscoito Fino, traz 16 faixas, sendo 12 inéditas. Entre elas, as que Moa (como o cantor e compositor é chamado pelos amigos) compôs com parceiros como Toninho Geraes (A cara do Brasil), Xande de Pilares (Das bandas de lá e dora de moda), Sereno (Eu sou batuqueiro), Wanderley Carvalho (Loucos de inspiração) e Zeca Pagodinho — a que dá título ao álbum. Entre as regravações estão os clássicos Ronco da cuíca (João Bosco e Aldir Blanc) e Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair e Jorge da Portela).
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Moa é acompanhado no Samba do Trabalhador por um grupo-base formado por Gabriel Cavalcante (voz e cavaquinho), Nego Álvaro (voz e percussão), Alexandre Marmita (voz e cavaquinho) e os percussionistas Luiz Augusto Guimarães, Nilson Visual, Júnior de Oliveira e Daniel Neves. E ele sempre recebe convidados ilustres. No Fazendo samba, há a participação de João Bosco, Leci Brandão e Roberta Sá. Embora não se caracterize como um projeto itinerante, o Samba do Trabalhador tem sido levado para várias partes do país. Na entrevista a seguir, o músico autoditada fala sobre o novo trabalho e como o samba entrou na sua vida.
Que formação musical você teve?
Posso dizer que sou autodidata. Morei cinco anos com o violonista Hélio Delmiro e estudei um ano na Pro-Arte. Foram os meus momentos de estudo.
O samba esteve presente desde sempre em sua vida?
O samba me pegou pelas beiradas, no cotidiano carioca. Tenho quase 300 músicas gravadas e, muitas delas, são canções cantadas por interpretes como Nana Caymmi, Maria Bethânia e Leni Andrade. Quando conheci a Beth Carvalho, meu passado de subúrbio veio à tona. Fui chegando com toda a reverência necessária. Tenho sambas com Martinho da Vila, Sereno, Wilson das Neves e, mais recentemente, Zeca Pagodinho. Mas meu principal parceiro é Aldir Blanc.
Como surgiu a parceria com esse mestre das letras?
Fui morar, sem saber, no mesmo prédio de Aldir. Numa dessas noites da boemia tijucana, nos esbarramos. Toquei algumas músicas para ele até o dia clarear. Ofereci carona e descobrimos que éramos vizinhos. Morei no mesmo endereço por quase 25 anos, tinha um convívio diário com o Aldir e deu no que deu.
No CD Mandingueiro, houve o resgate da formação clássica das rodas de samba. Era um prenúncio do que viria a ocorrer depois em sua vida?
Ali, eu estava totalmente envolvido com o samba. Havia composto Saudades da Guanabara, com outro grande parceiro, Paulo César Pinheiro. Fazia músicas com Luiz Carlos da Vila, tocava com João Nogueira...
Entre seus parceiros estão bambas da importância de Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Nei Lopes, Wilson Moreira e Zeca Pagodinho. Que contribuição eles trouxeram para o seu trabalho?
O Luiz Carlos da Vila foi fundamental no amadurecimento do meu traba- lho. Martinho, Nei Lopes, Wilson Moreira, Hermínio Bello de Carvalho e Zeca vieram depois. Trabalhar com todos eles foi igualmente importante.
E o poeta Paulo César Pinheiro, um outro parceiro?
Paulinho é um poeta da música brasileira. A sua produção como autor de letras de músicas e romances é incomparável. Tenho por ele grande admiração!
Carioca da gema, você deixa clara sua paixão pela tão maltratada Cidade Maravilhosa. Há explicação para tanto amor pelo Rio de Janeiro?
Pois é, foi essa cidade que me apresentou o samba, as agremiações, os botequins abarrotados de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha, enfim, o carioca
Como surgiu a ideia da roda Samba do Trabalhador, que faz tanto sucesso às segundas-feiras?
Segunda-feira é o dia de folga dos músicos que trabalham nos fins de se- mana. O que seria apenas uma tarde de encontros entre nós se transformou num fenômeno que resultou em cinco CDs e três DVDs. Uma longa e linda história. Apostamos sempre no repertorio autoral, e isso acabou formando um público envolvido com o nosso repertório.
Leci Brandão, Roberta Sá e João Bosco marcam presença no Fazendo samba. Por que os quis nesse disco?
Tenho convivido com a Roberta Sá, e essa amizade virou uma participação em A cara do Brasil, uma das inéditas. A gente queria estabelecer a Leci como a herdeira de Dona Ivone Lara, baluarte do samba (no disco, ela canta o clássico Sorriso negro. Com o João Bosco, sempre mantive um sentimento de reverência pela trajetória da parceria com o Aldir. É um privilégio tê-lo cantando e tocando violão em O ronco da cuíca.
A faixa-título é uma tabelinha sua com Zeca Pagodinho. Como essa parceria se estabeleceu?
Isso é resultado de anos de convivência e muito respeito à importância desse craque da música popular brasileira.
Num tempo em que a cultura popular é desprezada e até perseguida, o Samba do Trabalhador deve ser visto como um reduto de resistência?
Nós somos a favor da Constituição, a favor da cultura como o maior investimento que este país pode fazer para o seu povo. Meu medo é a gente entrar num túnel do tempo e voltar à Idade da Pedra.
FAIXA A FAIXA
1 – Loucos de inspiração (Moacyr Luz e Wanderley Monteiro)
2 – Das bandas de lá (Moacyr Luz e Xande de Pilares)
3 – Fora de moda (Moacyr Luz e Xande de Pilares)
4 – A cara do Brasil (Moacyr Luz e Toninho Geraes)
5 – Reza pra agradecer (Nego Álvaro, Vinicius Feyjão e Pretinho da Serrinha)
6 – Eu sou batuqueiro (Moacyr Luz e Sereno)
7 – Quem dera o tempo (Alexandre Marmita, Mingo Silva e Nego Alvaro)
8 – Segunda-feira (Gabriel Cavalcante e Roberto Didio)
9 – O ronco da cuíca (João Bosco e Aldir Blanc)
10 – Fazendo samba (Zeca Pagodinho e Moacyr Luz)
11 – Mãos de Deus (Nego Alvaro)
12 – Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair e Jorge da Portela)
13 – Quando o samba veio me buscar (Moacyr Luz e Roberto Didio)
14 – Camunga (Aldir Blanc e Moacyr Luz)
15 – Pra batucar (Nego Alvaro e Mingo Silva)
16 – Canta, sabiá (Sereno e Moacyr Luz)
Fazendo Samba
Moacyr Luz e Samba do Trabalhador
16 faixas (12 inéditas)
Biscoito fino
Preço: R$ 36,15
Disponível nas plataformas digitais