Neste mês de janeiro, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais deveria ter uma organização social (OS) – selecionada por edital da Secretaria de Estado da Cultura – responsável por sua gestão, dispondo para isso de um orçamento de R$ 17 milhões por ano, até 2023. Mas não foi assim que 2020 começou para a orquestra, fundada em 2008.
Lançado em outubro do ano passado, o edital não recebeu nenhuma candidatura, nem mesmo a do Instituto Filarmônica, atual gestor da orquestra e interessado em manter-se na função.
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“Temos um quadro de pessoal composto por músicos e funcionários do instituto. Esse quadro tem custo de R$ 23,5 milhões anuais e cobre o pagamento de 90 músicos, 10 técnicos de orquestra e outros 45 funcionários do instituto. Todos são celetistas, esse é o valor total, com impostos, direitos, etc. O contrato com o estado cobre uma parte desse custo, 80%”, afirma Silveira, descrevendo a situação atual da Orquestra Filarmônica.
Segundo o diretor-presidente do instituto, o restante é pago “com recursos próprios, de bilheteria e captação de patrocínio de empresas privadas via Lei Rouanet”.
O ponto de discordância, segundo afirma, é que “no edital havia uma questão que estabelecia um valor máximo para ser gasto com pessoal, inferior a esses R$ 23,5 milhões. Se fôssemos entrar no edital, eu não poderia manter o custo de hoje”. O teto estabelecido pelo edital é de R$ 21 milhões, ou seja, abrange inclusive captações adicionais ao valor repassado pela Secretaria de Estado.
MUDANÇA
Segundo Silveira, enquanto o prazo de inscrição do edital estava aberto, o Instituto Filarmônica apresentou à Secretaria de Cultura (Secult) seus argumentos e solicitou uma mudança nas regras do concurso, mas não foi atendido. O edital prosseguiu aberto e inalterado. Ocorre que não houve nenhum inscrito e, agora, a secretaria admite fazer mudanças nas regras estabelecidas.“Como não houve nenhuma candidatura, a Secult decidiu revisar o edital e modificar alguns pontos. Foi feita uma pesquisa em contratos e editais com temáticas similares e, além disso, a Secult ouviu outras instituições ligadas ao setor. Foram feitas adequações relativas às possibilidades de captação pela instituição a ser selecionada”, afirmou a secretaria por meio de nota, enviada por sua assessoria de comunicação.
Enquanto prepara um novo edital, previsto para ser lançado até março, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo firmou um contrato-tampão com o Instituto Filarmônica, válido até o próximo mês de junho.
A medida garantiu a continuidade das atividades da orquestra, incluindo a venda de assinaturas para as quatro séries de concerto com as quais a Filarmônica pretende comemorar neste 2020 os cinco anos da Sala Minas Gerais e os 250 anos de nascimento de Beethoven.
ALTERAÇÕES
Sobre o novo edital, no entanto, a pasta diz que, como o documento “ainda não foi lançado, a Secult não pode dar publicidade às alterações efetuadas”. Diomar Silveira, por sua vez, tem a expectativa de que a questão seja revista. “Esperamos que essa trava imposta a esse gasto de pessoal não seja colocada novamente. Ela inviabiliza a operação como é feita hoje, pois todos os contratos são pela CLT. Não se pode manter os mesmos profissionais reduzindo o salário. Entendemos que não há necessidade da trava (de gastos com pessoal), já que captamos recursos próprios para completar a folha”, diz.Se o edital trouxer a alteração pleiteada pelo Instituto Filarmônica, a entidade desta vez vai se apresentar à disputa. “Estamos há 12 anos na gestão e, até pela força da experiência, acreditamos que sejamos os mais capacitados, mas não somos os únicos. Lançado o edital, estaremos indo a campo, junto com qualquer outra organização que possa concorrer”, afirma o diretor-presidente.
O edital original previa que a entidade selecionada assumiria também a gestão da Sala Minas Gerais e das áreas comuns do Centro Cultural Itamar Franco, sede da orquestra. O contrato garantiria um orçamento de R$ 17 milhões por ano, até 2023, provenientes dos cofres públicos, com a contrapartida de ações para a promoção e a democratização do acesso à música erudita.
No contrato-tampão estabelecido entre o governo e o Instituto Filarmônica ficou acertada uma extensão até o próximo mês de junho dos termos do acordo anterior, encerrado em dezembro. O repasse de verba estatal será proporcional ao período: R$ 8,75 milhões. Apesar da indefinição da situação da orquestra no segundo semestre, Diomar Silveira garante que a temporada 2020 não sofrerá nenhum prejuízo.
“A orquestra trabalha com uma temporada anual. O contrato de gestão garante repasse do estado calculado pelo prazo de seis meses, e nossa captação própria é a normal para o ano. Numa eventualidade de não sermos nós (os selecionados pelo novo edital), a parte que nos cabe já fizemos. Todas as captações para 2020 já foram feitas, e o número de assinaturas foi mantido. A receita proveniente do nosso esforço já está garantida.”
O primeiro concerto deste ano da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais está marcado para 13 de fevereiro. O programa executado será a Sinfonia nº 2, em dó menor, do compositor austríaco Gustav Mahler, conhecida como Sinfonia da ressurreição. A regência será do maestro titular, Fabio Mechetti.
ASSISTENTE DEFINIDO
Com a saída do maestro assistente Marcos Arakaki, em dezembro passado, o Instituto Filarmônica escolheu o regente José Soares para o posto. Natural de São Paulo, ele foi um dos participantes do Laboratório de Regência desenvolvido pela Filarmônica. Arakaki, que atuava na Filarmônica de Minas Gerais desde 2011, assumiu a Sinfônica da Universidade da Paraíba. Já a posição de spalla na formação mineira, vaga desde o ano passado com a não renovação do contrato do primeiro violinista, o britânico Anthony Flint, ainda não tem um novo nome. “Temos na orquestra os melhores profissionais, que entram por um processo muito criterioso. Essa posição necessita essa legitimação e seguimos na busca”, afirma Diomar Silveira.