Os Melo Franco são uma das famílias mais tradicionais do estado. Entre seus representantes ilustres estão o jurista, político, historiador e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Afonso Arinos de Melo Franco e o advogado e jornalista Rodrigo de Melo Franco, primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas há mais: a artista plástica Dália Antonina, mãe de um dos nomes mais importantes da MPB, o cantor e compositor carioca Francis Hime. “Tenho DNA mineiro. Apesar de a maior parte dos Melo Franco ser de Paracatu, mamãe era de Montes Claros, terra do Darcy Ribeiro e do Beto Guedes. Por isso gosto tanto de Minas e tenho vários amigos aí”, afirma o artista, que completou 80 anos em agosto.
Francis nem pensava em fazer alguma coisa para marcar a efeméride. Mas numa noite de abril ocorreu algo inusitado. Ele sonhou com uma melodia que ficou martelando em sua cabeça. Decidiu gravá-la em seu celular. “Geralmente, a gente sonha com música e não se lembra. Mas essa não”, conta. Alguns dias depois, recebeu um poema do escritor português Tiago Torres Silva, seu amigo, para que o musicasse. “Começamos a trabalhar no texto e ficamos animados. Aí, cogitei fazer algo maior”, recorda. Nascia ali O tempo e a vida, que tem participação de Lenine e é uma das 12 faixas de Hoje, disco de inéditas que acaba de ser lançado nos formatos físico e digital pela Biscoito Fino.
E Minas Gerais, terra da família materna, não poderia ficar de fora. O álbum tem a presença de alguns mineiros, como o poeta Geraldo Carneiro que assina com Francis Hime uma das canções mais singelas e alegres do trabalho, Samba funk. “Volta aqui pedindo bis/ E olha ele pintando na parada na avenida iluminada/Carnaval dos meus brasis. Brasis...”. Já o cantor e compositor Sérgio Santos solta a voz em Jogo da vida, composição de Francis Hime com outra representante das Gerais, Silvana Gontijo, filha da pintora, escultora e ceramista juiz-forana Leda Gontijo, que morreu aos 104 anos, em junho. Com Silvana, aliás, o músico fez outra composição, Pietá, interpretada lindamente por sua mulher, a cantora e compositora Olivia Hime. Essas duas canções fazem parte da Ópera do futebol, um projeto em que Francis trabalha desde 2014 e que trafega entre o erudito e o popular. O libreto é de Silvana e narra a história de dois irmãos que disputam a mesma mulher, tendo como pano de fundo o universo dos times, dos cartolas e gramados. “A gente chegou até a marcar algumas récitas. Mas ficamos esperando um patrocinador e não rolou... infelizmente. Mas as composições estão todas prontas e acabei colocando os dois temas finais para fechar o disco. Um dia espero que essa ópera realmente chegue aos palcos”, anseia.
Netinha
Hoje traz uma pérola do cancioneiro recente da música brasileira, Laura, uma homenagem dos avós Olívia e Francis à neta caçula, que tem 2,5 anos e é filha da primogênita, Maria. Aliás, o artista é rodeado de mulheres. São três filhas (o casal ainda tem Luiza e Joana) e quatro netas. Coube ao parceiro e amigo Chico Buarque interpretar a linda canção, que tem arranjos, letra e melodias de altíssima qualidade. “O Chico é padrinho da Luiza, que é madrinha da Laura. Por isso pensei nele. Tinha 22 anos que a gente não entrava em estúdio juntos. Foi um reencontro especial. A gente se comunica mais por e-mail com essa vida corrida. Falamos de futebol, política e, às vezes, até de música”, diverte-se. O autor de A banda deu uma sutil contribuição na letra. Em vez de Laura, ó Laurinha, Princesinha, Chico Buarque sugeriu Laura, ó Laurinha, Prenda minha.Aquele mais belo choro
O álbum conta com outras colaborações, como Adriana Calcanhotto, que assina e canta com Francis, Flores pra ficar, além dos compositores Paulo César Pinheiro (Soneto de ausência), Ana Terra (Mais sagrado), Thiago Amud (Sofrência) e Hermínio Bello de Carvalho, em Desdenhosa, faixa que abre o projeto e que Francis considera “o choro mais bonito” que fez na vida. “A minha ideia era fazer algo instrumental, mas aí acabei mandando a melodia para o Hermínio. Ele relutou um pouco em fazer, mas eu insisti. Sabia que ele era capaz. E o resultado é essa coisa maravilhosa. Abre o disco num clima bem pra cima, alto-astral”, festeja.
Francis revela que tinha receios de o disco não ficar pronto a tempo, apesar de já ter várias músicas prontas. “Aí, fui mandando para os meus parceiros para eles colocarem letra. Foi o disco mais rápido que já fiz na minha vida”, pontua.
Hoje teve show de lançamento no Rio na última semana e prevê três dias de apresentações em São Paulo no começo de dezembro. A ideia é rodar em 2020 as principais cidades do país. “Belo Horizonte estará no roteiro, com certeza. Ainda mais com essa mineirada fazendo parte do álbum”. Ele reafirma a motivação para se dividir com a plateia: “No começo da minha carreira eu morria de medo de fazer show. E hoje me dá muito prazer. Adoro compor, mas gosto também de cantar, estar no palco”, frisa. Sobre o nome, Francis Hime diz que o título não poderia ser mais adequado e que passa exatamente o que queria transmitir. “Retrata o que estou produzindo no presente. Não é um disco voltado para o passado e nem pensando no futuro. É um nome forte, curto e que resume tudo. É o hoje”, ressalta.
Hoje
• Francis Hime
• Biscoito Fino
• 12 faixas
• Preço: R$ 36
• Disponível também nas plataformas digitais