“Mudam a comunicação, a forma de expressão, mas o âmago da vida é o mesmo. As gerações são outras, mas as realidades são as mesmas. E é neste lugar que a gente se encontra, pois, com certeza, há algo que nos conecta: a necessidade de falar da mulher e a luta contra o preconceito racial, por exemplo”
Margareth Menezes,
cantora e compositora
Mulher, negra, baiana. Margareth Menezes, de 57 anos, reafirma sua identidade em Autêntica (Natura Musical). Recém-lançado, o álbum produzido pelo baterista e percussionista Tito Oliveira é o primeiro trabalho de estúdio da cantora em 11 anos. Reúne, em 13 faixas, um time de cantores e compositores que dialogam com passado e presente – Gilberto Gil, Luedji Luna, Carlinhos Brown, Jorge Vercilo, Larissa Luz.
“Que ninguém é melhor que eu/Nem por grana nem por cor/Que a origem do meu povo/Vem das mãos do criador” ela canta em Minha diva, minha mãe, uma das faixas de autoria própria. “Esta música mostra minhas referências. Fala um pouco sobre a mãe negra e o lugar da mulher negra, um espaço de tanto sofrimento, mas também de força para enfrentar e se reposicionar”, diz ela, acrescentando que agora se sente mais confortável para assumir o lado compositora.
Autêntica é uma forma de a própria Margareth reposicionar a carreira. Ainda que tenha participado de vários projetos desde o álbum anterior, Naturalmente acústico (2008), ela organizou sua obra somente recentemente. “A tecnologia mudou toda a nossa concepção de como fazer. Levei um tempo para me adaptar. Tanto que este projeto com a Natura Musical é completo: recuperamos vídeos antigos, pois eu não tinha muita coisa nas plataformas digitais, por exemplo.”
Independente desde sempre, Margareth gravou Autêntica aos poucos. Tanto que o registro do álbum ocorreu em seis estúdios, em Salvador, São Paulo, Nova York e Paris. “Fui gravando de acordo com as possibilidades. E foi muito positivo mudar de ambiente, pois o afro pop propõe isto, já que é um estilo em que você faz várias conexões.”
Gilberto Gil, referência primeira no trabalho de Margareth, se faz presente na canção Paraguassu, que compôs para a própria cantora. Em 2000, quando estava à frente do festival Percpan, Gil convidou Margareth, Ivete Sangalo e Daniela Mercury para se apresentarem juntas, em encontro até então inédito. De quebra, fez uma canção para cada uma das intérpretes. Paraguassu estava perdida na memória de Margareth, até ser recuperada para esta gravação, a primeira da canção. “Ela também conversa com o feminino, pois fala das mulheres indígenas”, diz a cantora.
CRÔNICA
Ainda na seara do feminino, chama a atenção Mulher da minha vida, com letra que é quase uma crônica das lutas atuais. “Eu não sou um objeto pra você usar/Meu corpo, minhas regras, tá pensando o quê?/Tá claro pra você ou tem que desenhar?/Sou livre, quero ser o que eu bem entender”, são alguns dos versos que Margareth canta numa levada soul. A música é de Gabriel Moura e André Lima. “Ou seja, são dois homens se colocando neste lugar. Eles sabem o que a gente quer. É uma música natural, direta, que mostra que não somos concorrentes dos homens, mas temos que ocupar um lugar de respeito.”
Flávia Wenceslau, paraibana radicada na Bahia, é a autora de Por uma folha, a mais intimista canção do álbum. Acompanhada de piano e contrabaixo, Margareth coloca o vozeirão à prova. Três jovens cantoras/compositoras também apresentam suas armas no trabalho de Margareth. A baiana Luedji Luna divide com Ravi Landin a autoria de Mãe preta. “Considero-a com um Belchior dos nossos tempos, pois ela vai fundo nas dores, provoca uma reflexão profunda.” Também soteropolitana, Larissa Luz participou da canção Capoeira mundial (Margareth/Alfredo Moura/Mokhtar Samba). “Ela é uma das maiores expressões da mulher negra da nova geração.”
Por fim, ainda há Nabiyah Be. A filha de Jimmy Cliff, conhecida pela participação no filme Pantera Negra (2013), chama Margareth de madrinha. “A primeira vez dela no palco foi comigo, quando tinha 13 anos.” Juntas, madrinha e afilhada compuseram Querera, que a cantora e atriz defende em inglês.
Diante do novo, Margareth não se abala. “Mudam a comunicação, a forma de expressão, mas o âmago da vida é o mesmo. As gerações são outras, mas as realidades são as mesmas. E é neste lugar que a gente se encontra, pois, com certeza, há algo que nos conecta: a necessidade de falar da mulher e a luta contra o preconceito racial, por exemplo.” Pronta para colocar Autêntica na rua, Margareth dá início à nova turnê em 1º de novembro, em Salvador.