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Mano Brown saúda a liberdade no show do Racionais em BH



“Liberdade ainda que tardia. De Minas Gerais, terra dos inconfidentes, para o mundo”, afirmou Mano Brown, no domingo (15) de madrugada, depois de cantar o rap 'Marighella' durante o show comemorativo dos 30 anos do Racionais MCs, no KM de Vantagens Hall, em BH. Na semana passada, produtores cancelaram a estreia do longa que conta a história do líder da esquerda brasileira, marcada para 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, devido a desentendimentos com a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Uma coincidência: Seu Jorge, que faz o papel de Marighella, surge no telão antes de o Racionais cantar ‘Capítulo 4, Versículo 3’, dizendo que 72% das pessoas assassinadas no Brasil são negras e pardas. Esse vídeo vai ao ar desde o início da turnê, em julho.



O show do Racionais trouxe raps de todas as fases do grupo, desde a pioneira ‘Pânico na Zona Sul’. Mas tudo com nova pegada, conferida pela megabanda com direito a metais, guitarras e percussão. Soul e funk das antigas se mesclaram às sempre impressionantes picapes de Kl Jay, com scratchs de arrepiar. Foi um baile black da pesada. Mas sem diluir a característica batida do Racionais. ‘Homem na estrada’, ‘Diário de um detento’, ‘Negro drama’ e outros clássicos ressurgiram suingadas, até dançantes. Na medida certa, sem invencionices. Brown soltou a voz em 'Jorge da Capadócia', de Jorge Ben, mostrando que rapper também pode cantar – sem fazer feio. Ice Blue e Edi Rock mantêm o mesmo pique de garotos no palco. E o soulman Lino Krizz, maestro da banda, brilhou em vários momentos com seu belo vozeirão.



O público vibrou, dançou, fez o gesto ‘vida loka’ com os dedos, exibia a capa do LP ‘Sobrevivendo no inferno’ para a banda. A plateia mandou seu recado: aquelas antigas letras dos anos 1980/1990 ainda retratam o Brasil injusto e violento do século 21.

Brown disse que é sobrevivente. “Nada vem de graça. Era um jovem fraco, e o rap me fez forte”. E mandou um recado para o Brasil mergulhado em intolerância: “O clima é hostil, não tem massagem nem cafuné. Eu quero é liberdade”. Da plateia só se ouviram aplausos. Não houve xingamentos ao presidente Jair Bolsonaro, como em outros shows. 




O rapper elogiou o jovem colega mineiro Djonga, “fala pelos pretos da favela, brilhante como diamante”, e Misael Avelino, que comanda a Rádio Favela. Perseguida nos anos 1990, a emissora do Aglomerado da Serra divulgava o rap, na época acusado de  “música de bandido”. Antes do show, Misael contou para amigos que foi processado várias vezes. “Dos meus 59 anos de vida, seriam uns 30 na prisão”, comentou. Um desses processos foi porque ele  tocou a “perigosa” ‘Pânico na Zona Sul’ em sua rádio alternativa. Justamente a primeira do show de ontem, ovacionada por cerca de 5 mil pessoas que comemoraram as três décadas do Racionais. A apresentação terminou às 3h, mas a banda só deixou o KM de Vantagens por volta das 4h30, depois de receber fãs no camarim. Na saída, a van foi cercada por admiradores e Ice Blue distribuiu apertos de mão.