Emicida traz Belchior de volta na faixa AmarElo

Rapper paulistano cita trecho de Sujeito de sorte, do álbum Alucinação (1976), em canção que tematiza a persistência diante das dificuldades da vida

Mariana Peixoto 30/06/2019 07:00
Fernando Schlaepfer/Divulgação
(foto: Fernando Schlaepfer/Divulgação)

“Hoje em dia, já não se pode mais criar sem correr riscos.” Faz 42 anos que Belchior (1946-2017) cunhou esta frase, durante uma entrevista sobre seu segundo álbum, Alucinação, clássico inconteste do cancioneiro nacional. Lançado em 1976, o disco traz em suas 10 faixas algumas das composições mais importantes do cearense: Como nossos pais, Velha roupa colorida, Alucinação, Apenas um rapaz latino-americano, Fotografia 3X4.

Emicida, rapper paulistano de 33 anos, também cria correndo riscos. AmarElo, faixa lançada há menos de uma semana com um contundente curta-metragem que rapidamente se aproximou de 1 milhão de visualizações no YouTube, não só bebe na fonte de Belchior como o sampleia.

É a primeira parte de Sujeito de sorte, outra das canções de Alucinação – “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro/Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” – que aparece em destaque na faixa. Ao longo de nove minutos, Emicida, Pabllo Vittar e a baiana Majur (artista negra não binária) se unem para a faixa. AmarElo mescla trechos de Sujeito de sorte e Permita que eu fale, poema de autoria do rapper. O cenário do clipe é o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

“A ideia é que as pessoas observem ao redor e se enxerguem maiores do que os seus problemas, independentemente de quais sejam”, declarou Emicida  sobre o projeto. Dirigido por Evandro Fióti, AmarElo não é um vídeo facilmente digerível. Em seus primeiros dois minutos e meio, ouvimos uma gravação de um amigo do rapper que tentou o suicídio. “Nenhum ser humano consegue estar bem todo dia, tá ligado?”, diz a voz, sob imagens fracionadas do Rio de Janeiro.

Quando a música efetivamente começa, com a gravação de Belchior, depois seguida pela união de Emicida, Pabllo e Majur, assistimos a uma série de personagens reais que, a despeito das cicatrizes que trazem no corpo, conseguiram seguir em frente. “Apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte”, nas palavras de Belchior. “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes/Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes”, responde Emicida nos versos.



PERENE 

Biógrafo do cantor e compositor cearense, o jornalista Jotabê Medeiros (autor de Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, de 2017) afirma que a atualidade dos versos é um dos exemplos da importância da obra de Belchior. “E não só Sujeito de sorte, mas todas as músicas de Alucinação alcançaram a perenidade, o que faz com que o disco seja um dos 10 maiores clássicos da música brasileira”, avalia Medeiros.

Para ele, Sujeito de sorte tem uma construção “meio drummondiana”, já que Drummond “era um dos ídolos dele”. Medeiros comenta que a letra traz a ideia geral do brasileiro de que “enquanto está vivo, tem esperança, nunca se entrega”. Um bom exemplo são os versos “E tenho comigo pensado Deus é brasileiro e anda do meu lado/E assim já não posso sofrer no ano passado.”

“Ao mesmo tempo, Belchior não é acrítico, moralista, nem faz juízo do que é bom ou ruim. No cancioneiro brasileiro, ele se posicionava não como um observador neutro, mas como um artista que estava no mesmo lugar do povo. Sujeito de sorte é uma das canções mais brilhantes neste sentido, pois traz a sensação que o brasileiro tem de que agora vai ser diferente.”


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