Por trás do som: o que fazem técnicos e produtores musicais

Pouco conhecido de quem aprecia música, o trabalho de produtores, engenheiros e técnicos é fundamental para garantir o resultado que se ouve em discos. Em BH, muitos músicos se revezam também nessas funções

por Pedro Galvão 14/06/2019 09:40
JAIR AMARAL/EM/D.A.PRESS
Os músicos e produtores musicais Ygor Rajão (à esq.) e Rafael Dutra, no Estúdio Motor, em Belo Horizonte (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A.PRESS)
Quando ouvimos uma música, seja no tradicional LP, num cada vez mais raro CD player, ou nas plataformas digitais, guiamos nossa atenção para a melodia, a letra, a voz de quem canta, os acordes da guitarra ou violão, o ritmo da bateria ou um instrumento diferente que entra ao fundo. Porém, entre o talento dos artistas e os ouvidos do público há uma cadeia produtiva decisiva para o resultado final. Em Belo Horizonte, ela pulsa com diversidade e a expertise de quem já esteve do outro lado do aquário nos estúdios.


Nesta sexta-feira (14), a banda Pata lança Shit & blood, seu primeiro álbum, com um show no Stonehenge. Depois de produzir um EP caseiro em 2017, o grupo formado por Lúcia Vulcano (guitarra e vocal), Beatriz Moura (bateria) e Luís Friche (baixo) resolveu dar um passo além no fim do ano passado e levar para estúdio suas letras críticas e seu som rebelde em composições que abordam desigualdade de gênero. Financiado via crowdfunding, o disco chega ao mercado no formato físico e nos serviços de streaming, com 10 faixas.

“Já tínhamos um esqueleto, com músicas gravadas e arranjos, e queríamos transformar isso num disco. Procuramos o Rafael Dutra, e ele nos deu novas ideias, novos olhares. Percebemos nossas músicas como um conjunto, uma narrativa”, diz Lúcia. Responsável pela produção do disco, Dutra é instrumentista e compositor. Ainda na adolescência, começou a fazer a própria produção musical, que mais tarde transformou em profissão.

Tesouraria / Divulgação
Banda Pata, que se apresenta hoje no Stonehenge (foto: Tesouraria / Divulgação)
Com um currículo de aproximadamente 30 discos produzidos, em diversos estilos, ele afirma que “o disco da Pata foi algo fora da curva”. “Venho do rock, meu disco solo tem rock, mas ainda não havia produzido algo ligado ao punk e ao grunge. Elas me procuraram por indicações, não por portfólio. Então mergulhei no estilo, fiz uma grande pesquisa de referências, desde os clássicos até coisas mais modernas. Depois, fomos lapidando os arranjos coletivamente. Tento agregar minha musicalidade de forma horizontal”, diz Rafael, que começou a aprender sobre o riscado sozinho, com informações na internet, e depois se formou em engenharia de som na Bituca - Universidade de Música Popular, de Barbacena.

“O disco tem várias camadas e texturas, tem a visceralidade do punk e do grunge, mas não é tão cru. Tem efeitos psicodélicos e outros toques que dei na mixagem, mas que não mudaram a característica da banda. Não é um disco com cara de produtor”, afirma o próprio, que mantém o estúdio Motor, no Sagrada Família, ao lado de Alexandre Andrés e Ygor Rajão, igualmente músicos que acumulam funções na produção e na engenharia sonora.

ESOTÉRICO Rajão, que é professor de música e trompetista, participa do grupo Orquestra Atípica de Lhamas, entre outros projetos ligados ao carnaval, fez a masterização de Shit and blood, ou seja, o toque final no disco. “Masterização é um processo um pouco esotérico. No cinema tem o colorista, que pega o filme montado e dá retoques para chegar numa identidade de luz e cores, uma continuidade estética. Masterização é um pouco disso. Pego uma mixagem e monto o disco com uma identidade em termos de som. É a última etapa, por isso depende de uma sensibilidade de escuta muito desenvolvida e é algo ainda raro em BH”, diz ele. Ygor começou a se interessar pela “cozinha” da música na adolescência, em contato com o estúdio do pai, Caxi Rajão, em Macacos.

Os estilos variam, mas a força-tarefa para fazer um disco sair é parecida. No mês passado, a cantautora belo-horizontina Flávia Ellen lançou Desperta, seu primeiro álbum, que reúne 10 composições criadas ao longo de seus 10 anos de carreira. Centrado em sua poderosa voz, acompanhada pela mescla de blues, MPB e pop rock, além de um naipe de metais, o projeto teve produção de Richard Neves, tecladista do Pato Fu.

Lorena Zschaber / Divulgação
Flávia Ellen, que se apresenta no Sesiminas em agosto (foto: Lorena Zschaber / Divulgação)
“Ele é muito criativo e generoso, tem uma escuta atenta. Cheguei para ele com um material consistente e demonstrei meus desejos. Acertamos o conceito do disco juntos. Ele fez a etapa de pré-produção e amarrou tudo. Ali já vislumbrei como seria”, conta a artista, cuja proposta era “criar uma identidade musical na instrumentalidade”. “Temos a guitarra distorcida e o trio de metais. As letras têm uma unidade que retrata a vida de uma pessoa, no caso, a minha. Sou uma mulher ativista na cultura e na sociedade, mas me considero também uma pessoa leve e delicada. É isso que tento levar para minha música”, afirma Flávia Ellen.

Músico há 20 anos, Richard se dedica há pelo menos 10 à produção. Começou de forma espontânea, produzindo o disco do irmão Rogério Lazur e aprendendo em cursos on-line. Hoje, concilia as duas faces da atividade musical. “Produção tem muito a ver com a percepção do trabalho do artista, de onde ele veio, o que escuta. É um garimpo para achar um fio condutor entre as músicas”, diz Neves.

Ele diz que o trabalho com Flávia Ellen “fluiu com uma leveza impressionante”. “Meu trabalho foi estruturar as músicas e encontrar a atmosfera de cada faixa”, diz o músico, que hoje tem um projeto chamado Malaika Reggae Club. Para ele, a experiência como músico ajuda no processo. “A gente parte do mesmo lugar, compartilha o mesmo universo e isso ajuda a aliviar a questão técnica, tornando-a menos fria e mais artística.”

ENGENHARIA Flora Guerra pretendia atuar como engenheira de som desde a adolescência, ainda que em Minas Gerais não houvesse uma graduação específica para isso na última década. Depois de se formar em engenharia de telecomunicações, ela se especializou em técnica sonora e hoje comanda o estúdio Maré Áudio Criativo, que  “produz tudo que se escuta”, inclusive música, diz ela.

Flora, cuja atividade técnica se estende aos shows, trabalhando com artistas locais como Di Souza e Rosa Neon, define o trabalho do engenheiro de som como a execução prática daquilo que produtor e artista pensam sobre a música gravada. Ela entende que um requisito fundamental para esse profissional é ter um bom entendimento com quem toca. Um dos objetivos de Flora é ajudar a expandir esse mercado para a atuação das mulheres.

Há dois anos ela realiza a Oficina de Áudio para Mulheres na Música, sem periodicidade fixa. “Tento trazer mais gente para esse lado. Muitos homens, quando veem uma mulher no estúdio, acham que a gente não sabe ou que erra só por ser mulher. A oficina foi criada não só para formar técnicas, mas para aproximar cantoras, instrumentistas, produtoras, DJs e todas que lidam com a música e querem conhecer mais sobre técnica, ou seja, como funciona um microfone, o que solicitar a um técnico de som, conhecer melhor equipamentos, etc. O resultado sempre foi muito bom”, diz.



DISCOS DE ESTREIA
Shit & blood é o nome do primeiro álbum do grupo Pata, que mistura punk e grunge e tem 10 faixas. Segundo a vocalista Lúcia Vulcano, o binômio “merda e sangue”, que compõe o título (em inglês) do disco, é o conceito sobre a experiência da menina ao ter a primeira menstruação.

“Desde criança, a mulher tem uma série de restrições impostas. Na infância, não entendemos isso direito. A menstruação é um marco. A partir dela, essas imposições comportamentais pioram, enquanto o homem pode seguir sendo infantil até os 40 anos. Essa bagunça meio escatológica de Shit and blood subverte o conceito de que a mulher é frágil e bonitinha. É nossa tentativa de discutir isso através da música”.

Já disponível no Spotify e em outras plataformas digitais, Shit & blood, que sai pelo selo Efusiva, é vendido a R$15 no formato físico. O disco tem show de lançamento nesta sexta (14), em Belo Horizonte. Ouça:



AUTOCONHECIMENTO “Desperta pode ser imperativo ou adjetivo. Eu me sinto das duas formas. Este disco, além de ter sido um processo de descobrimento no mundo, é um convite a outras pessoas para o autoconhecimento, que é um processo fundamental. Isso é o despertar”, diz Flávia Ellen sobre seu disco, que pode ser ouvido no Spotify e em outras plataformas digitais e tem show de lançamento previsto para agosto. Ouça:


Shit & blood
Show de lançamento do álbum. Hoje (14), às 21h, no Stonehenge (Rua dos Tupis, 1.448, Barro Preto). Abertura: Miêtta e Weedra. Ingressos: R$ 20, no site www.sympla.com.br, e R$ 30, na bilheteria. Mais informações: (31) 3271-3476


Desperta
Show de lançamento do álbum. Sábado, 10 de agosto, no Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Ingressos: R$ 25 (inteira) e R$ 13 (meia), à venda na bilheteria do teatro e no site www.tudus.com.br.

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