O movimento punk, que explodiu nos anos 1970, teve como suas principais capitais musicais Londres, dos Sex Pistols e The Clash, e Nova York, ninho dos Ramones, Stooges e The Heartbreakers. Porém, a gélida Finlândia também teve grande contribuição sonora nesse contexto, mesmo com sua língua desconhecida para a maioria do planeta. Formada em 1978, o Rattus se tornou uma lenda no estilo, influenciando gerações em outros continentes, inclusive no Brasil. Neste sábado, a banda se apresenta pela primeira vez em Belo Horizonte, mostrando que os 41 anos na estrada do punk rock e do hardcore não esgotaram o espírito combativo e rebelde. O grupo finlandês é a principal atração do festival MetalPunk Overkill, realizado em BH desde 2013. Dedicado a unir diferentes vertentes do rock pesado, o evento ainda terá mais seis bandas, quatro delas de Minas, uma do Rio e outra da Bahia.
Quando as atuais facilidades digitais de difusão musical inexistiam, no início dos anos 1980, o grupo da pequena Vilppula, sob influência de Sex Pistols e The Damned, já chegava a ouvidos distantes, participando de turnês pela Finlândia de grandes nomes do punk mundial, como The Exploited e Dead Kennedys. Não demorou para que os mais ávidos no Brasil por um som ríspido e contestador conhecessem a banda, cujo terceiro disco se chama Uskonto on vaara, ou Religião é perigo, na tradução para português, lançado em 1984.
“O Brasil sempre foi um país especial, com grandes fãs. Recebemos as primeiras cartas do Brasil nos primeiros anos da década de 1980. Então, a conexão tem sido semelhante há tempos”, relata o baixista Tomppa Marjamäki, um dos fundadores do Rattus, que faz sua terceira passagem pelo país.
Sem fugir das principais características do punk rock clássico, de poucos acordes e muita velocidade nas letras e melodias, o Rattus sempre falou grosso sobre temas sensíveis, como libertação animal, ameaça nuclear e exclusão sociais, críticas a religiões, o militarismo, nacionalismo, autoritarismo e ao sistema econômico mundial. “O punk rock e as pessoas nele são provavelmente os mais favoráveis a uma sociedade justa se você compara diferentes gêneros musicais. Esse pensamento foi uma das principais coisas que o punk rock começou”, defende Tomppa.
Ao falar sobre o contexto político e social no Brasil, onde alguns grupos até representados no poder defendem aquilo que a banda combate, ele lamenta: “Infelizmente, essa merda da extrema direita é popular em todos os lugares. O mesmo acontece na Finlândia. Acabamos de ter uma eleição e o segundo partido mais votado (Perussuomalaiset, ou Partido dos Verdadeiros Finlandeses, em português) é abertamente pró-ódio contra os estrangeiros”, diz Tomppa.
Com 41 anos dedicados ao punk rock, incluindo uma pausa entre 1988 e 2001, do trio original o Rattus ainda conta com o baterista V-P Hyvärinen, ao lado de Tomppa. Na guitarra e vocal, Jopo Rantanen (hoje principal letrista) assumiu o posto quando a banda retomou as atividades. “Eu não posso explicar por que ainda estamos nisso, mas talvez sejam as pessoas que encontramos nos shows”, afirma o baixista veterano, que ainda diz: “É ótimo tocar na cidade de onde o Sepultura é”, ao comentar a estreia em BH.
MetalPunk Overkill
. Shows: Rattus (Finlândia), Apokalyptic Raids, Gore, Aphorism, além de Scalped, Nuclear Blood, Aguarez e Possuídos.
. Sábado, 27 de abril, Às 18h, no Matriz Casa Cultural (Rua dos Guajajaras, 1353 – Barro Preto)
. Ingressos: R$ 40 no site Sympla e R$ 50 na bilheteria local
. Mais informações: (31) 3212-6122
Letras antigas para problemas...antigos
Rattus, em finlandês significa “ratos”. Não por acaso são apontados como uma das principais influências do Ratos de Porão, ícone do punk rock nacional, que no próximo sábado se apresentará em Mariana, no Uai Festival. “Tive o prazer de conhecer o Rattus, tocar com eles, viajar junto. Boa parte do repertório deles é discoteca básica para mim e também uma banda de relevância mundial”, afirma o guitarrista João Carlos “Jão” Molina.
Ele destaca que não apenas o Rattus, mas outros grupos finlandeses da mesma época, como o Kaaos e o Terveet Kädet, foram responsáveis por uma boa conexão sonora com o Brasil. “Teve uma troca de interesses por uma língua, um sotaque e uma música diferente. Isso nos aproximou de um país distante, que não tem nada a ver com a gente, mas no underground punk hardcore houve uma admiração mútua. O Ratos também tem muito público na Finlândia. É uma troca ótima, apesar das diferenças sociais de cada país”, argumenta Jão.
Porém, na passagem por Mariana o assunto principal será o Brasil, especificamente o álbum lançado em 1989, cujo 30º aniversário vem sendo celebrado pela banda. Ele será executado na íntegra pelo grupo paulistano, que lançou seu último disco, Século sinistro, em 2014. Faixas marcantes de outros álbuns também entrarão no set list. Apesar da data comemorativa, o guitarrista lamenta as letras de Brasil, majoritariamente sobre problemas políticos, ambientais e sociais do país, ainda serem atuais.
“Eu esperava que 30 anos depois esse disco fosse funcionar como uma lenda. Que quando você ouvisse, pensasse ‘olha que merda que era’. Mas, infelizmente, está até mais atual. Minha geração foi a primeira a conseguir falar, expor, se expressar depois da ditadura. Mas, ao mesmo tempo, é motivador expor nosso ponto de vista contra essa situação atual, que a música Farsa nacionalista expressa bem. É uma forma de protesto, não só contra os atuais governantes, mas contra quem votou neles também”, declara o músico.
A postura crítica marcante na trajetória do Ratos de Porão veio à tona na última semana. O artista alagoano Cristiano Suarez criou um cartaz em homenagem à turnê do Dead Kennedys pelo Brasil, agendada para maio. Na imagem, uma família de camisa da Seleção Brasileiras, máscaras do palhaço Bozo e armas em punho fazia piadas, enquanto um aglomerado de casas ao fundo é queimado. No entanto, o grupo californiano, que hoje não conta com participação de seu letrista e idealizador, Jello Biafra, negou envolvimento, dizendo que a publicação não era autorizada e que, embora sejam “fortemente contrários ao fascismo e à violência”. Pouco tempo depois, um fã substituiu o nome dos norte-americanos pelo da banda brasileira, que gostou da “homenagem”
“Ninguém do Ratos fez isso, foi um fã. Mas, na boa, a arte é sensacional. Ela traduz o momento atual do país e por isso mesmo ela choca e o pessoal que se intitula ‘família de bem’, que, na verdade, são os mais cruéis. Aquilo lá é a nossa cara”, explica o guitarrista.
Além do Ratos de Porão, o Uai Festival em Mariana contará com a banda paulista Garage Fuzz e as mineiras Malatesta, Seu Juvenal, Pense, Devise, Montese, Elízia, Evil Matchers, Bit Beat Bite Bright e 2Dedo. “A proposta do festival é criar oportunidades para novos talentos musicais se apresentarem com artistas que já possuem um trabalho autoral coeso. Fazemos sem fins lucrativo, em praça pública, na contramão aos acontecimentos recentes no setor minerário em Mariana. Nossa ideia é fomentar a cultura e fortalecer o turismo. Acreditamos que a valorização da arte pode a mudar o foco econômico na região, criando uma independência financeira, a médio prazo, do setor minerário”, explica o produtor Sandro Aurélio, um dos responsáveis pela iniciativa.
Uai Festival
. Sábado, 4, e domingo, 5 de maio, às 14h, na Praça dos Ferroviários, Bairro do Rosário, Mariana
. Entrada gratuita
. Shows com: Malatesta, Seu Juvenal, Pense, Garage Fuzz e Ratos de Porão (Sábado); 2Dedo, Bit Beat Bite Bright, Evil Matchers, Elízia e Montese (domingo)
. A programação detalhada pode ser vista em: www.facebook.com/uaifestivalmariana