Tim Maia já havia aspirado todos os pós e entornado todos os líquidos naquele ano de 1975, quando se sentou com o amigo Tibério Gaspar em um fim de semana. Depois de mandar mescalina para dentro, passou a folhear o livro indicado pelo amigo, cheio de conceitos sobre os quais jamais ouvira falar. Universo em desencanto, mundo racional, racional superior, cultura racional, energia racional. A história é assim: todos os viventes da Terra vieram de outro planeta. A Terra é nosso exílio, nos sujando e nos magnetizando, submetendo-nos a todo tipo de sofrimento. A saída? Ler o livro Universo em desencanto e seguir os ensinamentos de Manoel Jacintho Coelho até atingirmos o estágio da imunização racional e sermos resgatados por seres extraterrenos que nos levarão de volta ao mundo original. Quando fechou o livro, Tim já era outro homem.
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Os discos foram imediatamente amaldiçoados. “Aquelas letras se tornaram um atestado de otário para Tim”, diz Nelson Motta, biógrafo do amigo. Proibidos pelo autor e com prensagens descontinuadas, os álbuns se tornaram peças arqueológicas. “O vinil dos dois primeiros custa, no mínimo, R$ 1 mil cada. O terceiro pode ter um valor menor”, diz o jornalista Ramiro Zwetsch, dono da loja paulistana Patuá Discos.
E, então, eis que surge o universo encantado do streaming. Esses álbuns, como muitos outros discos de Tim, não estavam disponíveis nas grandes plataformas de música.
Quase ao mesmo tempo, um Tim Maia ainda desconhecido virá à tona ainda neste semestre, com gravações em espanhol que ele nunca lançou. Carmelo explica: “Meu pai, depois de ficar desiludido no Brasil, foi para os Estados Unidos e ficou por lá cinco anos, recebendo influências de latinos e norte-americanos. Gravou uma série de discos entre 1994 e 1998, ano de sua morte, cuja produção não era nada comum. Em dois anos, fez cinco CDs. Um deles, que nunca lançou, traz Primavera, Azul da cor do mar e Cristina em espanhol.”
Hyldon reclama de 'desrespeito'
Há uma questão delicada em relançamentos feitos à revelia de artistas que já morreram. O cantor e compositor Hyldon considera um desrespeito trazer à luz a fase que Tim Maia teria relegado à escuridão.
“O problema é que existe muito cacique para pouco índio, e as pessoas se esquecem de que, nessa tribo, só existe um cacique: Carmelo Maia. Se quiserem decidir sobre as questões do meu pai, posso repassar a elas os 413 processos que Tim deixou para eu resolver”, afirma Carmelo Maia.
O filho diz que Tim já vinha em um processo de aceitação das músicas. “Ele tocava Racional culture nos shows dos anos 1990.
Há um elo perdido no horizonte de Carmelo. Ele sonha em descobrir onde estariam as gravações que Tim Maia fez com a JB Band, o grupo de James Brown, nos Estados Unidos. Por ora, não se sabe se elas existem mesmo. Outro projeto que o herdeiro diz estar negociando é a montagem de um musical sobre o pai, desta vez na Broadway.
Ao mergulhar na fase espiritual, Tim Maia confirmou um comportamento artístico quase unânime. “As fases espiritualistas costumam render grandes álbuns”, afirma Ramiro Zwetsch, da Patuá Discos.
AFRO-SAMBA Discos históricos foram criados sob o manto da fé. Baden Powell e Vinicius de Moraes mergulharam nos terreiros para realizar, em 1966, a antologia de afro-sambas. John Coltrane queria toda a verdade do universo e a proximidade com seu criador ao gravar A love supreme, em 1965. Os Beatles se entregaram à meditação transcendental do mestre Maharishi Mahesh Yogi e foram à Índia criar canções que usariam em vários álbuns – entre elas Dear prudence, Norwegian Wood e Across the universe.
No Brasil, Raul Seixas fundou, ao lado de Paulo Coelho, a irmandade Sociedade Alternativa, lançada no disco Gita, de 1974, e baseada em pensamentos do ocultista britânico Aleister Crowley.
Tim Maia queria levar o baiano para sua seita sob argumentos não muito espiritualísticos “Tu toma cuidado, hein, magrelo. Nego cheira cocaína e fica logo com vontade de dar o... Cocaína afrouxa o brioco, mermão!”, avisou. (Estadão Conteúdo)
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