Quem teve a oportunidade de conferir os primeiros shows da nova turnê de Milton Nascimento, que celebra os antológicos discos Clube da esquina 1 (de 1972) e 2 (de 1978) – o cantor já passou por Juiz de Fora, Belo Horizonte e Jaguariúna (SP) –, deve ter reparado num jovem bem magro que no palco fica à direita de Bituca. Seu nome é José Ibarra. Esse carioca de apenas 22 anos, filho de mãe chilena e pai carioca de origem baiana, é o vocalista, tecladista e um dos compositores de uma das bandas que é sensação da música popular brasileira dos últimos anos, a Dônica, que conta também com Lucas Nunes (guitarra), Miguel Guimarães (baixo) e Tom Veloso (composições e violão), filho de Caetano e Paula Lavigne.
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O primeiro contato com a obra do autor de Morro velho e Canção do sal (ambas de 1967), de 76 anos, só ocorreu quando Ibarra tinha 14. O pai havia se mudado para São Paulo e ele foi visitá-lo em 2011. Chegando em casa, colocou no computador uma canção que impactou o filho para sempre: Cais, parceria de Bituca com Ronaldo Bastos, que está no disco Clube da esquina 1. “Eu ainda estava deslumbrado com a cidade, conhecendo Sampa, toda aquela aura nova, e aí ouvi aquela música. Pensei: ‘Nossa, como esconderam isso de mim até hoje?’. Foi tão forte que é como se eu já conhecesse aquilo, fizesse parte de mim, das minhas raízes há anos”, ressalta.
A partir de então, o músico se debruçou sobre a obra de Milton e dos demais integrantes do Clube. Logo depois, a Dônica já começava a tomar corpo. “É uma música que virou referência para mim e para todo mundo do grupo, sobretudo o Tom. A gente foi meio que descobrindo junto toda aquela riqueza musical do Clube da Esquina. Para você ter ideia, a gente ouvia todo dia e conseguia até dançar ao som daquelas composições, de tanto que nos empolgávamos”, diverte-se.
Não é à toa que a sonoridade dos artistas mineiros está presente no trabalho de estreia da Dônica, Continuidade dos parques, como na faixa Bicho burro, que tem uma pegada a la Nuvem cigana (Lô Borges e Ronaldo Bastos). “Não que seja uma homenagem, mas a melodia, o ritmo, acabaram seguindo essa música. Foi meio por osmose”, explica. Bituca ainda faz uma participação no álbum em Pintor.
MULTI-INSTRUMENTISTA
Pianista de formação – apesar de o primeiro instrumento ter sido no campo da percussão –, José Ibarra não se enxergava como cantor. Virou o vocalista da Dônica meio que por acaso. “Confesso que não gostava de cantar. Meu tesão sempre foi através do instrumento, de fazer e tocar arranjos e ver a música funcionando no palco. Aquela coisa da arquitetura, da construção musical, é que sempre me deu prazer. O Tom também não cantava, mas a circunstâncias nos levaram para os microfones”, conta. Daí a surpresa do jovem músico de ser a primeira opção da equipe de Milton Nascimento para fazer parte da turnê que deve durar dois anos. José Ibarra conta que Augusto Nascimento, filho e empresário de Bituca, pensava numa voz masculina para acompanhar o cantor, “meio que fazendo a função do Lô Borges’’. Surpreendeu-se com o convite. ‘‘Nunca fui um cantor muito versátil, mas de um ano pra cá, tudo mudou. Não só porque hoje eu amo cantar, mas porque passei a tocar também violão. É uma mudança drástica. Eu não poderia estar mais realizado e honrado”, celebra.
Do áudio despretensioso ao ‘presente’
Nas apresentações da turnê Clube da esquina, além de fazer dueto com Milton em boa parte das canções, Ibarra canta sozinho três músicas: Estrelas e Trem de doido, dos irmãos Lô e Márcio Borges, e a cereja do bolo, San Vicente (Milton e Fernando Brant). “O mais curioso é que uns três meses antes de esse convite pintar, tinha mandado um áudio despretensiosamente ao Augusto interpretando San Vicente, que, pra mim, é a música mais linda de todas. É uma canção que me toca profundamente. Quando ele me deu essa música para cantar sozinho, era como se fosse um presente”, revela.
Assim que foi confirmado no projeto, o artista passou a estudar compulsivamente a obra do Clube e, apesar de sentir o peso da responsabilidade, tem conseguido encarar o desafio como grande prazer. Ibarra cita como inspiração um filme a que assistiu recentemente, Free solo. Ganhador do Oscar deste ano de melhor documentário, o longa traz Alex Honnold, considerado o escalador solo mais bem-sucedido do mundo, que se prepara mental e fisicamente para sua aventura mais ousada: escalar El Capitán, o paredão de 975 metros em Yosemite, na Califórnia, sem cordas ou equipamentos de proteção. “Ele passou três anos treinando com corda para poder um dia subir sem ela. Mesmo tendo treinado tanto, na primeira vez que subiu, ele teve medo e disse: eu quero fazer isso tendo prazer. Ali foi a sacada e isso mudou minha cabeça. O meu medo de estar nesse projeto com o Milton foi convertido em impulso em estudar. É um peso, mas um peso bom”, assegura.
O músico ressalta o aprendizado que tem tido e que ainda vai ter ao longo desse período com aquele que considera seu maior ídolo ao lado de Caetano Veloso. “Com a Dônica, é uma coisa de família. Estou ali com os meus melhores amigos fazendo o que a gente quiser, com muita liberdade. Com o Milton é diferente: é um trabalho que exige demais, mas mesmo assim não poderia estar melhor. Esses dois anos pela frente só me animam. Mas uma coisa é certa: O Zé Ibarra que está na Dônica é bem diferente do Zé Ibarra que está com o Milton Nascimento”, garante.
AUTORAL
Mesmo com a agenda intensa da turnê miltoniana, José Ibarra consegue encontrar tempo livre para se dedicar ao segundo álbum autoral da Dônica, que deve chegar ao mercado ainda em 2019. No ano passado, o grupo lançou o single Itamonte, que faz parte deste novo projeto fonográfico “É um disco totalmente experimental; Tem ainda muita influência do Clube da Esquina, da MPB, e é mais louco que o primeiro”, avisa.
A próxima parada da turnê Clube da esquina é no sábado (13), em Brasília. José Ibarra afirma que está muito feliz com a repercussão das apresentações e de seu trabalho e diz que a maior recompensa é saber que as pessoas aprovaram sua participação nessa empreitada. “Quando acaba o show, saio daquele palco querendo abraçar meus amigos, minha família. É muita energia boa canalizada. Não consigo explicar por que tudo isso está acontecendo comigo. É muita gratidão por tudo e por todos”, destaca.
“Quando acaba o show, saio daquele palco querendo abraçar meus amigos, minha família. É muita energia boa canalizada”
“Fiquei muito surpreso de eles terem pensado em mim. Nunca fui um cantor muito versátil, mas de um ano pra cá, tudo mudou. Não só porque hoje eu amo cantar, mas porque passei a tocar também violão. É uma mudança drástica”
“Eu ainda estava deslumbrado com a cidade, conhecendo Sampa, toda aquela aura nova e aí ouvi aquela música (Cais). Pensei, ‘nossa, como esconderam isso de mim até hoje?’”