É totalmente diferente do filme. É uma peça que retrata com dramaticidade aquilo que aconteceu nas adversidades da minha vida. Mas sempre fiz delas uma plataforma para tentar um voo maior”
. João Carlos Martins,
pianista e maestro
. João Carlos Martins,
pianista e maestro
“A música venceu.” Aos 78 anos, o maestro e pianista João Carlos Martins diz que o título do samba-enredo campeão da escola paulistana Vai-Vai, feito em sua homenagem, há oito carnavais, é a frase que resume sua vida. “Ela sempre vence”, diz o instrumentista reconhecido internacionalmente, que retornou aos palcos no fim de semana passado. A apresentação, no sábado (9), em Taubaté, interior paulista, foi a primeira após a 24ª cirurgia neurológica a que João Carlos Martins se submeteu, em fevereiro. O procedimento para amenizar as dores no braço esquerdo limitou de forma definitiva os movimentos nos dedos da mão, mas não o talento de quem se dedica há seis décadas à música clássica. Aposentado do piano, ele seguirá atuante na regência – e obstinado em deixar um legado de democratização do acesso e da prática de música erudita no país.
Com uma conhecida história de superação, que inclui acidentes e complicações osteomusculares nos membros superiores, João Carlos se tornou ainda mais notável por sua perseverança. Nem mesmo o trauma sofrido em 1995, quando foi golpeado na cabeça com uma barra de ferro, em um assalto em Sófia, capital búlgara, o afastou definitivamente do instrumento que o consagrou, sobretudo pelas execuções da obra de Bach. Os movimentos da mão direita ficaram ainda mais comprometidos e, apesar da rotina de operações ao longo dos anos seguintes, passou a se apresentar usando apenas a esquerda. No mês passado, Martins anunciou que não tocaria mais.
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BIRUTA
Na rede social, onde o perfil @maestrojoaocarlosmartins é seguido por quase 40 mil pessoas, ele posta registros de suas performances. Na publicação mais recente, por exemplo, um vídeo traz registro gravado na Sala São Paulo, com a seguinte legenda: “Obstinação - Piazzolla até com o cotovelo.!
“O Instagram parece uma biruta, cada hora eu apareço em um lugar, mas é uma forma de mostrar para os mais jovens o meu passado”, diz ele. Porém, seu legado não fica apenas nas novas mídias digitais. Também em 2018, com apoio da Fundação Banco do Brasil e do Sesi-SP, ele lançou o projeto sociocultural Orquestrando o Brasil. O objetivo é usar a internet para difundir os conhecimentos da música clássica e desenvolver a formação de músicos por todo o país, por meio de aulas on-line e disponibilização de outros materiais teóricos gratuitos, além da conexão entre orquestras, bandas e outras formações musicais.
“Passei boa parte da vida curvado, só eu e o teclado. Quando me vi no pódio, na frente de 80 músicos, percebi nessa hora a importância da responsabilidade social, da sustentabilidade, da situação dos músicos no Brasil, para construir um novo patamar na vida”, afirma o maestro, que calcula em 10 mil o número de crianças já envolvidas no projeto Orquestrando o Brasil. Uma mostra do projeto foi vista sábado, em Taubaté, gratuitamente por cerca de 2 mil pessoas. João Carlos Martins pôde reger membros de duas orquestras e cinco corais locais, formados por jovens músicos. “Esse é o projeto da minha vida”, diz ele, que deve reger outras apresentações do tipo em breve, por outros estados brasileiros.
HOMENAGENS
O talento e a brilhante carreira do pianista e maestro já foram homenageados em muitas expressões culturais. Alvo da recente cinebiografia João, o maestro, dirigida por Mauro Lima, com Alexandre Nero no papel principal, e enredo vencedor no carnaval paulistano de 2011, pela escola Vai-Vai, a trajetória do músico também deu origem ao espetáculo teatral Um concerto para João, escrito por Sérgio Roveri, dirigido e estrelado por Cassio Scapin. Depois de uma temporada de quatro meses em São Paulo, a peça chega neste fim de semana a Belo Horizonte, com sessões no Sesc Palladium, no sábado e no domingo.
Diferentemente de outras representações mais documentais sobre a atividade musical de João Carlos Martins, a peça procura um recorte um pouco mais abstrato de um momento complicado e inspirador vivido pelo maestro. “É um olhar do artista, da direção que esse pianista dá para a arte. O espetáculo é muito mais preocupado em contar a relação dele com sua obra e com a feitura do seu ofício do que em mostrar uma biografia literal ou a sequência dos fatos”, afirma Scapin, que, na década de 1990 ficou muito conhecido pelo personagem Nino, do seriado infantil da TV Cultura Castelo Rá-Tim-Bum.
Na peça há um elemento factual central: uma das operações no cérebro às quais Martins foi submetido. Nesse caso, a que durou nove horas, durante as quais ele permaneceu acordado. A partir daí, o texto se estabelece sobre delírios e ilusões que o músico tem, na fronteira entre realidade e fantasia. O maestro, que estará presente na apresentação em BH com “uma surpresinha para o público”, como ele mesmo adianta, diz que se emocionou quando viu a peça pela primeira vez.
“É totalmente diferente do filme. É uma peça que retrata com dramaticidade aquilo que aconteceu nas adversidades da minha vida. Mas sempre fiz delas uma plataforma para tentar um voo maior. O autor não me conhecia, nunca falou comigo antes da estreia, mas, pela pesquisa que ele fez, os diálogos da peça são exatamente os que tive nesses últimos 50 anos. Parece que ele conviveu comigo a vida inteira”, afirma o maestro, que, prestes a completar 79 anos, garante ainda ter “mais uns 20 para queimar”.
Concerto para João
De Sérgio Roveri. Direção: Cássio Scapin. Com Cássio Scapin, Duda Mamberti, Ando Camargo e Erica Montanheiro. Participação especial: João Carlos Martins. No Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Sábado (16), às 21h, e domingo (17), às 19h. Ingressos: Plateias I e II R$ 100 e R$ 50 meia); Plateia III: R$ 75 e R$ 37,50 (meia), à venda na bilheteria e no site www.ingressorapido.com.br. Duração: 95 minutos. Classificação: livre. Mais informações: (31) 3270-8100
(O espetáculo) É um olhar do artista, da direção que esse pianista dá para a arte. O espetáculo
é muito mais preocupado em contar a relação dele com sua obra e com a feitura do seu ofício do que em mostrar uma biografia literal ou a sequência dos fatos”
. Cássio Scapin, ator e diretor do espetáculo