O Grammy de melhor disco de blues contemporâneo nos dois últimos anos tem um só dono: Fantastic Negrito, o projeto de Xavier Dphrepaulezz, americano de 51 anos, autor de uma história de vida extraordinária e agora com passagens compradas para o Brasil. Ele se apresenta no Cine Joia, em São Paulo, no dia 19 de março - os ingressos custam de R$ 80 a R$ 160.
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O exercício de diálogo com as fontes originais e atualização estilística traz sua música num vórtex para o presente.
Outro caminho é conhecer sua história de vida, resumida aqui com relatos do próprio.
Ele nasceu no interior de Massachusetts numa família humilde com 14 irmãos - numa visita a parentes no sul da Virginia foi quando conheceu o blues. A família se mudou para Oakland na Califórnia, ele tinha 11 anos e aplicou sua disposição empreendedora na contravenção. Vendeu maconha falsa ("aquela que os Beatles fumavam", brinca), furtou chaves de casa de colegas para roubar objetos e andou armado. Entre orfanatos e andanças, ficou fissurado por Dirty Mind, um dos clássicos de Prince. Resolveu ser músico.
O caminho foi fazer crescer costeletas e se infiltrar entre os alunos do curso de música da Universidade de Berkeley, a 40 minutos dali, sem nunca ter se matriculado. A música era uma maneira de se manter longe dos problemas da rua. Depois de uma noite em que rivais invadiram sua casa em busca de dinheiro, abandonou a vida fora da lei e se mudou para Los Angeles. Um par de anos depois, agenciado por um ex-empresário de Prince, assinou um contrato de US$ 1 milhão com a Interscope - do qual se arrependeu prontamente, e o disco The X-Factor (1996) não agradou nem o músico nem a gravadora.
"Eu não entendia o negócio da música. Eram os anos 1990. Hoje em dia as coisas são muito mais abertas para quem não se encaixa nessa matriz", diz por telefone. "O que faço agora seria abraçado naquela época."
Três anos de limbo depois, um carro guiado por um homem alcoolizado acertou o seu e o fez capotar quatro vezes. Foram três semanas de coma (e os dois braços quebrados). Quando acordou, um sentimento de libertação tomou conta, o contrato foi rompido, ele abriu uma boate ilegal em Los Angeles e continuou fazendo música sob pseudônimos (Blood Sugar X o mais conhecido).
Quando sua esposa engravidou, vendeu todos os equipamentos e voltou para Oakland, onde se mantinha cultivando plantas de maconha. Cinco anos se passaram e num dia em que o filho estava especialmente choroso, pegou o único violão que sobrou e tocou Across The Universe dos Beatles. Começou a escrever canções e com o dinheiro remanescente dos royalties do passado abriu um coletivo/galeria de arte na cidade - e com eles conseguiu ter uma estrutura suficiente para montar o Fantastic Negrito, gravar um vídeo amador e enviá-lo para o concurso do Tiny Desk Concert, célebre série na web da NPR, a rádio pública americana. Foi o início do sucesso.
"Quando era jovem, queria fazer música por algo, fossem carros, fosse conseguir mulheres ou mais dinheiro. Quando fiquei mais velho, quis contribuir para o mundo que vivemos. Isso ganhou um significado profundo. A música é a linguagem mais pura da humanidade."
Fôlego novo no Blues
Um cara desses aparece a cada dez anos. E, se pensarmos que o blues, o gênero que agoniza mas não morre e que tem em gigantes urbanas como Nova York seus maiores túmulos, esses caras são heróis. Depois de Kenny Wayne Shepperd e John Mayer nos anos 1990, Dereck Trucks e Susan Tedeschi nos 2000 e Gary Clark Junior há duas décadas, o nome que vem salvar o blues rock é Fantastic Negrito.
Seu vocal feroz atualiza o rock ledzeppeliano com mais gás no blues. Sim, ele será colocado ao lado do Greta Van Fleet por também trazer semelhanças com Robert Plant, mas sua banda não tenta ser o Led. São guitarras secas, linhas de baixo sólidas e coladas ao bumbo, muitos pratos, teclados com timbres dos anos 1970 e um corte de faca que se dá a cada momento em que Negrito volta a cantar. Plastic Hamburgers, a faixa do álbum Please Don't Be Dead, tem tudo isso.
Ele pode ainda se distanciar do blues rock, como na balada Bad Guy Necessity ou na arabesca A Boy Named Andrew. Negrito, em seu segundo disco, já brinca mais com as peças que pode usar, desde que elas não o levem a outro mundo.
O blues carece de nomes assim. Eles não são mais bluesmen legítimos, mas revitalizam um gênero que o próprio norte-americano classe média não ouve mais. Muitos dentre os últimos dos moicanos que seguiam na estrada se foram - BB King, Johnny Winter, Magic Slim -, deixando apenas dois nomes que podem encher uma casa de shows com cinco mil lugares em qualquer país do mundo: Robert Cray e Buddy Guy.
No Brasil, o blues tem lampejos de criatividade e respiro. Depois de uma cena com casas de shows próprias e bandas que excursionavam nos anos 1990, a realidade é outra. Os maiores expoentes estão em seus casulos, como o guitarrista André Christovam e a banda Blues Etílicos. Nuno Mindelis, uma exceção, lançou recentemente um disco gravado ao vivo na Polônia, mesmo sem fazer tantos shows.
SERVIÇO
FANTASTIC NEGRITO - 10 ANOS DO SITE ‘TMDQA!’
Cine Joia. Praça Carlos Gomes, 82, Liberdade, São Paulo/SP.
19/3 - 19h (Show 21h). R$ 160 / R$ 80.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.