A cantora Titane e o instrumentista Túlio Mourão apresentam nesta quinta-feira (21) o show Paixão e fé – Manifesto, derivado do álbum homônimo, lançado em 2017. O projeto coloca em discussão a mineração no Brasil, a partir das consequências do rompimento da Barragem do Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, ocorrido em 2015. Com a tragédia de Brumadinho, ocorrida no último dia 25, o projeto ganhou contornos ainda mais urgentes.
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Unem-se à dupla, na apresentação, os artistas Flávio Venturini, Aline Calixto, Pereira da Viola, Luiz Gabriel Lopes, Mariana Cavanellas, Priscila Glenda, Emílio Dragão e Renato Saldanha. Eles interpretam canções da MPB que evocam sentimentos de perda e perplexidade, recorrentes no atual cenário. O espetáculo também contará com exibição de fotografias aéreas de Júlia Pontes, que registrou áreas de mineração com seu projeto “Ó Minas Gerais”.
“Não é apenas um show. Queremos convocar as pessoas, público e artistas, para que estejam conosco, promovendo a união entre palco e plateia”, afirma Titane. O espetáculo se divide em duas partes: a primeira, informativa, traça um panorama da mineração no estado; a segunda é dedicada à música e à leitura de poemas de Carlos Drummond de Andrade sobre o tema, datados da década de 1940.
Paixão e fé foi levado ao público pela primeira vez há dois anos. Titane e Túlio Mourão apresentaram o show em 10 cidades mineiras, incluindo Mariana. Ao repertório do álbum da dupla de músicos somam-se letras como Chaga, de Chico César, Choro de lama, de Priscilla Magela, Quanto Vale?, da banda Djambê, e Sal da terra, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos. “Teremos um conteúdo muito maior no roteiro, com depoimentos não só dos atingidos, mas também de ambientalistas”, comenta Titane.
MANIFESTO O formato escolhido pela apresentação responde ao desejo de Titane e Túlilo de acrescentar alguma informação, sucinta e objetiva, às reflexões subjetivas que fazem em torno do tema. “Por vezes, parece que o artista é apenas uma antena sensorial, mas trabalhamos a partir de dados da realidade. Não partimos do irreal. Nossa arte é a maneira como sentimos uma realidade palpável”, diz Titane.
Sobre a classificação do show com caráter de manifesto, a cantora diz: “Não há outro caminho. Do contrário, vamos desaparecer debaixo da lama. Estamos cercados de bombas-relógio. Não só a nossa obra, mas a de outros músicos, fotógrafos e grupos de teatro tiveram sua produção afetada por essa realidade”. Ela cita com exemplo o espetáculo Lama, do coletivo Teatro Andante, em cartaz na Campanha de Popularização do Teatro e da Dança.
“Sempre que um artista coloca para fora o que realmente pensa e sente, isso reflete a sociedade. Não que a arte tenha essa função, mas é de sua natureza refletir o mundo em que se insere. E como nosso mundo está um caos, com a violência e o desrespeito imperando, a arte naturalmente passa a tratar desses assuntos”, aponta a cantora.
Ao definir o projeto Paixão e fé, a cantora mostra que não há mais tempo para meias palavras. “Estamos cada vez mais convictos do óbvio: esse grande ciclo de mineração, criminosa e devastadora, deve se encerrar em Minas Gerais. É preciso escancarar que é falso esse discurso de que a mineração traz progresso e que dependemos dela. Todo o benefício é insignificante perto do desastre econômico, além do ambiental, cultural e humano.”
CARNAVAL Blocos de carnaval de BH também se preparam para mostrar que a folia pode ser um espaço de denúncia e resistência. É o caso do Havayanas Usadas, cujo desfile contará com uma intervenção, formulada em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O objetivo é cobrar resoluções das autoridades e prestar homenagens aos atingidos pelas tragédias de Brumadinho e Mariana.
“Sentimos a necessidade de apoiar e dar voz ao MAB. Houve várias iniciativas de grupos artísticos e empresas para arrecadar donativos, o que é obviamente muito importante, mas queríamos fazer além de uma ação pontual”, afirma Débora Mendes, cofundadora do bloco e responsável pelo núcleo Eco Sócio Musical, que define as questões sociais abordadas pelo Havayanas Usadas.
No início do desfile, a Bateria Chinelada estará fora do cortejo, sem instrumentos, exibindo estandartes, faixas e bordados de protesto. “Nossa intenção é usar todo o nosso alcance – do bloco e de todo o carnaval – a serviço dos atingidos e daqueles que ainda estão em risco, próximos às barragens que correm risco de rompimento, como em Macacos”, diz Débora.
O Havayanas Usadas ocupa a Avenida dos Andradas, no Centro, em 4 de março (segunda-feira de carnaval). “Queremos festejar, mas também aproveitar esse momento de diversão para trazer questões sérias. É uma proposta que nos acompanha desde o início”, afirma a cofundadora do bloco. O respeito à mulher e a luta contra o assédio são pauta desde o primeiro desfile, em 2017.
O abre-alas do desfile é formado por mulheres transexuais. Membros da ONG TransVest participam, ao longo do ano, de oficinas de confecção de instrumentos musicais e percussão oferecidas pelo bloco. “São propostas que vão além do carnaval. O bloco busca a inclusão de pessoas que sempre estiveram à margem, promovendo também a sua inserção no mercado de trabalho”, diz Débora.
O tema do desfile 2019 será Soy loco por ti, carnaval, com decoração, fantasias e músicas que trazem a proposta de integração da América Latina. “As barragens são um problema não de Minas e do Brasil, mas de todo o continente. O desfile também evoca a receptividade com pessoas de fora do país, incluindo refugiados.”. O axé dos anos 1980 e 1990, marca do Havayanas, dividirá espaço com ritmos latinos, como salsa e reggaeton.
PAIXÃO E FÉ – MANIFESTO
Show de Titane e Túlio Mourão. Com participação de Flávio Venturini, Aline Calixto, Pereira da Viola, Luiz Gabriel Lopes, Mariana Cavanellas, Emílio Dragão e Renato Saldanha. Quinta-feira (21/2), às 20h. Teatro Francisco Nunes. Parque Municipal, Av. Afonso Pena, 1.377, Centro. (31) 3277-6325. Entrada franca.
DEBATE NA PRAÇA
No sábado (23), às 10h, o Café Controverso, debate promovido no Espaço do Conhecimento UFMG mensalmente, enfocará a exploração de minério de ferro no Brasil. A abordagem deverá ir além dos desastres de Brumadinho e Mariana, retrocedendo ao surgimento da Mina do Córrego do Feijão, há mais de 50 anos, e promovendo uma avaliação sobre o impacto da atividade no ambiente e na comunidade local. O encontro terá a presença de Claudio Scliar, geólogo especialista na área de economia e política mineral e professor aposentado, e Paulo de Tarso, geólogo e professor de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Ouro Preto. Entrada franca.
PROTESTO NO MEMORIAL
O Memorial Minas Gerais Vale, vinculado à mineradora responsável pela Barragem do Feijão, está de portas fechadas desde o dia seguinte ao rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão. A instituição chegou a anunciar sua reabertura, mas voltou atrás. “Estamos mobilizados para prestar apoio aos impactos pelo rompimento da barragem de Brumadinho e às comunidades afetadas”, é o que diz o comunicado oficial sobre a suspensão das atividades. Procurada, a assessoria do Memorial afirmou que ainda não foi definida a data de reabertura. O movimento Águas e Serras de Casa Branca agendou para o próximo domingo (24), quando se completam 30 dias da tragédia, um “ato pelas vítimas da barragem do Córrego do Feijão”. A convocação estabelece o Memorial da Vale como ponto de encontro e pede aos participantes que se vistam de preto.
"As cidades estão entregues à mineração, porque a própria atividade não as permite consolidar outro tipo de atividade econômica. Não há investimento significativo no turismo, por exemplo, sendo que nossa cultura é uma de nossas coisas mais exuberantes. Precisamos encontrar formas de desenvolvimento que sejam limpas e tenham como objetivo o bem comum do estado"
. Titane,
cantora
"Nossa intenção é usar todo o nosso alcance – do bloco e de todo o carnaval – a serviço dos atingidos e daqueles que ainda estão em risco, próximos às barragens que correm risco de rompimento, como em Macacos"
. Débora Mendes,
cofundadora do Havayanas Usadas