“Apesar de ter formação erudita, sou ligada à música popular, especialmente ao samba. O repertório do Geraldo faz parte da minha vida. Meu projeto foi aprovado pelo Sesc e eles propuseram uma releitura contemporânea”, revela a cantora paulista.
Inicialmente, Anaí estranhou, pois sua intenção era valorizar as raízes. “Nos ensaios, ouvia aquela guitarra e achava muito esquisito. Estou acostumada à sonoridade do cavaquinho, violão de sete cordas. Foi um desafio pra mim, pois saí da zona de conforto. Mas quis correr o risco e embarquei.”
MODERNO
A direção artística de Cacá Machado e Vadim Nikitin e os arranjos de Gilberto Monte conferiram um olhar moderno a clássicos do samba. E eles não são poucos. Falsa baiana (gravada por João Gilberto e Gal Costa), Acertei no milhar (parceria de Geraldo com Wilson Batista), Pisei num despacho (composta com Elpídio Viana) e Pode ser? (parceria com Marino Pinto) fazem parte do repertório.
Outro destaque é Ministério da Economia, parceria de Geraldo com Arnaldo Passos, resposta irônica à ideia do então presidente Getúlio Vargas de criar a pasta da Economia, em 1951.
A letra diz assim: “Seu presidente,/ Sua Excelência mostrou que é de fato/ Agora tudo vai ficar barato/ Agora o pobre já pode comer/ Seu presidente,/ pois era isso que o povo queria/ O Ministério da Economia/ Parece que vai resolver.” O samba vingou, ao contrário do projeto de Vargas.
Gravado ao vivo, Anaí Rosa atraca Geraldo Pereira contou com uma banda idealizada especialmente para o projeto: Allan Abadia (sopros), Meno Del Picchia (contrabaixo), Zé Ruivo (teclado), Thomas Harres (bateria), Douglas Alonso (percussão), Cacá Machado (violão) e Gilberto Monte (guitarra). O trombonista Raul de Souza é o músico convidado.
“Perguntei: ‘Cadê o samba?’. E eles me responderam: ‘’Está na sua voz, no jeito como você interpreta’. Tem uma cuíca e um agogô de vez em quando. Apesar dessa repaginada, o disco ficou homogêneo, bem bacana. A essência do Geraldo está ali”, afirma Anaí.
O verso de Chegou a bonitona batizou o disco, lançado este mês com show em São Paulo. “Queria Vou atracar, que é o verso original, uma gíria da época. Atracar pode ser aproximar de alguém, ir de encontro ou mesmo brigar. Sugeriram Anaí Rosa atraca Geraldo Pereira e adorei”, revela a cantora.
A cereja do bolo, ou melhor, do projeto, é a participação especial de um contemporâneo do mineiro: Nelson Sargento, de 94 anos, lenda viva do samba. Compositor, cantor, pesquisador da música popular brasileira e ícone da Estação Primeira de Mangueira, ele solta a voz em Que samba bom, Polícia no morro e Falsa baiana.
“Os dois foram amigos, são galhos da mesma árvore. Nelson Sargento está dentro de Geraldo Pereira e vice-versa. Foi com o padrasto do Nelson (Alfredo Português) que Geraldo teve o primeiro contato com a música, aprendeu a tocar violão. Era importante tê-lo nesse projeto”, destaca Anaí.
O bamba nonagenário se sentiu honrado em fazer parte do tributo ao velho companheiro. “Ele disse que para sobreviver, a gente tem que inovar, pois velharia fica no fundo do baú. No fim das contas, também gostei muito. No show de lançamento, o público adorou. A música tem que romper as fronteiras do tempo. Temos de trazer o Geraldo Pereira sob um olhar atual para que novos ouvidos o aceitem e aprovem. Dessa forma, a obra dele vai continuar imortal”, acredita Anaí.
TELECOTECO
Geraldo Pereira é considerado o criador do chamado samba sincopado – ou samba do telecoteco. Com melodias elaboradas e ritmo quebrado, ele chama a atenção por ser rico em notas e acentuadamente gingado, com divisões rítmicas ziguezagueantes.
“Não é um samba quadradinho, ele tem ginga, ritmo. Geraldo inovou tanto que chega a ser um dos precursores da bossa nova”, ressalta Anaí Rosa.
Esse mineiro ousado, porém, não teve o reconhecimento merecido. “Geraldo deixou uma obra maravilhosa, mas que ficou mais conhecida na voz dos intérpretes. A figura desse compositor ficou meio relegada. Sem contar que ele morreu muito jovem, talvez isso explique o esquecimento. Porém, nada diminui a sua importância e o seu legado. Geraldo Pereira foi um marco na música brasileira por ser inovador e diferenciado”, conclui Anaí Rosa.
A Lenda da Lapa
Nascido em Juiz de Fora, em 23 de abril de 1918 – dia do aniversário de Pixinguinha, Dia Nacional do Choro e Dia de São Jorge –, Geraldo Pereira (foto) se mudou com 12 anos para o Rio de Janeiro. Boêmio, conheceu intimamente a malandragem carioca dos anos 1940 e 1950. Sua morte, aos 37 anos, virou lenda.
Dias antes de falecer, Geraldo brigou com o transformista e capoeirista Madame Satã (1900-1976), ícone do universo marginal da Lapa. Apesar dos comentários de que o sambista foi assassinado por Satã, biógrafos rejeitam essa tese. De acordo com eles, Geraldo morreu em decorrência das complicações causadas por uma antiga hemorragia intestinal.
FAIXAS
Que samba bom
. Arnaldo Passos e Geraldo Pereira
Falsa baiana
. Geraldo Pereira
Chegou a bonitona
. José Batista e Geraldo Pereira
Polícia no morro
. Arnaldo Passos e Geraldo Pereira
Cabritada malsucedida
. Geraldo Pereira
Pode ser?
. Marino Pinto e Geraldo Pereira
Você está sumindo
. Jorge de Castro e Geraldo Pereira
Escurinho
. Geraldo Pereira
Falta de sorte
. Marino Pinto e Geraldo Pereira
Ministério da Economia
. Arnaldo Passos e Geraldo Pereira
Pisei num despacho
. Elpídio Viana e Geraldo Pereira
Acertei no milhar
. Wilson Batista e Geraldo Pereira
Brigaram pra valer
. José Batista e Geraldo Pereira
Escurinha
. Arnaldo Passos e Geraldo Pereira
ANAÍ ROSA ATRACA GERALDO PEREIRA
Selo Sesc
14 faixas
Preço sugerido: R$ 20