"Minha relação com o Milton vai além da música e do trabalho. É sem explicação"
. Criolo, rapper
Logo no primeiro frame, há referências a dois incêndios: o que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e o que devastou o prédio de uma ocupação no Largo do Paissandu, na capital paulista. Pouco depois, surge um porco no mar de lama, metáfora da tragédia ambiental causada pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG). O prato de biscoitos na escola remete ao escândalo paulista do desvio de merendas. Há também alusão à execução da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Impactante, o clipe da canção Boca de lobo, de Criolo, traduz a potência da nova turnê do rapper, que chega sábado (15) ao Espaço Marô, em BH, depois de estrear em Porto Alegre no último dia 5.
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Comparado ao emblemático This is America, clipe do americano Childish Gambino cheio de referências à história dos EUA, Boca de lobo, dirigido por Denis Cisma e Pedro Inoue, retrata momentos do Brasil contemporâneo – protesto de “paneleiros”, PEC da Saúde, mosquito da dengue, guardanapos de pano na cabeça de políticos (como aqueles usados pelo ex-governador fluminense Sérgio Cabral e sua turma em Paris). Também fala da violência que toma conta do mundo. Um garotinho ferido lembra as crianças castigadas por bombardeios na Síria.
A turnê Boca de lobo traz uma novidade: o flerte de Criolo com a música eletrônica. O rapper estará acompanhado do DJ DanDan, seu antigo e fiel escudeiro, e de três produtores multi-instrumentistas: Bruno Buarque, Dudinha e Daniel Ganjaman. “Todas as canções do repertório foram rearranjadas.
AMIGOS
Por falar em Minas, um ícone da cultura do estado conquistou o coração de Criolo. “Minha relação com o Milton (Nascimento) vai além da música e do trabalho. É sem explicação. Os nossos corações se abraçaram e se encontraram. Somos os melhores amigos do mundo”, diz.
Em suas letras, Criolo aborda as mazelas do Brasil – racismo, intolerância e exclusão social. Ex-professor e filho de professora, ele critica o projeto Escola Sem Partido, arquivado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira, mas que deve voltar a tramitar.
A paixão pela educação vem do berço. Maria Vilani, mãe do cantor, aprendeu a ler sozinha, migrou para São Paulo e retomou os estudos ao lado dele – era colega de classe do caçula, um adolescente. Depois, ela cursou filosofia, fez pós-graduação em línguas e semiótica. É autora de quatro livros, com poemas e crônicas. Dona Vilani fundou um café filosófico no Bairro do Grajaú, na periferia paulistana, onde Criolo foi criado.
Para o rapper, a tentativa de controlar tanto os professores quanto o conteúdo ensinado nas salas de aula não é novidade. “Isso faz parte do processo de desvalorização do professor e do desmonte da escola pública”, afirma.
Sempre é hora de aprender, defende ele. Em 2016, ao relançar o CD Ainda há tempo, mudou letras de faixas antigas, consideradas machistas e transfóbicas.
Criolo está disposto a rever posicionamentos. “Tive a oportunidade de aprender com muitas pessoas que chegaram e apontaram meus erros. Não é fácil, requer energia, empenho. Mas vou te falar: pedir desculpa só faz bem. Pra você, pro outro e pro mundo.”
PANCADAS
Politizado, ele comenta a ascensão de forças conservadoras no Brasil e no mundo. Diz que é preciso resistir e celebra “a força da alegria, do amor e da resistência”. E completa: “Só assim pra gente conseguir enfrentar essas pancadas. Hoje, materializou-se um sentimento que vem sendo vomitado desde a colônia… Eles apenas perderam o pudor.”
Na opinião de Criolo, as pessoas apoiam ideias conservadoras porque têm medo. “Nosso povo vive com desespero na alma e os poderosos se aproveitam disso.
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
BOCA DE LOBO
Show de Criolo. Convidada: Cynthia Luz. Sábado (15), às 22h. Espaço Marô. Rua Gabriela de Melo, 367A, Bairro Olhos D’Água. Evento Game Station. Ingressos a partir de R$ 120 (inteira/2º lote) e R$ 60 (meia/2º lote). Informações e vendas on-line no site Sympla.