Com letras incisivas, Baco Exu do Blues condena estereótipos sobre o negro

Em seu novo álbum, o rapper baiano cria o conceito de bluesman para designar tudo o que foge aos padrões e alerta para os efeitos psicológicos do racismo

por Débora Anunciação* 09/12/2018 10:51
Alex Takaki /divulgacao
(foto: Alex Takaki /divulgacao)
Baco é o deus dos excessos. Exu, o orixá do movimento. O nome artístico de Diogo Moncorvo, de 22 anos, aponta para a sua renúncia aos padrões e moldes comerciais. Um ponto fora da curva, Baco Exu também é Blues. As influências do ritmo criado por afro-americanos no Sul dos Estados Unidos vão além da sonoridade do rapper, perpassam a importância do blues para a dignificação dos negros.

“A partir de agora considero tudo blues/ O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues/ O funk é blues, o soul é blues/ Eu sou Exu do Blues/ Tudo que quando era preto era do demônio/ E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de blues/ É isso, entenda/ Jesus é blues/ Falei mermo.” A letra de Bluesman, canção-título do novo disco de Baco Exu do Blues, é incisiva e dita o tom autoafirmativo do trabalho recententemente disponibilizado nas plataformas digitais. A faixa inicial destaca a aceitação pós-embranquecimento de gêneros musicais, atitudes e estilos antes hostilizados – a referência bíblica não é ao acaso. Ali, aliás, nada é.

Baco explica: “Ser bluesman é não se enquadrar em estereótipos, não ser aquilo que os outros esperam de você”. Na capa do disco, uma fotografia de João Wainer mostra um negro no Carandiru tocando guitarra. Além de simbólica, é uma representação fiel do “ser bluesman”. “A expectativa (da sociedade) é que eu seja forte, tenha um trabalho braçal, seja envolvido com crime, jogador de futebol, ou um músico ligado aos padrões do que as pessoas acham que posso fazer”, diz. Para ele, recusar os rótulos é um ato de luta.

Bluesman já figura na lista dos 50 discos de 2018 da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Para o músico, as pessoas querem que o homem, principalmente o rapper, aja como os homens das cavernas. “É um rolê em que você precisa ostentar e dizer que faz coisas e é perigoso. Isso não faz bem, é só mais um estereótipo. E já falo isso pra caralho, mas não é o que quero ser e como quero que as pessoas enxerguem”, conta. Para ele, seu conceito de bluesman implica desafiar padrões, seja de gênero, cor, idade ou classe social. Sem titubear, aponta outros bluesmen da atualidade: “O Lázaro (Ramos), o Fabrício Boliveira, o Caetano, o Gilberto Gil, a Pabllo Vittar, o Hiran... O Ney Matogrosso é bluesman pra caralho. A maioria das pessoas são, só não sabem ainda. Quem se enquadra como livre é bluesman”, conclui.

Nas entrelinhas das rimas se camuflam questionamentos sobre a saúde mental dos negros. O rapper expõe a própria depressão nas composições para pautar a sociedade sobre o impacto do racismo na psicologia dos indivíduos. “Todo negro passa por racismo, e isso vai te minando, mesmo sem você entender. É muito provável que, se não todos, a maioria dos negros tem grandes problemas de saúde mental, e as pessoas ignoram isso”, diz. Em Girassóis de Van Gogh, Baco aborda o suicídio, e Me desculpa Jay-Z traz referências sobre a bipolaridade. Já Queima minha pele é um discurso sobre a depressão e Flamingos discorre sobre a dependência afetiva. “Vivemos em uma sociedade onde não se pode admitir isso como negro. As pessoas acham que o negro é forte o tempo todo e nossas preocupações são só sociais e nunca interiores”, comenta, destacando a carência de debates sobre o tema na academia.

Na letra de Kanye West da Bahia, com participação de DKVPZ e Bibi Caetano, Baco assume entender o ponto de vista do polêmico rapper norte-americano Kanye West, e avisa: “Não me chame de preto bonito/ Preto inteligente/ Preto educado/ Só de pessoa importante/ Seu rótulo não toca na minha poesia/ Eu sou o Kanye West da Bahia”.

Mas, enquanto o West dos Estados Unidos declarou publicamente apoio ao governo de Donald Trump, o nordestino usou o Instagram para afirmar que na sua terra, “a extrema-direita não se cria”. Para Baco, posicionamento político do rapper americano, no entanto, é apenas mais um motivo para torná-lo digno da alcunha. “Ele é bluesman por tudo que já fez na vida. E até isso foi bluesman da parte dele, usar da sua liberdade, ainda que seja para apoiar algo ruim. Falo sobre ele pelo fato de ser um cara que não se deixa levar pelo ritmo musical, e isso é ser bluesman pra caralho”, explica Baco.

Suas referências passeiam por ritmos variados. Do blues a MPB, de Beyoncé a Tom Zé. O lançamento do disco chamou a atenção da cantora norte-americana, que enviou uma mensagem para Baco nas redes sociais. Mas o que a estrela disse, ele não revela.

As críticas contra a concentração do cenário rap no eixo Rio-São Paulo ditaram o tom dos trabalhos anteriores, e continuam atuais. “Sulicídio (parceria com o pernambucano Diomedes Chinaski) foi melhor pra cena do Centro-Oeste do que para o Nordeste. Em BH, por exemplo, você tem a Clara Lima, o Hot & Oreia, Djonga... entre outros vários. Mas se perguntarem, você vai saber falar quantos nomes de rappers de Salvador e de Recife?”, questiona.

* Estagiária sob supervisão do subeditor Pablo Pires Fernandes

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