“Nós tá aqui por cada bicha com a vida interrompida/ Por causa de homofobia, ódio e intolerância/ Resistimos no dia a dia/ Pra poder chegar o dia que prevaleça respeito, igualdade e esperança.” As letras politizadas do grupo paulista de rap Quebrada Queer destacam a importância da presença LGBT no meio artístico para o combate ao preconceito. Formado no fim de 2017 pelos MCs Guigo, Harlley, Lucas Boombeat, Murillo Zyess, Tchelo Gomez e pela produtora e DJ Apuke, o coletivo é o primeiro da América Latina a produzir rap com temática explicitamente LGBT. Para Guigo, ser pioneiro reflete a lgbtfobia e o machismo enraizados na sociedade brasileira. “É estranho que um estilo tão antigo no país nunca ter se pronunciado nesse sentido. Ainda mais o rap, conhecido por pregar respeito e amor”, diz.
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Cada faixa do disco remete a histórias vivenciadas diariamente por milhares de jovens LGBTs no país. Em Quem, a música mais densa, os rappers avaliam o início dos questionamentos no ambiente familiar. As influências de trap e dubstep de Tempo (Hold up) evidenciam a liberdade daqueles que saem de casa e são acolhidos na rua, longe de julgamentos. Sem terror, parceria com a drag queen Gloria Groove, aborda diferentes formas de amor. As raízes do racismo são discutidas na letra de Arruda, com participação do rapper Hiran. Pra quem duvidou finaliza o ciclo com uma redenção. Inteiramente digital, cada música terá um minivideoclipe próprio. “Nos últimos anos, quem tem carregado o rap nas costas são as bichas e as mulheres. As mulheres abriram caminho nesse espaço que sempre foi muito fechado, e talvez sem elas nós não conseguiríamos fazer o que temos feito”, aponta.
RAP Guigo revela que não escutava rap até a chegada da cantora Karol Conka à cena. “O rap nunca falou comigo ou pra mim. Criou uma ferida histórica na comunidade, porque nunca nos vimos representados, e sempre minimizados”, observa. Se ser queer fora dos palcos é complicado, em cima deles também. “Não podem nos criticar pela qualidade, então se apegam a outros adjetivos para invalidar nosso trampo. Dizem ‘ah o som é bom, mas não precisava da imagem assim’ ou ‘estão querendo chocar.’” A incoerência das críticas incomoda, tendo em vista a função do rap de denunciar temas invisibilizados. “Isso é homofobia”, conclui.
Recentemente, o grupo foi vetado de participar na categoria de rap em um festival e os integrantes precisaram ser realocados para o setor pop do evento. “Quando as pessoas perguntam sobre o preconceito, sempre questiono: ‘Quantos LGBTs você vê num line up de festival ou em evento de rap?’. Mas nem sempre o estranhamento é preconceito, às vezes é falta de informação”, comenta o compositor.
“Ninguém me da voz/ Eu já tenho voz/ Somos um só/ vocês que dividiram.” A poesia de Lucas Boombeat é pontual e avisa: artistas LGBT já têm voz, agora precisam de oportunidades. “Ainda hoje, o gay só é colocado na mídia para gerar polêmica ou para ser piada, nunca para ter um trabalho reverenciado”, analisa Guigo. Para ele, no contexto político atual é essencial não temer. “É natural que, quando uma frente conservadora avança, tentam nos colocar debaixo do tapete de novo, mas não podemos ter medo. Sempre tivemos dificuldades. Diversas travestis são assassinadas todos os dias, e isso não vai deixar de acontecer, e nem ocorrer mais porque ele (Bolsonaro) está na Presidência. Só se demonstrarmos medo. Está todo mundo junto”, reconhece. De acordo com Guigo, grande parte dos fãs do grupo é de Belo Horizonte e visitar a capital está nos planos. Um documentário com os bastidores da produção do EP será lançado no próximo ano. * Estagiária sob supervisão do subeditor Pablo Pires Fernandes