Foi folheando uma revista estrangeira que Ana Cañas decidiu qual seria a capa do seu novo álbum, Todxs. Com o intuito de retratar o poder da sexualidade feminina, a imagem é de uma cobra dando o bote no meio das pernas de uma mulher. A ilustração representa perfeitamente o momento musical da cantora paulista: corajoso e combativo. “O patriarcado rege a opressão da mulher de várias maneiras, inclusive calando nossa sexualidade. É um cerceamento político. A gente tem que derrubar esse sistema”, afirma ela.
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Em Lambe-lambe, uma das principais faixas, a cantora dá o recado: “Não se apavore com uma mulher que goza/ Evolução chegando pra geral/ Aceita o poder que o prazer é sempre igual/ Paga de foda, damo risada/ Aprende aí como se faz”. Ana acredita que a invisibilização do prazer da mulher se relaciona diretamente com o apagamento da voz e do pensamento feminino. “Mulheres que já estiveram em relacionamentos heterossexuais sabem que a maioria dos homens nem tenta de fato dar prazer à parceira. Quando a mulher fala do próprio corpo, da própria sexualidade, ainda choca, é tabu. Essa é uma das manifestações da opressão machista, que é muito maior e mais complexa”, garante.
Outro tema caro à cantora é a questão da autoaceitação corporal. A artista, que já declarou ter tido bulimia durante a adolescência, diz que, nos últimos anos, começou a estudar com profundidade o conceito de bodypositive (acolhimento de todos os corpos). “Existe um padrão, também atrelado ao consumo, que faz com que as mulheres comprem produtos de beleza desesperadamente. O que o sistema impõe é muito medíocre, pobre e absurdamente preconceituoso”, afirma. Em seu Instagram, Ana posta e escreve com frequência sobre a relação com o próprio corpo.
INSPIRAÇÃO Como referência, ela cita os nomes de Nina Simone, Gal Costa, Rita Lee e Mariana Lima. “Isso musicalmente… As minhas principais ídolas, na verdade, são mulheres que moram na quebrada, foram abandonadas pelo marido, sustentam os filhos na raça e ainda pegam dois ônibus por dia para trabalhar fora. Digo o mesmo das lideranças de ocupações (muitas são mulheres).”
A paulista conta que passou os últimos dois anos, desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, aproximando-se de movimentos sociais. Ela contabiliza cerca de 40 shows voltados para grupos de resistência. “Foi um lugar de muito aprendizado. Isso, para mim, é a verdadeira democracia: sublimar esse abismo social gigante que a gente vive e estender a mão, entender que a realidade do outro também é a minha.” Para Ana, a arte é justamente o espaço de debates e questionamentos: “Resolvi sair do posto de espectadora e usar o meu lugar de visibilidade para somar nas causas que dialogam com a minha música. Acredito muito naquela frase da Nina Simone: ‘Eu não posso ser uma artista e não refletir o meu tempo’”.
* Estagiária sob a supervisão do subeditor Pablo Pires Fernandes